Martinho do Rio
Tierra a la Vista !
Toda esta ondulação deixa-me enjoado. É verdade que nunca simpatizei muito com o mar, mas a necessidade obrigou-me a conhecê-lo bem e sobretudo a viajar nele. Por cima de mim o teto balança como se fosse um baloiço e a sensação de enjoo vai se acentuando cada vez mais. Levanto-me e vou vomitar no balde. As tripas quase que me saem pela boca, tal é o esforço a que sou obrigado. É preciso que a tripulação desconheça este mal, eles ainda não sabem, e é necessário que continuem a ignorá-lo. Da minha janela observo o azul do mar e maldigo o dia em que entrei pela primeira vez dentro dum barco. Foi a necessidade e também a vontade de experimentar coisas novas. Eu não era rico e as viagens de exploração a África ofereciam aquilo que eu tanto ambicionava : dinheiro e aventura. Comecei cheio de energia e de esperança, e na minha primeira viagem fui um marinheiro diligente e trabalhador e até consegui ser louvado. O pior veio depois quando o mal apareceu. Nas viagens seguintes refugiava-me num canto, ou escondia-me num local mais escuro onde ninguém me pudesse ver. E aí, tranquilamente, despejava á vontade o conteúdo das minhas tripas. Nunca vi outro marinheiro com este mal e sempre pensei que se tratava dum exclusivo meu. Tentei não ir mais ao mar quando o dinheiro que juntei era já mais do que suficiente para viver sem grandes problemas. Até pensei em casar e instalar-me naquela ilha maravilhosa carregada de árvores que o meu avô descobriu. Só que destino não quis assim e fui chamado ao palácio real para ser encarregue duma missão importante pelo próprio rei. Claro que fiquei orgulhoso, porque nunca pensei ser escolhido pelo rei para uma missão tão importante; mas mal percebi que metia barcos e mar disse logo que não aceitava. Acabei por obedecer ao rei e agora aqui estou a caminho duma terra misteriosa inventada pelos geógrafos instalados no cabo de Sagres. E se essa terra não existir...? E se eu continuar pelo mar adentro até cair do outro lado...? Eu sempre fui temente a Deus mas rezava pouco e agora rezo todos os dias para encontrar essa terra misteriosa, por que estou convencido que ela não existe e que acabaremos mais tarde ou mais cedo por cair do outro lado do mar. Á tanto tempo que navegamos...
- Tierra...tierra a la vista !
- Que pasa...
- Tierra a la vista capitan...
- Índia...?
- Quien sabe...
Aquela sombra escura ao fundo...será a tal terra misteriosa ? A terra que os geógrafos dizem que existe e que fica do outro lado do mar...?
O mal estar impediu-me de continuar na ponte e regressei á cabina para despejar mais uma vez as minhas tripas. Que Deus guarde o rei, por que eu juro que já não aguento mais.
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