Tinha acabado de fechar o jornal, olhei para minha mulher com um sorriso triste e balançando a cabeça, disse: “O mundo não tem mais jeito. Vamos ter que encontrar um novo Noé.” E depois, achando que era ocasião apropriada para uma demagogiazinha, complementei: “Ou melhor, uma Nooa, porque o mundo agora é das mulheres.”
Minha mulher é mineira, não gosta de deturpações históricas, ainda mais bíblicas, de forma que o sorriso foi amarelo. Tive que deslocar um pouco a linha do raciocínio, mas para ficar do mesmo lado, passei para o irmão dela, meu cunhado, que há um tempo atrás criou um personagem, a mulher-pato, para ilustrar uma exposição. Nada a ver com o pato da Fiesp que é ideia bem mais recente, desconfio até que roubaram dele. A mulher-pato não paga imposto, não se recusa a pagá-los, nem tampouco precisa de cruzar os olhinhos para isto.
Prosseguindo na linha do arrazoado, eu disse: “Taí a mulher-pato, candidato ideal ao novo Noé. Já traz a barca embutida no próprio corpo de forma que é só botar pra dentro e sair navegando”, foi o que eu disse à guisa de conciliação. E para reforçar, falei: “Prometo que ajudo. Minha relação atual com o divino é das melhores. Peço para ele providenciar uma chuva maneira, sem estragos em demasia.”
Minha mulher continuava séria e sisuda, de forma que fui obrigado a pensar no que tinha dito. Recapitulei e concordei. Ela tinha razão. Fosse com pato ou sem pato, com Noé ou com Nooa, deste jeito era melhor deixar tudo como estava, porque de novo aquilo não tinha nada.
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