Por todas as forças! Por todos os dias normais! Oh dias normais, porque vocês não me sorriem mais?! Porque aquele com toda certeza não era um dia normal. Parte do almoço tinha queimado, parte ficado crua, o encanamento do banheiro estava vazando a ponto de explodir e alagar a casa toda, uma ventania a impedia de recolher roupa, mas já havia cessado... Pobre Barbie, não conseguia mais controlar seu mundo de plástico, mas logo o Ken chegaria, ele chegava pontualmente 12h10, e o almoço deveria estar pronto, á mesa, com os talheres do lado esquerdo e o copo transparente já de coca-cola até a metade. Os bifes bem passados, a batata frita no ponto certo de sal, as 6 folhas de alface lisa, e o arroz branco soltinho, sem temperos, apenas sal. Mas pelos loucos problemas e sua menstruação que descera naquela manhã, ela nada conseguira fazer direito, em sessenta e poucos anos da sua vida plena em juventude, era a primeira vez que aquilo acontecia. Eram 11 e 40 da manhã, muito desesperada ela saiu de sua casa rosada, atravessou o gramado verdinho e bem aparado, as cerquinhas de madeira branca, e andou um pouco até a frente da rua, passando pelo grande morango, que era a casa da Moranguinho, e pela residência parecida com a sua, mas de porte inferior, que era a casa da Susy (A Susy, é brasileira, é pobrezinha mesmo, a Barbie sempre ajuda ela com suas roupas e acessórios que não quer mais). Quando chegou na esquina viu se aproximando o carro do Ken, Finalmente, ele estava chegando e após perdoar aquela vaca americana e loira por ter destruído sua vida perfeita, a ajudaria a consertar as coisas, afinal Barbie era mulher e não podia fazer nenhum serviço de homem, e seria inadmissível contratar um profissional para realizar qualquer serviço com ela sozinha em casa, com certeza um dos machões ainda iria querer seduzi-la e transar a força na cama de casal com colcha rosa.
Barbie parou na esquina, e Susy estava logo atrás dela, indo ao mercado comprar mais comida de mentira, já que a menina sua dona tinha esquecido de fazer isso. Susy e Barbie se cumprimentaram, e ali mesmo na esquina conversaram rapidamente, Barbie sempre humilde, demonstrando imensa solidariedade, já que Susy além de pobre e brasileira, era baixinha, cabeçuda, tinha as pernas horríveis, e era barrigudinha... Bem coisas de pobre e brasileira.
No meio da conversa Barbie notou que o carro do Ken estava estacionado, Ken estava com uma mulher ao seu lado, ela e Susy não conheciam, mas era Christie, a Mattel ainda não avisara Barbie, mas era uma boneca negra americana com o seu perfil, que seria sua amiga (Barbie ficaria pasma: uma boneca negra americana e rica! Se era negra tinha de ser brasileira e pobre. Como a Mattel era idiota)... Mas parece que Christie não estava querendo ser amiga da Barbie... Ela e Ken se beijaram, aquele beijo insosso de quem não pode abrir a boca, mesmo assim era um beijo.
Susy ficou sem graça, não sabia consolar, nem podia mesmo, afinal ela era uma boneca pobre e brasileira. – Eu preciso ir ao mercado Barbie! Com licença. – Susy saiu cabisbaixa cumprindo seu itinerário. Barbie estava completamente perdida, não sabia o que fazer! Aquilo nunca tinha acontecido (até onde ela mesma sabia), não era um fato comum, sua vida era impecável, invejada, ela era uma idosa com rosto de vinta aninhos ainda, na profissão ‘fachada’ de top model, quando na verdade as meninas que brincavam com ela a faziam muitas vezes de dona de casa, mas as meninas não importavam, importava era o mundo dos famosos, sua beleza, Ken e sua vida perfeita, invejada e sonhada por todos! Mas o item “KEN” da sua vida maravilhosa acabara de falhar com o percurso. Tentou conter a raiva e não demonstrá-la, afinal de contas era a musa dos brinquedos infantis e não poderia perder esta imagem, algumas “pessoas” estavam passando pela rua, havia ali do outro lado da calçada uma construção de lego, cheia de pedreiros, que estavam percebendo que havia algo de errado, alguns deles assoviaram e a chamaram de coisas impróprias para crianças. E mais a frente havia um lava rápido da Hot Weels, cheio de bonequinhos tarados de plástico lavando seus pequenos automóveis e também notando que nem tudo estava tão normal. Ao chegar em frente do carro, mais um rápido beijo aconteceu, até que ambos, Christie e Ken viram Barbie, semelhante á um urso: - Por que vocês se beijaram? O que significa isso Ken?
Uma réplica da power ranger amarela preparada para morfar ouviu isso conjuntamente com outros bonecos que passavam, o carro acelerou e Barbie só não foi atropelada graças ao ato de bravura de um homem aranha de vinte centímetros, que jogou sua teia e a salvou do alto de um salão de beleza das Polly Pocket’s. Elas viram tudo, e como ótimas inimigas que eram, exalaram como magia negra, gargalhadas exageradas.
Ali de cima, ela viu o carro partir e fazer a curva, lá longe, em frente ao castelo miniatura dos bonecos dos personagens de Harry Potter... Barbie foi embora, envergonhada, chorando muito.
Na manhã seguinte, no jornal diário local, a foto da loira Mattel dividia a capa com a notícia de um suicídio de uma boneca de porcelana que se jogara da estante, e um metro e meio abaixo se espatifara em centenas de cacos brancos. A manchete era esta: “Uma pedra no caminho da perfeição”, em outro jornal mais barato lia-se: “O que terá acontecido ao mundo de Barbie?”, e outro foto esplendorosa. Já estava na boca do povo, todos sabiam do escândalo, estava arruinada! Passara a noite sentada no sofá, esperando Ken e adormecera na estampa de floral. O copo de coca-cola com a comida ruim sobre a mesa, viu Fofoletes a espiando pela janela, saíram no momento que ela as percebeu, uma delas morreu furando a barriga ao pular a cerquinha branca, foram bolinhas de isopor para todos os lados. Alguém apertou a campainha da sua mansão rosa, e pisando na água que vazava do banheiro, atendeu sua amiga, a boneca Carla Perez – É o Tchan. Elas se abraçaram e Carla consolou Barbie, e lhe disse que Susy desde a hora que havia ido ao mercado no dia anterior estava espalhando a todos sobre a traição, e ela mesmo quem deu a noticia aos jornais. Em seguida, com muito prazer, foi no salão das Pollys contar com detalhes.
Chegaram também na sua casa, trazendo biscoitos Trakinas e caixinhas de Ades de maçã, as bonecas da estrela de Sandy e de Vanessa Hudgens em High School Musical. Mais uma vez abraços lamentos, e toda esta coisa de amiguinhas fúteis em crises conjugais, ao anoitecer foram todas embora deixando Barbie sozinha, sozinha mesmo, na lama, sem qualquer notícias ou ligação do Ken, ela ligou para seu celular, mas estava sempre fora de área... Passaram-se dias assim, ela era conhecida como a mais nova solteirona do pedaço, muito cobiçada, recebeu até mesmo uma visita do homem-aranha que a salvara e de um Wolverine de borracha. Passaram-se dois meses, quando Barbie decidiu sair da solidão e mudar de vida: Iria extravasar! Botar pra quebrar, chutar o pau da barraca, soltar a franga, e todos mais estas gírias que significam que ela pretendia fazer muito sexo, beber até cair e farrear com drogas e novos amigos, para ela era realmente mudar de vida.
Numa noite fria, foi até o salão da Betty Boop, lá muitas garotas, até mesmo bebês, se prostituindo, lá havia uma jóia rara das prostitutas, era uma boneca da Ivete Sangalo, caríssima, de material imitando pele humana, e com cabelos muito semelhantes aos humanos também. Todos no recinto a olharam num gesto de calando-se. Um papai noel de TNT deixou todo leite de seu copo cair, no balcão procurou o cafetão do lugar, e uma boneca da Xuxa lhe indicou um perna-longa de pelúcia numa mesa ao canto.
Conversado, estava tudo combinado, não se passaram nem cinco minutos, e um Max Steel deu nada menos que três mil dólares para passar a noite com ela, dois eram dle,a um era de perna-longa. Max a levou para um motel magnífico, tipo de lugar onde Barbie jamais colocara os pés. Lá realizou todas as suas vontades, ele pediu uísque e vodka para o quarto, e tinha no bolso, cocaína, heroína e crack... Beberam e usaram drogas loucamente.
Barbie acordou no escuro, muito zonza e com dores tantos externas e internas em todo corpo (de plástico)tentou levantar e bateu a cabeça em algum lugar (muito duro, diga-se de passagem), acenderam a luz, e se viu num quarto minúsculo repleto de outras bonecas de seu estilo, deitadas em vários beliches, ambiente sem janelas, todas acorrentadas umas nas outras e nas camas. Um ursinho Puff estava na porta e disse com voz grossa:- Fiquem quietinhas, vocês vão viajar agora, vão se prostituir na Europa. – apagou a luz, fechou a porta, e tudo voltara ao (a)normal.
Soube então, que dormira uma semana inteira, e fora vítima do tráfico humano, e agora estava indo para Europa, ser escrava sexual de algum homem poderoso. Que vidinha se metera!
Pensou que poderia estar agora, mesmo sozinha, bêbedo sua coca-cola, ou Ades, comendo Batatas-fritas queimadas, ou Trakinas, com suas amigas também ricas e famosas, algumas brasileiras lógico, mas diante da situação aquilo era detalhe super-descartável. Poderia ter esperado Ken em casa mais um pouco, e nada ter acontecido, mas era o destino, pois neste mundo dos brinquedos tudo é possível.
Por fim das contas incontáveis, tiveram piedade dela, e a colocaram para escrava sexual particular do chefão do esquema, um macaco barrigudo que tocava tambor, e ficava aos cuidados diários de uma boneca de pano que a maltratava muito.
Depois de esfregar muito chão com estopas picadas, conseguiu ajuda de um soldadinho de chumbo, que a levaria de volta á América em troca de um maço de cabelo e um vestido rosa (era para fazer uma peruca, para ele participar de uma parada gay dali a umas semanas... Ele era gay).
Então com ajuda de um playmobil, furtaram um avião de controle remoto e foram para os EUA.
Mas como nem tudo são flores, lá foi seqüestrada por um João Bobo, contratado do esquema de tráfico humano, e novamente dopada, novamente na Europa suja, estava aos cuidados de um He-man perneta, e um fantoche gigante. Prostituindo-se, fumando cigarros baratos, transando por qualquer nota baixa de euro, e limpando vômitos e restos de bebida de seus patrões. Esta era a vida de Barbie, da ilustre e famosa. Agora podre, imunda numa vida mais imunda ainda. Sem Ken, ou Susy brasileira e pobre... Nenhum contato da Mattel, nenhum helicóptero dos X-MEN em sua busca. Estava sozinha no mundo, só ela a escravidão, prostituição, até que quebrasse partes vitais do corpo, ou caísse sem querer em uma fogueira. Vivenciando os males que eternamente temera.
Douglas Tedesco – 11/2007
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