Eu estava cursando o último ano de engenharia e fazia um estágio em uma empresa pequena. A maior parte do tempo ficava ocupado com burocracia. Encomenda uma peça aqui, cuida da manutenção de uma máquina acolá, preenche um formulário, faz um levantamento, nada que caracterizasse aprendizado, muito menos, engenharia.
Foi, portanto, grande a minha alegria quando me vieram propor o desenvolvimento de uma correia transportador para levar carga de um local para outro da fábrica. Finalmente eu ia poder utilizar o que eu tinha aprendido na faculdade, foi o que eu pensei. Como o vão a vencer era grande e a carga era pesada, havia que ter cuidado no dimensionamento do equipamento. Peguei o livro e me pus a estudar, buscando fórmulas e fazendo os cálculos.
No departamento técnico éramos dois estagiários, um engenheiro, os supervisores e mais um rapaz responsável pelo controle de qualidade. Ficávamos no rés-do-chão junto com a produção. No andar de cima ficava a parte administrativa, departamento de vendas, compras, finanças, recursos humanos e o escritório do dono da empresa que ao mesmo tempo era diretor e gerente.
O diretor ficava a maior parte do tempo no ar-condicionado, mas uma vez por dia fazia uma ronda, e tinha o costume de variar o horário da inspeção, talvez para tentar nos pegar desprevenidos. Dei azar que naquele dia, na hora que ele abriu a porta do nosso escritório, eu estava com o livro aberto sobre a escrivaninha. Ele foi se acercando, talvez desconfiando que eu tivesse escondendo uma revistinha de sacanagem entre as páginas do livro, mas, possivelmente desapontado por ver que só havia mesmo fórmulas, me pregou tremenda descompostura. “Isto aqui não é universidade, para ficar estudando. Eu pago você para produzir.” foi o que me disse.
Resolvi não argumentar porque não ia conseguir convencer lobo a comer alface. Além disso a corda rebenta sempre do lado mais fraco. Dei umas desculpas, eu não sabia, coisa e tal, estava tão somente cuidando do projeto, fechei o livro, levantei e fui esfriar a cabeça dando umas voltas pela fábrica. Mais tarde, mais calmo, fui conversar com o engenheiro que estava lá mais tempo do que eu.
“Como é que eu faço para dimensionar corretamente o equipamento? É muita responsabilidade e se desabar como é que eu fico?”
“Chuta, cara”, foi o que ele respondeu.
“Mas chuta como?”
“Superdimensiona. Na dúvida, joga para cima. Se você acha que o perfil de três polegadas não vai aguentar, bota um de cinco, e assim por diante.”
Foi assim que eu fiz e foi assim que o projeto saiu. Mais tarde, com o ensinamento na cabeça, entendi melhor porque havia equipamento lá que parecia um paliteiro, tantas eram as escoras se escorando entre si. Era um reforçozinho aqui para ajudar a reforçar o reforçozinho dacolá. Era uma viga duplicando o papel de outra. Pensei com os meus botões que saía cara a economia que o empresário fazia por não deixar o engenheiro estudar, mas não disse nada, porque se ele achava que engenharia era sair fazendo ele também devia achar que diretor é capataz, chicote na mão, botando para trabalhar.
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