Martinho do Rio
O Observador de Trovoadas
Não costumo vir até aqui, mas hoje não resisti e vim. Tem uma vista maravilhosa e o ar é aqui muito mais fresco e muito mais puro que lá embaixo. Além disso fica-se com uma perspectiva que não se tem lá embaixo. Aqui sente-se a mão do criador, a mão infinita e poderosa do criador. Além disso consigo ver muito mais longe, a minha vista consegue alcançar distâncias que não consigo alcançar lá embaixo, onde costumava ficar para ver. Ainda hoje não percebo por que é que nunca vim até cá acima, por que é que nunca subi até ao alto desta montanha. Talvez por ser demasiado comodista, por não estar habituado, por ficar sempre lá embaixo. Também sou o primeiro a vir até aqui, todos os outros antes de mim ficaram sempre lá embaixo. É isto que faz o hábito, a rotina, o costume, e sobretudo o medo. O medo da sua grande força e o medo de morrer. Mas eu não tenho medo. Quer dizer...tenho medo, mas não sou doido. Se por acaso morrer, morrerei com o conhecimento do seu grande poder, que faz a grande força que tem sobre todos os homens e animais. Já aqui estou á dois dias e ainda não aconteceu nada. Embora todos os indícios apontassem que fosse hoje. Até vim mais cedo porque precisava de me preparar e fazer a purificação necessária para poder observar sem qualquer mácula o seu poder. É um ritual necessário, por que ele sabe muito bem quando não somos dignos de assistir. Elói dispensou o ritual dizendo que não era importante nem necessário e imediatamente foi morto por ele. Ele sabia muito bem que Elói não se tinha purificado. Mas a mim ele não me apanha assim; trouxe comigo tudo o que era necessário para me purificar e foi a primeira coisa que fiz mal subi esta montanha. Estou puro e pronto para observar. Porque, uma das razões porque subi até aqui, foi para observar e aprender. Aprender a escapar a tanto poder.
Ussumana cantou a canção de boas vindas mal avistou as primeiras nuvens negras a cobrirem o horizonte. Levantou-se e abriu completamente os braços. O primeiro aguaceiro empapou-lhe o cabelo comprido e o primeiro relâmpago atirou-o de joelhos com a cabeça sobre a terra. Orou e pediu ao criador que o poupasse e que poupasse também a sua aldeia. Tentou não ter medo e tentou observar para aprender; era necessário que ele aprendesse para poder ensinar todos os habitantes da sua aldeia. Durante muitas gerações os homens tremeram perante tão grande poder e muitos morreram porque não sabiam. Agora ele tinha que saber para poder ensinar os outros. Olhou novamente para o céu e o que viu deixou-o estupefacto. As grandes nuvens negras que cobriam o céu todo tinham-se incendiado e o fogo bailava lá em cima em luzes ardentes que corriam e que tocavam constantemente a terra. O barulho da sua voz era terrível e ensurdecedora e esmagava-o como se ele não passasse dum simples insecto.
- Perdoe-me...perdoe-me porque eu não sou digno.
Rezava num tom humilde Ussumana de cabeça poisada sobre a terra.
De quando em quando um dos seus olhos revirava-se para o céu e quando o fazia, era quando a luz o cegava ainda mais e a voz, como se quisesse repreendê-lo, se tornava ainda mais terrível.
- Eu tenho que aprender !
Gritou determinado Ussumana levantando-se. O seu corpo tremia todo de medo, mas mesmo assim ele abriu os braços e fez um esforço enorme para olhar para as nuvens.
- Eu tenho que aprender !
Gritou ele em voz alta olhando desta vez abertamente para as nuvens.
E aprendeu. Um dedo comprido de luz envolveu-o e arrastou-o com ele e Ussumana aprendeu que afinal o ritual de purificação não tinha servido para nada.
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