- Boa tarde. Vim fazer um exame. Estou com o pedido do médico aqui comigo.
- Exames só são feitos pela parte da manhã- respondeu, enfastiada, uma das recepcionistas.
- Como assim? Estive aqui sábado de manhã. O médico da rede de vocês não me avisou disso.
- Provavelmente ele não sabe.
- E a moça que me informou pelo telefone que nesta unidade tinha ambulatório e laboratório quando marquei a consulta, também não sabia?
- E também não é aqui que faz o exame- uma evasiva...
- Não? Não está escrito “Laboratório” no letreiro?
- É mais para entregar resultados, e também parte mais administrativa.
- Não seria melhor colocar “entrega de Exames” ou algo semelhante no letreiro, então?
- A coleta de material é lá em cima- outra evasiva... deduzi, apesar da vagueza da informação, que o local onde se coleta materiais para os exames clínicos é no 2º andar. Fico imaginando o que estará escrito no letreiro.
- Mas está fechado.- sorri, irônico.
- Está...
- Eu vim direto do trabalho para cá.
- o senhor deveria ter perguntado antes.
- Estive aqui sábado após a consulta e estava fechado.
- Sábado fecha meio-dia.
- E em lugar algum isto é informado.
- O senhor deveria ter ligado antes.
- No domingo?
- No domingo não adianta ligar.
- E hoje é segunda- feira- relembrei-a.
- O senhor podia ter ligado mais cedo.
- Estava no trabalho. E como nada me foi informado ao contrário, presumi que o laboratório da rede estaria funcionando às duas e meia da tarde.
- Só funciona de manhã.
A impressão era de estar conversando com um autômato com apenas meia dúzia de respostas pré- programadas. Tive vontade de apontar que já havia sido informado desse detalhe, mas tive minhas dúvidas se o sarcasmo seria entendido.
- Qual é o exame?- a segunda recepcionista, até então calada, manifestou-se por fim. Eu já estava a crer que ela estava ali por razões meramente decorativas.
- É este- retirei o pedido do médico da pasta amarela dentro da mochila e lhe estendi.
- dengue e chikungunya.
Confirmei.
- Esse exame não está fazendo aqui não. O de dengue está, o de chikungunya não. Por atendimento provado até está fazendo, por plano de saúde não.
- Nem pelo atendimento privado esse exame- a primeira atendente corrigiu.
- Mas foi o médico da rede de vocês que pediu- Pensei em completar perguntando se o médico não sabia disso também, mas minhas dúvidas sobre a possibilidade de entendimento do sarcasmo persistiam.
- Mas não estão fazendo- Aparentemente respostas vagas e repetitivas eram a especialidade da primeira recepcionista. A segunda mostrou-se talentosa em fazer cara de paisagem. Se participou de alguma peça na época da escola é quase certo ter atuado como parte do cenário. Uma árvore, talvez.
Peguei o pedido e guardei-o na mochila. Convicto defensor de serviços públicos de qualidade em saúde e educação que sou, não poderia deixar essa passar em branco...
- E ainda sempre tem alguém tentando me convencer que a solução é privatizar, que para melhorar tem que entregar tudo nas mãos do empresariado...
Virei-me e saí, abrindo sem muita delicadeza a porta de vidro com o nome do hospital em azul e branco. Nunca fui de dar sorte com redes médicas particulares, mas essa em especial faz por merecer, com louvor, a designação de “privada”.
Maio, 2016
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