A escravidão não consiste apenas em um fato passado ou isolado, a herança escravocrata persiste atualmente em nossas relações sociais e na estratificação hierárquica, cuja ideologia é caracterizada pela submissão de um ser humano a outro. Se analisarmos a linhagem da humanidade, é possível verificarmos sua ocorrência desde os primórdios da Antiguidade. E no Brasil, este processo é decorrente preponderantemente da ação portuguesa no país.
Foi no período conhecido como Segundo Reinado (1840-1889), que a escravidão no sentido bruto da palavra foi abolida, nessa época, a pátria era governada por D. Pedro II, coroado imperador aos quatorze anos de idade através do golpe da maioridade. D. Pedro II representava o poder político da nação e a única pessoa capaz de garantir a estabilidade e a tranquilidade. A agropecuária era a base econômica, e o café, também chamado de “ouro verde”, era o principal produto agrícola no Brasil e fonte de riqueza. Grande parte do produto era destinada à exportação. Assim houve um deslocamento na economia, até então, o setor econômico situava-se na região Nordeste, com a plantação de cana de açúcar, porém, com a venda do mesmo item nas Antilhas holandesas a baixo custo e mais próxima dos consumidores europeus, seu comércio e produção no Brasil decaíram devido às desvantagens que assolavam a região. Em contrapartida, o sudeste abrangia um clima propício e solos férteis à produção cafeeira nas lavouras, cuja mão de obra era o africano escravizado.
Para o Brasil, a escravidão era um motivo de vergonha ao desenvolvimento do país, pois diversas nações americanas já haviam oficializado a abolição da escravatura, e o respectivo processo, ainda predominante em solo brasileiro, contribuía com a imagem de atraso a qual o território estava subordinado. Padrões europeus eram implantados no país, pois a Inglaterra era considerada o modelo de civilização, o “espelho” onde as demais nações deveriam refletir-se, aqueles que não seguissem seus princípios eram rotulados de selvagens e atrasados. Além da escravidão, outros fatores que difamavam a imagem brasileira eram as péssimas condições sanitárias e urbanísticas, a falta de higiene e a consequente proliferação de doenças. Conforme esse contexto social, providências e reformas atuaram para o surgimento de melhorias.
Anteriormente à escravidão negra, há indícios da utilização do trabalho indígena, povo nativo brasileiro cuja exploração e interesses portugueses eram voltados ao Pau-Brasil. Esses povos não sofreram apenas abusos no trabalho e força física, mas também foram dominados e incorporados pela cultura europeia.
A escravidão de maneira geral, influenciou drasticamente o desenvolvimento do preconceito racial no século XV, germinando frutos de superioridade e de teorias rácicas, muitos escravos negros foram substituídos por trabalhadores europeus no fim da escravidão, pelo fato de serem “mais qualificados”. Essa vinda de imigrantes auxiliou no branqueamento e no progresso da nação, repercutindo nos hábitos locais.
Após a independência do Brasil, a escravidão persistiu, assim como a permanência do ideal racial. Somente após o Segundo Reinado, movimentos em prol da abolição surgiram, seguidos pela relevância britânica e pela ampliação do mercado consumidor. Este processo desumano iniciou-se no Brasil no Período Colonial e teve fim no Período Imperial (1530-1888), sendo caracterizado pela extrema violência: africanos eram capturados em seu país de origem e levados ao Brasil com o intuito de trabalharem nas lavouras cafeeiras. Através dos navios negreiros, famílias eram separadas e muitos morriam durante o trajeto, devido às precárias condições de higiene, disseminação de doenças, como o escorbuto provocado pela falta de vitamina C no organismo, desnutrição e até mesmo devido o afundamento dos navios que partiam dos portos africanos abarrotados de escravos, que eram considerados mercadorias a serem vendidas.
No Brasil, os escravos sofriam com os maus tratos, trabalhavam em condições degradantes e insalubres durante diversas horas, sofriam punições caso não cumprissem a meta do ciclo produtivo estabelecida por seus donos, como o açoite em público e o pelourinho. Poucos deles recebiam recompensas por suas habilidades, o que dificultava a compra de sua alforria, além de serem torturados, mutilados e vítimas de violências de diferentes naturezas, com física, psíquica ou sexual.
Durante o governo do Imperador D. Pedro II, a semeação de ideais de modernização na mentalidade dos indivíduos e o anseio pela “aprovação” britânica, estimularam a criação de leis abolicionistas, que significaram um passo rumo à abolição da escravatura no Brasil e à liberdade negra. Entre elas estavam: a Lei do Ventre Livre (1871), que determinava a liberdade aos filhos de mulheres escravas nascidos a partir da data da lei, porém essa lei não surtiu efeitos práticos, pois só seria concedida a emancipação ao indivíduo, quando este completasse vinte e um anos, e a abolição ocorreu antes desse período. Outra lei foi a de 1831, que permaneceu apenas no papel, nomeada “Lei para inglês ver”, pois a Inglaterra defendia arduamente o fim da escravidão, devido à ocorrência de um surto de inovações tecnológicas: a Revolução Industrial. Com a técnica de produção em larga escala, a potência imperialista almejava mercados consumidores, ou seja, compradores que gerassem lucro à nação, e como a maioria dos escravos não possuía renda suficiente para isso, a Inglaterra optava pelo fim da escravidão. Outra lei foi a Lei Eusébio de Queirós (Bill Aberdeen), que autorizava embarcações inglesas a apreenderem navios tumbeiros, ou seja, proibia o tráfico de escravos, além da Lei dos Sexagenários, que assegurava a alforria aos escravos maiores de sessenta anos. E em treze de maio de 1888, a Lei Áurea, que abolia definitivamente a escravidão no Brasil foi assinada pela filha de D. Pedro II: a Princesa Isabel.
O processo de liberdade oficializado com a assinatura da Lei Áurea não aconteceu do dia para a noite, os cativos lutavam muito por seus direitos, assim como também havia ideais esquerdistas em relação à abolição da escravatura. A liberdade alcançada pelos povos escravizados representou uma importantíssima conquista de gerações negras, remetendo à quebra de barreiras e algemas que os prenderam por mais de trezentos anos aos “superiores” europeus e garantindo o livre arbítrio como seres humanos. Ideais racistas porém, não se extinguiram, na contemporaneidade ainda percebemos o preconceito aplicado aos negros e o pesado fardo da herança histórico-cultural, assim como a precariedade estrutural do período, considerada um obstáculo à liberdade. Além disso, com a liberdade, muitos africanos viram-se livres moralmente de acordo com seu âmbito de crenças e culturas, acarretando numa possível reorganização de identidades. A cultura afrodescendente muito influenciou nos hábitos e costumes brasileiros, proporcionando legados em áreas como a linguagem, a música, a culinária e a religião.
Caso fizéssemos uma analogia entre o conceito de liberdade no Brasil entre o século XIX, e a atualidade, observaríamos que não deixamos de ser escravos em sua totalidade, vivemos em uma era em que estamos submissos a nós mesmos, somos escravos de nossas palavras e atitudes. A abolição da escravatura foi um marco muito importante da nossa história, a escravidão provocou massacres e fragmentou inúmeras vidas, foi um processo definido pela falta de ética e caráter branco, contudo o modelo de sociedade que tanto idealizávamos, ainda não foi alcançado, é essencial que o mundo miscigenado do qual fazemos parte, continue na luta por princípios justos e igualitários, “abolindo” fronteiras preconceituosas e muros que nos afastam de ideais humanos.
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