A MAIOR PERDA
Para o Padre Batista Poinelli
Havia um homem muito querido e amado por Deus, cujo nome era Sahmei. Pastor de ovelhas nos campos de Belém conquistava a simpatia e a admiração de todos pelo seu zelo, honestidade e senso de justiça.
Certa noite em que as estrelas escondiam-se entre nuvens e a lua teimava em não mostrar-se por receio ou timidez, conduziu as ovelhas até o redil, tomando em seguida o caminho de casa. Ao chegar, exausto e sonolento, Sahmei não gastou tempo em lavar-se ou tomar refeição. Encaminhou-se até o fundo da tenda, deitou-se, fez uma pequena oração... e em poucos segundos já ressonava profundamente.
Lá pela terceira vigília teve um sonho como se fosse uma visão. Pastoreava em um lugar não identificado, quando de repente surge um foco de luz intensamente brilhante. De dentro da luz emergiu uma voz que o questionava:
- Sahmei, tu me amas?
- Eu te amo meu Senhor.
- Prova-me teu amor por mim.
- Senhor, o que tu queres?
- Dá-me como oferta um dos sentidos que te dei.
Sahmei sentou-se. A luz desapareceu, mas a claridade fulgurante continuava. Não era possível! E pela sua cabeça desfilavam mil e um pensamentos. Dentro do seu sonho repassava todos os momentos em que os seus sentidos lhe traziam enlevo, prazer e felicidade. Refletia pensando alto:
- Se eu der a minha visão, como poderei buscar a ovelha perdida ou socorrer aquela que se extraviou? Se eu ofertar a minha audição, de que maneira ouvirei o grito da ovelha ameaçada pelo lobo faminto e voraz? Se eu oferecer a minha voz, que voz as guiará? Se eu entregar o meu olfato, a que ponto serei reduzido por não sentir o cheiro de sua lã? Se eu conceder o meu tato, quanto sentirão as ovelhas por não sentirem o contato do pastor!
Ainda estava em seus pensamentos quando a luz ressurgiu, e com ela a voz, agora em tom de correção:
- Sahmei, porque negligenciaste, demorando em tua escolha e valorizando muito mais as tuas ovelhas do que a mim, gradativamente tirarei de ti o que te dei, até que entendas verdadeiramente o meu amor por ti.
A luz e a voz ocultaram-se. Restaram apenas no campo, Sahmei e as suas ovelhas. O tempo ia passando e a promessa da voz se fazia realidade. Visão, audição, voz. olfato e tato foram tomados. Sem comunicação, restou a consciência. O primeiro impulso não tardou: o desespero. Em seguida, a revolta, por se saber amado e querido, e sentir-se restrito a não sei o quê.
- Que forma estranha de amor! – exclamava Sahmei.
Aos poucos os sentidos eram devolvidos. Primeiro o tato, depois o olfato, a voz, a audição, e por fim a visão. O amor no qual pusera dúvidas, o amava muito mais do que imaginara. Era um amor sem medidas.
Os primeiros raios da manhã surgiam quando Sahmei acordou. Esfregou bem os olhos como se quisesse apagar aquelas imagens; beliscou-se para certificar-se de que estava vivo e era ele mesmo; e de um pulo só, ergueu-se. Tomou um banho, comeu pão, queijo e nozes, e partiu para o campo ao encontro de um amigo. Ben-Amed o avistou de longe e acenou. Já ao seu lado, Sahmei contou o seu sonho. Ben-Amed ouviu toda a narrativa atentamente, olhos semi-abertos e respiração contada. Permaneceu por alguns instantes reflexivo, e então perguntou:
- Sahmei, de todas essas perdas, qual a maior pra você?
Ele baixou devagarinho a cabeça, tomou um pouco de ar, e quando olhou novamente nos olhos do amigo, duas lágrimas acanhadas molhavam o seu rosto marcado. Apenas disse:
- Bee-Amed, amigo meu, dentre todas as minhas perdas, a maior foi a perda da Fé, quando eu desacreditei no Amor que me amava. Hoje estou feliz porque descobri que a FElicidade não é uma questão de SENTIR, mas simplesmente uma questão de FÉ.
Ben-Amed, num impulso de amor fraterno, deixou as marcas do seu abraço e do seu beijo no corpo do amigo. Depois de um aperto de mão que selou mais profundamente esta amizade, Sahmei encaminhou-se ao redil, moveu a porta, chamou as ovelhas... e elas o seguiram, porque reconheceram a sua voz.
ALMacêdo
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