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O velório da vovó.
Antonio Magnani




Já faz muito tempo mesmo, penso que faz quase 50 anos, o dia em que recebemos uma triste notícia. Logo de manhã chegou o senhor Antônio que trabalhava na Estrada de Ferro, em sua bicicleta antiga,com sua farda reluzente, trazendo nas mãos um telegrama. Nosso coração gelou e já pensamos no pior. Papai leu as poucas linhas do telegrama que dizia, “Vovó morreu de madrugada”.
Em pouco tempo nos vestimos para pegar o trem das nove, e fazer uma viagem de uma hora, até a cidade em que vovó residia. Mamãe como de costume colocou aquele vestido preto, que era habitual em todos os velórios e rumamos apressadamente para a estação. A viagem que para os adultos era luto, pra mim era festa, afinal andar de trem era luxo.
Vovó morava num casarão antigo, e seu corpo foi velado na sala que era muito grande. E aos poucos foram chegando os amigos, vizinhos e os parentes de longe e de perto para prestar a última homenangem aquela mulher guerreira que marcou a vida de muita gente. Vovó era uma velhota muito bonita, e no caixão parecia que estava dormindo, e o seu corpo estava coberto de rosas brancas e vermelhas, foi um pedido feito antes de morrer.
A tarde todos estavam famintos, e foi servido pão francês com mortadela e tubaina. Na minha ótica foi o momento mais emocionante, até hoje consigo sentir no ar cheiro daquela mortadela.
A velhota ainda estava inerte no caixão, e já começava a briga, pelos seus poucos pertences. E discretamente os parentes mais próximos, iam colocando na sacola: talheres, taças, toalhas bordadas e até um penico semi-novo. Eu muito maroto, fui até o quarto da vovó, abri a gaveta do criado mudo e peguei um cofre em formato de bota, cheio de moedas antigas. Belas e raras moedas de bronze e prata que possuo até hoje.
Por volta da cinco da tarde, o velho padre italiano, rezou o terço entregando a alma dela a Deus, e deu uma palavra de consolo a família, em "italianês", pois misturava o português com o italiano. Na despedida houve muito choro e papai chorava copiosamente. E os netos faziam fila para dar um último beijo na vovó. Eu a beijei com certo “nojo” aquele rosto frio e pálido. Foi o primeiro e último beijo dado em um morto, confesso que fiquei traumatizado. Sou apologista da vida e penso que temos que abraçar e beijar, os vivos e nãos os mortos...
Em seguida rumamos pro cemitério, e quase como um ritual costumeiro, todos jogaram um bocadinho de terra em cima do caixão, outros deixaram ramos de flores... Olhei pro coveiro todo suado, e pensei que triste sina deste homem, enterrar os mortos todo dia.
A noitinha voltamos pra casa no último trem que vinha do sertão, todos vinham carregados, com alguma lembrança da vovó. Eu feliz com minha coleção de moedas. Ao chegarmos na aldeia, pegamos a charrete do “seu” Agripino e fomos pra casa. Papai estava triste com a perda da mãe. Mamãe mais fria,calculista não expressou o seu sentimento em nenhum momento, e balbuciou com os lábios fechados: "É o ciclo da vida”.Eu estava imensamente feliz, pois o velório era uma maneira de sair da rotina e encontrar os amigos e a parentes. O velório é festa.
De vez em quando,ainda revejo as moedas antigas, e lembro me do velório da vovó, e isso me levou a tirar das funduras da memória, velhas lembranças e escrever esta crônica atemporal, e eternizar todas as nossas avós que encheram o nosso mundo de amor e carinho

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