Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Discussões sobre a lírica grega antiga:
Carlos Eduardo da S Ferreira

Resumo:
Trabalho em métrica grega. Análise em texto de Safo

Discussões sobre a lírica grega antiga:

A literatura grega antiga se pautava essencialmente na poesia, lírica e épica, numa época em que a palavra era indissociável do canto e da dança. A voz, os gestos e a música se misturavam para a criação de um ambiente envolvente e suspenso.
Os primeiros registros da produção poética grega antiga apareceram nos séculos VII e VII a.C., com a reintrodução da escrita, agora alfabética e apta à notação complexa dos sons. Emissores e receptores de algum sistema literário já estavam configurados numa longa e rica tradição. Foi a escrita, no entanto, que possibilitou a conservação, a transmissão e a difusão de uma parcela desse enorme material.
Sabe-se muito pouco em relação ao período anterior do século V a.C. – mais bem documentado, pelo menos em Atenas – para remontar um quadro geral da literatura produzida pelos gregos.
A literatura grega arcaica constituiu não só a base de nossa cultura e seu ponto de partida como também é o testemunho do processo de desenvolvimento do pensamento ocidental.

Lírica
A lírica grega é marcada por uma grande diversidade, temática e formal. Com relação ao seu conteúdo, pode-se dizer que ela se baseia por uma forte relação com a atualidade, contrastando com o afastamento (maior parte) temporal característico de uma epopeia. Ao mesmo tempo, o gênero se deixa impregnar por um elemento dramático às vezes não desprezível, e adota em vários momentos o caráter reflexivo que é traço importante da poesia homérica e hesiódica. Parte dessa poesia também se voltava para o registro baixo, exercitando-se no mal dizer, na sátira e na paródia.
Os metros são inúmeros, do austero elegíaco (primo irmão do épico) aos mais populares e rápidos jambos (iambos) e troqeu, sem aqueles abertamente melodiosos, próprios da canção festiva, composta para a apresentação solo ou em coro, e que recebia nome conforme a situação a que se destinava. A transmissão direta desses poemas foi acidentada, e com algumas exceções, o que temos à disposição são fragmentos – composições que nos foram transmitidas parcial e indiretamente por outros autores, ou que vamos conseguindo desenterrar, já em estado precário. Os principais nomes são os de Arquíloco, Safo e Píndaro.
Toda essa produção não era composta numa única língua uniforme. Desde cedo os gregos se acostumaram a associar certo tipo de poesia a um dialeto específico. Assim, a poesia épica era predominantemente em jônico, um dialeto (variação) falado na parte central da Ásia Menor (atualmente costa turca); a poesia lírica, se escrita em metro elegíaco, seguia também o uso jônico, assim como o faziam o jambo e o troqeu; a poesia coral era falada majoritariamente no dialeto dórico, de Esparta e outras regiões de colonização dória, ao sul; e outra parte da lírica era composta em dialeto eólico, característico da ilha de Lesbos e vizinhanças, na região nordeste do mar Egeu. O local de nascimento, portanto, não determinava o dialeto em que o compositor iria fazer seus poemas, e as diferenças não atrapalhavam a compreensão e a interação entre os falantes do grego. Com o crescimento do poderio de Atenas no século V, o dialeto ático (transformação do jônico) se estabeleceu como língua literária e acabou sendo empregado por tragediógrafos como Sófocles (nas partes faladas das peças, e não nas cantadas), por oradores como Demóstenes e por filósofos como Platão e Aristóteles.
Pode-se dizer que, em relação ao assunto central, qualquer que o seja, a produção literária virá enquadrada por um modo de pensar e enxergar o mundo, o modo mítico, porque é esse modo de pensar e enxergar o mundo que preside à própria confecção e enunciação do poema.
Oralidade, tradição, inserção social, distinção não muito clara entre gêneros, diversidade dialetal, formulação mítica: podemos enumerar assim as características principais da literatura grega pré-clássica, que repartimos de modo muito simplificado entre épica e lírica, e que, avessa à escrita, só chegou a nós por causa da escrita que com razão desprezou. O exame mais detalhado dos gêneros e de algumas obras só faz aumentar essa consciência do processo histórico, ao mesmo tempo em que reforça, para nós, a permanência de muitas das fórmulas poéticas feitas pelos gregos.

Versificação
A métrica grega trata do estudo dos versos ou versificação.
Para medir e apreciar versos, é preciso conhecer primeiro a quantidade das sílabas em cada verso; segundo as combinações ou arranjos: a) das sílabas em pés; b) dos pés em versos; c) dos versos em estrofes.
Os versos obedecem a certa cadência musical, espécie de compasso de dois tempos, chamados ritmo. Distingue-se o tempo forte, elevação da voz chamado “ársis”, sílaba longa, e o tempo fraco, depressão da voz, chamado “tésis”, sílaba breve
O ritmo é descendente, quando o pé ou combinação de sílabas começa com ársis; ascendente, se começa com tésis.

Quantidade

A quantidade das sílabas é intitulada em conseqüência da língua. Possui um regramento para disposições das sílabas. Pode sofrer alterações pelo uso de licenças poéticas que se chamam: sinalefa, ectilipse, diástole, sístole, sinérese diérise, síncope, tmese.
SINALEFA: Sinalefa ou elisão é a queda da vogal final de uma palavra, quando a palavra seguinte começa por vogal, como por exemplo na formação das palavras dentro (de+intro) e daquele (de+aquele).      
ECTLIPSE: é supressão do m e da vogal anterior diante de vogal. É a desnasaliza uma vogal final antes de palavra começada por vogal, como em co'a e co'um ou c'um. A N.G.B. não adota a designação de ectlipse, enquadrando o caso no título geral de desnasalização.
DIÁSTOLE: é o alongamento da vogal breve.
SÍSTOLE: é o abreviamento da vogal longa.
SINÉRESE: (em grego, συναίρεσις, synaíresis, “contração”) é a contração de duas vogais em uma sílaba só: em um ditongo ou uma vogal longa. Ex: pi-a-no em pia-no.
DIÉRESE: (do grego διαίρεσις, διαιρεῖν (diairein), “dividir”) é a divisão de duas vogais adjacentes em duas sílabas. Quando as vogais adjacentes sempre foram duas sílabas, tem-se um hiato. Para fácil entendimento, diérese é pronunciar um ditongo como se ele fosse um hiato. O fenômeno oposto é uma sinérese. Ex.: mau em ma-u.
SÍNCOPE: é a eliminação de uma vogal breve no meio da palavra. Ex.: latim vulgar malu, opera > português "mau", "obra".
TMESE: é a separação das partes componentes de uma palavra. Ex.: a retirado do   -te- em indicar-te-ão.

Combinações das sílabas em pés, versos, estrofes

Na poesia grega e latina, a métrica conta-se em função da quantidade das sílabas, consoante sejam breves ou longas. Ao conjunto de sílabas chama-se pé. Pé é a combinação das sílabas longas, breves, longas e breves. Há vinte e oito espécies de pés: 4 de duas sílabas, 8 de três, e 16 de quatro:
Sinais:
     ˉ               ˘
                             mácron                         braquia
                      longa                    breve





























O ritmo ou cadência, e o verso em que domina um destes pés, é designado pelo nome do pé dominante. O último pé completo domina todos os outros.
Ex.: No hexâmetro ( seis pés ou seis metros) o pultimo pé completo é o quinto ou dátilo, logo o verso heroico, ou hexâmetro é datílico. Também pode ser espondaico, se o quinto pé for espondeu.
Metro é o termo empregado para indicar a extensão do verso, calculada em pés.
Ex.: O datílico tetrâmetro tem quatro pés; o trocaico tetrâmetro tem oito pés.
Verso que tem todos os pés exigidos chama-se acataléptico; tendo o último pé incompleto, é cataléptico; se faltar um pé, será braquicataléptico; se houver um a mais, será hipercataléptico.
A lista geral de designações dos tipos de versificações é a seguinte:
1.     Monossílabo : 1 sílaba
2.     Dissílabo : 2 sílabas
3.     Trissílabo : 3 sílabas
4.     Tetrassílabo: 4 sílabas
5.     Pentassílabo ou Redondilha Menor: 5 sílabas
6.     Hexassílabo ou Heróico Quebrado: 6 sílabas
7.     Heptassílabo ou Redondilha Maior: 7 sílabas
8.     Octossílabo: 8 sílabas
9.     Eneassílabo: 9 sílabas
10.     Decassílabo: 10 sílabas
11.     Hendecassílabo: 11 sílabas
12.     Dodecassílabo ou alexandrino: 12 sílabas poéticas.
13.     Bárbaro: 13 ou mais sílabas poéticas.

Verso é cada uma das linhas que compõem um poema, possui número determinado de sílabas poéticas (métrica), agradável movimento rítmico (ritmo ) e musicalidade (rima).
O conjunto de versos compõe uma estrofe, que pode ser:
1. Monóstico: estrofe com um verso;
2. Dístico:           “        “     dois versos;
3. Terceto:        “        “      três     “
4. Quarteto:               “      quatro versos; (ou quadra)
5. Quintilha:        “        “    cinco     “
6. Sextilha:        “        “    seis        “
7. Septilha:        “        “    sete        “
8. Oitava:           “        “     oito        “
9. Nona:              “        “     nove      “
10. Décima :       “        “      dez        “
Mais de dez versos: estrofe Irregular.
Cesura Silábica é a sílaba longa que termina numa palavra e começa um pé.
Cesura do verso é a verdadeira cesura na acepção etimológica, que significa corte, divisão, e não sílaba. É uma separação, um descanso exigido pelo sentido, ou por modificação vocal agradável ao ouvido. O papel da cesura é muito importante no sentido significativo do verso e do poema, pois destaca um ponto relevante unindo, assim, recursos métricos com os recursos expressivos.
Observa-se que quando a cesura de um verso é dada depois da ársis ela é chamada de forte ou masculina, ao contrário disso é feminina.
A cesura é triemímera quando cai depois de três metades de pé, pentemímera depois de cinco metades, heptemímera depois de sete, enemímera depois de nove, hendequemímera depois de onze.
Dos diversos tipos de verso usados, destacam-se o hexâmetro, com seis pés, e o pentâmetro, com cinco pés. Um par formado por um hexâmetro e um pentâmetro designa-se dístico elegíaco.

Estudo direcionado
Neste estudo, apresento a tradução poética de dois poemas de Safo feitas por C. Leonardo B. Antunes, fruto de sua dissertação de mestrado, seguidos de um comentário a respeito de como foram compensados ou imitados na tradução os recursos formais empregados nos poemas gregos.

Estrofe sáfica


Os dois poemas de Safo presentes neste trabalho seguem um mesmo esquema métrico, comumente denominado estrofe sáfica, que recebeu este nome por ter sido o padrão métrico que notabilizou a poetisa na Antiguidade. Copiada por poetas posteriores, como Catulo (11 e 51) e Horácio (Carmen Saeculare), a estrofe sáfica se caracteriza por possuir três versos sequenciais de mesma conformação, a saber, um metron trocaico, um pé dátilo e novamente um metron trocaico, seguidos por um quarto verso de menor extensão, que se estrutura na forma de um pé datílico e um pé trocaico com anceps (neutralização) na última posição, como pode ser observado no esquema abaixo:
VERSO sáfico - geralmente apresenta 11 sílabas fixas):

     ̅ ̆| ̅ ̅ | ̅ ̆ ̆ | ̅ ̆ | ̅ ̲̲̮

ESTROFE sáfica - formada com 3 versos sáficos + 1 verso ADÔNICO (de 5 sílabas fixas: 1 dátilo + 1 troqueu/espondeu):

     ̅ ̆| ̅ ̅ | ̅ ̆ ̆ | ̅ ̆ | ̅ ̲̲̮
     ̅ ̆| ̅ ̅ | ̅ ̆ ̆ | ̅   | ̅ ̲̲̮
     ̅ ̆| ̅ ̅ | ̅ ̆ ̆ | ̅ ̆ | ̅ ̲̲̮
             | ̅ ̆ ̆ | ̅ ̲̲̮

Como exemplo prático, tomemos a primeira estrofe do fragmento 31 de Safo, a fim de analisarmos sua estrutura métrica:

(Anexo 1)
(Texto na sala de aula)

O texto do fragmento 31 de Safo comumente apresenta quatro estrofes de quatro versos cada. No entanto, algumas edições consideram também a existência de um último verso solto. Pelo fato de que essas quatro estrofes possuem uma unidade bem delimitada e também por conta desse verso final aparentemente não acrescentar muito, ele foi deixado de fora. O poema foi composto com quatro estrofes de mesmo padrão métrico, de modo a conferir-lhe uma unidade que, de outra forma, talvez não existisse, devido ao fato de que a maior parte do texto é usada para descrever a falha do funcionamento de diversas funções e sentidos do corpo do eu-lírico. Ademais, outro fator que colabora imensamente para criar um conjunto coeso e uma unidade sólida para o poema é a simetria entre o primeiro verso e o último, ambos iniciados pelo verbo . Na primeira ocasião, ele se refere ao homem que está perto da amada do eu-lírico e, na segunda, ao próprio eu-lírico. Tentou-se manter esse efeito até certo ponto, mas não foi possível deixar os dois verbos no início de verso na tradução, uma vez que ele não se encaixa no esquema métrico.
O primeiro verso do texto grego, ainda mais do que os restantes, tem uma sonoridade leve e fluida, marcada mormente por /s/ em ,  e , que lhe conferem uma qualidade quase diáfana, fazendo com que o verso seja pronunciado sem dificuldade. Na tradução, tentou-se manter essa sonoridade, com uma sequência de /s/ em “parece”, “ser”, “dos” e “deuses”.
O segundo verso da segunda estrofe, por outro lado, tem um andamento mais truncado e, ao mesmo tempo, mais delineado por conta da concentração de sons de /t/ em e , além da presença de /p/ nessa última palavra e da líquida /r/ em , cujo próprio som intensifica a ideia da instabilidade enunciada no verso. Esse último efeito foi recriado na tradução com o vocábulo “estremecer”, que, junto de “peito”, completa o campo sonoro existente em grego com certa fidelidade.
Desse verso em diante, há uma longa descrição de como os vários sentidos do corpo do eu-lírico se confundem e deixam de funcionar normalmente quando na presença de sua amada. Durante essa descrição, há uma forte presença de enjambements (ruptura de uma unidade sintática no final de uma linha ou entre dois versos; é um contraste em comparação com o fim de frase, em que cada unidade linguística corresponde a uma única linha, a uma cesura, em que a unidade linguística termina no meio da linha), que fazem com que o texto adquira um andamento rápido, quase alucinado, que só encontra uma pausa definitiva no final da quarta estrofe com o prenúncio da morte. Na tradução, tentou-se, tanto quanto possível, manter essa característica do texto original, preservando o cavalgamento.
Por fim, nessa mesma passagem, há a ocorrência de um polissíndeto, pela repetição contínua da partícula de. Esse artifício é bastante comum no grego antigo, a ponto de praticamente não se sobressair em relação à estrutura do texto. Por esse motivo, ele foi traduzido por orações simples e sem coordenação, criando um assíndeto no texto em português.


Biografia:
Interessado em debates interdisciplinares. Áreas de maior adentramento: Linguística; Linguagem; Educação; Matemática; Exatas; Filosofia das Ciências; Filosofia
Número de vezes que este texto foi lido: 52823


Outros títulos do mesmo autor

Artigos Vogais nasais e nasalizadas: Carlos Eduardo da S Ferreira
Artigos A filosofia pré-socrática e as ciências modernas Carlos Eduardo da S Ferreira
Artigos Discussões sobre a lírica grega antiga: Carlos Eduardo da S Ferreira
Resenhas A vingança da peroba Carlos Eduardo da S Ferreira
Discursos Simulado Carlos Eduardo da S Ferreira


Publicações de número 1 até 5 de um total de 5.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
JASMIM - evandro baptista de araujo 68995 Visitas
ANOITECIMENTOS - Edmir Carvalho 57910 Visitas
Contraportada de la novela Obscuro sueño de Jesús - udonge 56745 Visitas
Camden: O Avivamento Que Mudou O Movimento Evangélico - Eliel dos santos silva 55820 Visitas
URBE - Darwin Ferraretto 55076 Visitas
Entrevista com Larissa Gomes – autora de Cidadolls - Caliel Alves dos Santos 55010 Visitas
Caçando demónios por aí - Caliel Alves dos Santos 54886 Visitas
Sobrenatural: A Vida de William Branham - Owen Jorgensen 54873 Visitas
ENCONTRO DE ALMAS GENTIS - Eliana da Silva 54776 Visitas
Coisas - Rogério Freitas 54738 Visitas

Páginas: Próxima Última