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A bela Infanta
carlos vieira

Resumo:
Poema seiscentista anônimo.

BELA INFANTA
Chorava a infanta, chorava
Chorava e razão havia
Vivendo tão descontente
Seu pai por casar a tinha.
Acordou o rei da cama
Com o pranto que fazia:
- Que tens tu, querida infanta,
Que tens tu, ó filha minha?
- Senhor pai, o que hei de eu ter
Senão que me pesa a vida?
De três irmãs que nós éramos,
Solteira eu só ficaria.
- Que queres tu que te eu faça?
Mas a culpa não é minha.
Cá vieram embaixadas
De Guitaina e Normandia;
Nem ouvi-las não quiseste,
Nem fazer-lhes cortesia...
Na minha corte não vejo
Marido que te daria...
Só se fosse o conde Yanno,
E esse já mulher havia.
- Ai! Rico pai da minha alma,
Pois esse é que eu queria.
Se ele tem mulher e filhos,
A mim muito mais devia,
Que me não soube guardar
A fé que me prometia.

Manda o rei chama o conde,
Sem saber o que faria:
Que lhe viesse faltar...
Sem saber o que lhe diria.
- Inda agora vim do paço,
Já o rei lá me queria!
Ai! Será para meu bem?
Ai para meu mal seria?

Conde Yanno que chegava,
O rei que a buscar o vinha:
- Beijo a mão a vossa alteza;
Que quer vossa senhoria?
Responde-lhe agora o rei
Com grande merencória:
- Beijai, que mercê vos faço;
Casareis com minha filha.
Cuidou de cair por morto
O conde que tal ouvia:
- “Senhor rei, que sou casado
Já passa mais de ano e dia!”
- “Matareis vossa mulher,
Casareis com minha filha.”
- “Senhor, como hei de mata-la
Se a morte me não merecia?”
- “Calai-vos, conde, calai-vos,
Não vos quero demasia;
Filhas de reis não se enganam
Como uma mulher vadia.
- “Senhor, que é muita razão,
Mais razão que ser devia,
Para me matar a mim
Que tanto vos ofendia;
Mas matar uma inocente
Com tamanha aleivosia!
Nesta vida nem na outra
Deus me não perdoaria.
- “A condessa há de morrer
Pelo mal que cá fazia.
Quero ver sua cabeça
Nesta dourada bacia.”

Foi-se embora o conde Yanno,
Muito triste que ele ia.
Adiante um pajem do rei
Levava dourada bacia
O pajem ia de luto,
De luto o conde vestia:
Mais dó levava no peito
Com os apertos da agonia.

A condessa, que o esperava,
De muito longe que o via,
Com o filhinho nos braços
Para abraça-lo corria,
- “Bem vindo sejais, meu conde,
Bem vinda minha alegria.”
Ele sem dizer palavra
Pelas escadas subia.
Mandou fechar seu palácio,
Coisa que nunca fazia,
Mandou logo por a ceia
Como quem lhe apetecia.
Sentaram-se ambos à mesa,
Nem um nem outro comia;
As lágrimas era um rio
Que pela mesa corria.
Foi beijar o filhinho
Que a mãe aos peitos trazia.
Largou o seio o inocente
Como um anjo lhe sorria.

Quando tal viu a condessa,
O coração lhe partia;
Desata em tamanho choro
Que em toda a casa se ouvia:
-“Que tens tu, ó vida minha?
Tira-me já destas ânsias,
O rei o que te queria?”
Ele afogava em soluços,
Responder-lhe não podia;
Ella, apertando-o nos braços,
Com muito amor lhe dizia:
- “Abre-me o teu coração,
Desafoga essa agonia,
Dá-me da tua tristeza,
Dar-te-ei da minha alegria.

Levantou o conde Yanno,
A condessa que o seguia.
Deitaram-se ambos no leito;
Nem um nem outro dormia.
Ouvireis a desgraçada,
Olvide ora o que dizia:
- “Peço-te por Deus do céu
E pela Virgem Maria,
Antes me mate, meu conde,
Que eu ver=te nessa agonia.”
- “Morto seja quem tal manda,
Mais a sua tirania!”
Que negra ventura é esta
Que entre nós está metida?
- “Ventura da sem ventura,
Grande foi tua mofina!
Manda-me o rei que te mate,
Que case com sua filha.”

Palavras não eram ditas,
Inda mal lhe as ouviria,
A desgraçada condessa
Por morta no chão caia.
Não quis Deus que ali morresse...
Triste que ali não morria!
Maior dor do que a da morte
A torna a chamar à vida.
- “Cala, cala, conde Yanno,
Que ainda remédio haveria;
Ai! Não me mates, meu conde,
E um alvitre te daria:
A meu pai me mandarás,
Pai que tanto me queria!
Ter-me-ão por filha donzela,
E eu a fé te guardaria.
Criarei este inocente
Que a outra não criaria;
Manter-te-ei castidade
Como sempre te mantia.
-“Ai, como pode isso ser,
Condessa minha querida,
Se o rei quer tua cabeça
Nesta dourada bacia?”
- “Cala, cala, conde Yanno,
Que ainda remédio teria,
Meter-me-ás num convento
Da ordem da freiraria;
Dar-me-ão o pão por onça
E a água por medida;
Eu lá morrerei de pena,
E a infanta o não saberia.
- ai! Como pode isso ser,
Condessa minha querida;
Se quer ver tua cabeça
Nesta maldita bacia?”
- “Fechar-me-á numa torre,
Nem sol, nem lua veria,
As horas de minha vida
Por meus ais as contaria.”
- “Ai! Como pode isso ser,
Condessa minha querida,
Se o rei quer tua cabeça
Nesta dourada bacia?”

Palavrar não eram ditas,
O rei que à porta batia:
- “Se a condessa não é morta,
Que então ele a mataria.”
- “A condessa não é morta
Mas está em agonia.
- “Deixa-me dizer, meu conde,
Uma oração que eu sabia.”
- “Dizei depressa, condessa,
Antes que amanheça o dia.”
- “Ai! Quem poderá rezar,
Ó virgem santa Maria!
Que eu não me pesa da morte,
Pesa-me de ti, conde,
E de tua covardia.
Matas-me por tuas mãos,
Só porque o rei o queria!
Ai! Deus te perdoe, conde,
Lá na hora da contia.
Deixar-me dizer adeus
A tudo o que eu mais queria;
Às flores deste jardim,
Às águas da fonte fria.
Adeus cravos, adeus rosas,
Adeus flor da Alexandria!
Guardai-me vós meus amores
Que outrem me não guardaria.
Deem-me cá esse menino,
Entranhas de minha vida;
Deste sangue de meu peito
Mamará por despedida.
Mama, meu filhinho, mama
Desse leite da agonia;
Que até agora tinhas mãe,
Mãe que tanto te queria,
Amanhã terás madrasta
De mais alta senhoria...

Tocam nos sinos na sé...
Ai Jesus! Quem morreria?
Responde o filhinho ao peito,
Respondeu – que maravilha!
- Morreu, foi a nossa infanta
Pelos males que fazia;
Descasar os bem casados:
Coisa que Deus não queria.”


Biografia:
Vida de guri é assim.
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