Uma vez , quando era mais jovem, tinha na praça central da cidade, uma grande exposição de arte plástica (não pensem que era uma reunião de lançamento de Tuperware), onde os artistas, chamados de experimentais, expunham seus trabalhos.
Tinha ferros retorcidos, parecendo corpos, arames esticados em volta de um pneu, representando o sol, papéis rasgados, tecidos esvoaçantes, madeiras parecendo rostos, lâmpadas velhas criando imagens distorcidas e tudo que era material imaginável a serviço da arte.
Confesso que olhando de perto, cada uma daquelas “obras”, elas pareciam mais uma brincadeira de criança criada com a avó, tal era a forma primária com que elas se apresentavam.
Mas o público compareceu. O público sempre comparece para essas coisas.
Os interessados faziam cara de intelectual, soltando alguns sussurros do tipo “hurummm”, coçavam o queixo, tiravam e colocavam os óculos, levantavam a cabeça e iam para a próxima escultura, parecendo príncipes árabes numa liquidação do Museu do Louvre.
Nesse dia, estavam lá, eu e meu amigo Beto, o Betânea (apelido em homenagem a cantora baiana - dizem que o apelido vem do tempo em que ele teve piolho), justamente num canto da praça em que o lugar da exposição estava vago.
Adivinhem o que se passou por nossas cabeças?
Vamos expor alguma coisa nesse espaço vago. Seria um pecado não aproveitarmos essa chance de mostrarmos nosso talento artístico, ainda mais que o Betânea tinha na família a tradição artística –seu pai pintava quadros (só depois ele me explicou que eram quadros de bicicletas para uma oficina).
Pois bem. Olhamos para os dois lados e começamos a recolher o que estava mais a mão para a nossa “obra-prima”, no caso, um copo plástico de refrigerante escrito “coca-cola” e um maço de cigarros amassado. Foi o que deu.
Tínhamos que ser rápidos, pois o seleto público já estava chegando ao nosso espaço artístico.
Enfiamos o maço de cigarros dentro do copo, com a metade para fora e deixamos o copo em pé ali mesmo.
Paramos os dois, cada um de um lado da “obra”, como eunucos guardando as virgens do palácio, com os braços cruzados, com um olhar sério, mais sério que político em enterro de eleitor que não vota na cidade.
As pessoas olhavam para a “obra”, olhavam para nós e voltavam a olhar para a obra. Alguns riam e outros faziam os mesmos “hurummm” de antes.
E nós ali, firmes, olhar ao longe, como verdadeiros artistas.
A presença do público em nosso espaço foi um sucesso naquele dia.
Alguns deles, quem sabe, até hoje devem estar se perguntando, o que aqueles artistas quiseram dizer com aquela “obra”.
Um copo plástico com a marca de uma multinacional e uma carteira de cigarros, nacional, amassada, como que engolida pela multinacional.
Até hoje eu me pergunto se nós, com aquela brincadeira, não alteramos os destinos das pessoas, de acordo com o entendimento de cada observador para aquela “obra”.
Confesso para vocês, que nunca mais toquei nesse assunto, mas, um daqueles visitantes da obra, estou me lembrando agora, era a cara do Lula.
Sérgio Lisboa.
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