PAIXÃO - PERDIÇÃO
- Você não precisa estar transando para ter um relacionamento. - disse Ana, enquanto manobrava o carro numa vaga apertada.
- É claro que precisa! Senão todas as amizades seriam consideradas um relacionamento. - Júlia retrucou.
- Mas algumas amizades, de certa forma, chegam a ser um relacionamento super sério! - respondeu enfaticamente à amiga, enquanto finalizava o ajuste do carro dentro da vaga.
- Pode parar com essa análise toda! - Julia respondeu irritada - Eu não estou namorando ninguém! Não é por que você se apaixona por qualquer um, que todo mundo faz isso.
Ana ficou muda e pensativa enquanto puxava o freio de mão, do carro já estacionado.
- O que foi? Você ainda o vê, não é? - Júlia perguntou, com tom acusatório.
- Só às vezes... - confessou a amiga fechando os olhos.
- Eu não te entendo... Você sabe que essa relação não tem o menor sentido e te deixa mais mal do que bem. Por que você faz isso? - ela quis saber.
- Por que ele me inspira a sempre descobrir algo novo sobre mim! - disse Ana enfática, virando a cabeça e olhando diretamente para a amiga - Por isso afirmo: você também está numa espécie de namoro. Mas, diferente de mim, você não precisa transar para ficar toda transformada e cheia de ideias...
- Ai... Você me cansa, sabia! - Júlia abriu a porta irritada e saiu do carro.
Ana pegou a bolsa no banco de trás e desceu, acionando o alarme do carro, enquanto alcançava a amiga já no portão da casa.
- Ei! Não estou te julgando. Apenas acho que você está subestimando essa amizade. Ela é muito mais do que você está disposta a admitir. - disse Ana, segurando o braço da amiga para evitar seu avanço para dentro da casa.
- Quem disse que estou subestimando-me? - respondeu Júlia, desafiadora, olhando para a amiga.
- Então você já tinha percebido, né? - perguntou Ana comovida.
- Claro que sim. Não sou ingênua, Ana! - ela confirmou, secamente.
- Desculpe. Sei que estou sendo zelosa demais com você, mas é por que te conheço a tanto tempo e sei que você descartaria uma amizade dessas para não fazer nada de errado. - esclareceu Ana.
- Ah! Com certeza eu descartaria se a coisa avançasse para uma paixão não correspondida! - Júlia respondeu, já sem nenhuma paciência.
- Então! É isso que estou tentando te explicar: às vezes essas paixões são necessárias para revermos nossas condutas. Eu não estou defendendo que você crie expectativa pro futuro. Apenas penso que alguns relacionamentos surgem para nos movimentar e inspirar. E, resistir a essa mudança, é como criar um monstro. - disse Ana - Você entende?
Júlia apenas balançou a cabeça afirmativamente, sem emitir som algum.
- É por isso que você precisa se entregar e ver onde a história vai te leva. Sei que você vai aprender muito por que vejo o quanto ele te faz bem. Não faço ideia se vocês vão transar, namorar, nem nada disso, eu só sei que ele mexe com você tanto quanto você mexe com ele. - concluiu.
Ana apertou mais o braço da amiga que agora estava com os olhos cheios de lágrimas.
- Ei! Está tudo bem. Não precisa ficar assim. - disse ela abraçando a amiga.
- Às vezes eu me sinto tão confusa com essa história... Sei que penso nele mais do que em qualquer outro amigo e que isso não é normal. - disse Júlia, revirando os olhos para disfarçar as lágrimas.
- E aposto que você fica toda boba a cada encontro? - sugeriu Ana, em tom zombeteiro.
- Fico mesmo… - confessou - Não é que eu sinta atração por ele, mas morro de saudades de ouvir a sua voz e de conversar por horas… - concluiu ela envergonhada
- Eu te entendo - disse Ana, se afastando para analisar o rosto da amiga, que estava de olhos fechados.
- Eu vivo numa briga dentro de mim: um lado quer ficar pensando nele e o outro, quer que eu rompa com essa amizade de uma vez por todas. Tenho dificuldade para separar o real da minha fantasia. O fato é que fico feliz quando falo com ele. - disse ela.
- Acho que isso é saudável. Enquanto ele está te fazendo bem deve estar certo. É por isso que você não deve se reprimir. - Ana sugeriu.
- Vou tentar! - Júlia prometeu.
Andaram de mãos dadas para dentro da casa. Ela se sentiu ansiosa a cada passo que deu para dentro do imóvel. Ter aquela conversa não estava em seus planos, ainda mais naquela noite que encontraria com ele, pela primeira vez, entre outros amigos. O jantar aconteceria no terraço e todos já estavam ali. Era um grupo pequeno de apenas seis pessoas contando com Ana e ela.
Os olhos deles se encontraram antes de qualquer outra pessoa. Ela estava feliz por vê-lo antes do esperado, já que ambos tinham tempo restrito para encontros, mas também sentia-se um pouco irritada por ter que dividir o seu tempo entre os outros ao invés de dedica-lo somente a ele.
Ana soltou sua mão e foi cumprimentar primeiro os demais amigos, que estavam próximos à churrasqueira, passando reto por ele, que se sentava sozinho na ponta da mesa. Júlia sabia que a amiga fez aquilo de propósito para que eles tivessem um momento a sós, antes de mergulharem no evento social.
Ele manteve o olhar fixo nela, que se aproximou devagar, sem desviar o olhar. Era impossível descrever o que ela sentia. Era um misto de saudades, curiosidade, carinho e felicidade. Queria sair dali com ele, para terem horas de papo, sem interrupção. Saber que não podia ceder a esse desejo a deixava irritada.
Abraçaram-se sem dizer nada. O gestou foi tão intenso que ela pôde sentir o rosto dele esquentar. Ela se afastou o mínimo dele, sem soltá-lo, e o olhou. Seu rosto estava todo avermelhado.
- Você está com vergonha? - perguntou ela rindo, ainda sem soltá-lo
- Um pouco… - respondeu ele, olhando de relance para uma amiga deles, que vinha se aproximando.
- Eu não acredito que você esteja com vergonha da gente! Eu queria um abraço mais demorado do que isso, sabia? - disse Júlia, próximo ao ouvido dele, tentando ignorar o tom de indignação e cobrança da sua voz.
Ela se desvencilhou do abraço enquanto a amiga se aproximou para cumprimentá-la. Em seguida os demais se acomodaram nas cadeiras e logo começaram a falar sem parar. Seria fácil ficar longe dele se não fosse o som da sua voz, que preenchia o ambiente, desconcentrando-a. Ouvir sua voz, sendo dirigida a outras pessoas, a deixava extremamente desconfortável.
E, por mais que tentasse evitar qualquer contato com ele, existia uma necessidade estranha de tocá-lo. Ela queria poder deitar a cabeça em seu ombro ou pegar na sua mão enquanto ele falava. Não conseguia se desconectar dele. Tinha que reconhecer que ele a afetava de uma forma diferente.
Ana estava certa: ela já estava apaixonada e não havia nada que pudesse fazer para impedir. Era mais forte do que ela. Sabia que resistir a isso seria uma baita traição, mas também sentia que se entregar seria sua total perdição.
Por Luciana Gritti
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