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Nem todos terroristas explodem
carlos vieira

O que é felicidade pra você?
Para Dimitri a felicidade seria possuir 70 virgens no paraíso.
Dimitri queria se tornar um grande herói na sua terra Allaônica. Para que isso acontecesse, teria que abandonar carreira de professor de matemática do primário que exercia em escola fronteiriça à faixa de Gaza para correr atrás desse sonho.
Ele era assim. Sempre se sacrificando. Se fosse cristão seria canonizado pós mortem, com certeza, mas não era.
Ainda virgem aos quarenta e cinco anos de idade, nunca havia beijado uma boca, a não ser a sua própria refletida no espelho. Na adolescência era-lhe permitido andar de mãos dadas ou abraçado com os coleguinhas do mesmo sexo. Com as meninas? Jamais!
Depois de receber o título de Phd em trigonometria mecatrônica quântica, foi aliciado por suspeito grupo salvador da humanidade que, além de lhe prometer, em contrato firmado em cartório, a sua salvação, entregaram uma carta de conteúdo etéreo-físico-plasmático dando-lhe todos os direitos à propriedade de 70 virgens no paraíso. O contrato só se concretizaria após extenuante treinamento visando sua auto-explosão em um badalado Shoping Center da capital. Porque, para entrar no paraíso, só se explodindo e levando muita gente junto.
Ele relutou, pensou que no local poderiam estar alguns dos seus pequenos alunos, ou seus pais, ou algum parente remoto que fosse. Mas 70 virgens era uma vantagem! Ele, que não tinha confiança suficiente para se aproximar de uma virgem, imaginem: ter 70 virgens inteiras a sua disposição
Bem, Dimitri treinou muito para cumprir sua missão.
Treinou tão exaustivamente que sonhou com seu corpo ósseo-integrado ao concreto do Shopping e ao asfalto da rua, e chegou a ver os corpos partidos, talvez de algum dos seus ex-alunos, ou pais, ou parentes remotos que fosse, o rio de sangue que escorreria pelo centro da cidade misturado ao tsunami de lágrimas, que inundaria seu pequeno mundo.
Nesse sonho delirante se viu chegando ao “Paraíso”, ainda tonto pelo estrondo das dinamites. 30 vestidos brancos, esvoaçantes vieram recebê-lo no paraíso. Menos aturdido, Dimitri viu que eram 30 odaliscas dançando. Não era bem a sensual dança do ventre, ele percebeu. Ele, apesar das opiniões em contrário, achava a dança do ventre sensualíssima e extremamente sedutora, erótica mesmo e pensou que, por estar no paraíso e, tendo em mente a defloração das 70 virgens, não poderia ver na dança qualquer indício de erotismo ou algo sexualmente excitante.
Distante uns cinco metros, surge mais trinta virgens e finalizando uma fileira com as últimas 10 virgens vestidas de preto com pesada burca escondendo-lhes os olhos.
Da primeira fileira não pode discernir a beleza e curvas dos corpos, mas podia ver a radiância e inocência de seus rostos, algumas eram meninas ainda, pode perceber, e outras, mulheres, adivinhava que tinham entre 15 e 30 anos. Já na segunda fileira, ficou satisfeito com o torneado das barrigas expostas, das pernas seminuas, dos delicados pés e do brilho dos olhares, metade dos rostos estavam cobertos com fino lenço de seda, mas os olhos: que expressividade, que vida, que vontade de devorá-los – pensava, contendo sua emoção. Eram mulheres maduras, balzaquianas cuja idade poderia muito bem variar dos 30 aos 50 anos. É verdade, lembrou que, hoje em dia, graças aos avanços da medicina, as balzaquianas são mais velhas do que as balzaquianas de Onorré de Balzac. Era indecifrável a idade das virgens da última fileira, então ele imaginava.
“70 virgens só minhas”, pensava entusiasmado. Todavia, ao tentar desvirginar a primeira virgem da primeira fileira levou um inesperado empurrão e a virgem se afastou abruptamente. As demais se aproximaram e entrelaçaram os braços entre si, formando forte muro, intransponível para Dimitri. E o pior é que nem lhe sobrou uma banana de dinamite sequer para ajuda-lo a vencer aquele amálgama feminino.
A última fileira não se uniu às demais e uma das virgens lhe dirigiu a palavra, quebrando o silêncio quase eterno daquele pequeno espaço do paraíso. Havia muita música e sons dos pés dançando e se aproximando dele, mas quando ele tentou pegar seu primeiro exemplar virgem, baixou um silêncio constrangedor e angustiante. Ela lhe disse que ele não estava se lembrando do contrato, que nas cláusulas minúsculas estava escrito que no Paraíso ele teria que começar a desflorar as dez últimas virgens que se apresentassem antes de qualquer uma das outras, que elas eram virgens há muito mais tempo e, por isso, tinham o direito de preferência. E que as demais iriam para o palácio celestial enquanto ele cumprisse a sua nova missão. E que, antes de desvirginar cada uma, ele teria que construiu um aposento para dar-lhe segurança, carinho e privacidade diante das outras virgens, que ele deveria alimentá-la com mana e mel e, que tudo que desse a uma teria que dar para as outras até a última das virgens.
Entusiasmado, sacou a calculadora mental e fez as contas. Observando tantas novidades, começou somando um mais um e chegou à conclusão que havia muito a fazer. Que o Paraíso não era moleza não e que estava obrigado a trabalhar dia após dia para construir aposentos, alimentar e vestir a nova família. E será que havia o risco de ter filhos? E depois de desvirgina-las elas voltariam a ser virgens?
Começou a ficar mais lúcido e pensou que, se elas se alimentam de manar e mel, iriam precisar de banheiros. Ele teria que construir banheiros. Matematicamente verificou que, além dos aposentos, para não gerar conflito entre as mulheres, deveria construir 70 BANHEIROS? Olhou em direção aos olhos das virgens a procura de sinal de ironia ou de alguma malandragem, e não conseguiu enxergar porque eles estavam escondidos por grossos lenços de renda azul-quase-preta.
Dimitri, do alto dos seus 45 virgens anos percebeu que havia sido enganado. Seu valoroso membro carente baixou a cabeça murcho e reduzido a nada. Dimitri sentiu que a eternidade era pouco para realizar aquela façanha. E onde conseguir material para construir tamanho castelo? Olhou em volta e só viu diáfanas nuvens. E onde colher maná e mel? Não via sinal de abelhas ou qualquer inseto que fosse. E construiria tudo só ou as virgens ajudariam, pegariam na enxada? Teria muito que aprender e ficou desanimado em imaginar-se novamente em sala de aula.
As dúvidas e os resultados dos cálculos matemáticos estavam deixando ele louco. Sentiu-se traído pelos “amigos” do grupo suspeito na Terra. E no céu, não sabia a quem recorrer. Não lembrava mais o nome do seu Deus. Então, como um raio, arrancou os lenços que protegiam as faces das senhoras incapazes de impedir sua veloz atitude. Dimitri desnudou as mulheres e viu doces velhinhas virgens com rostos vincados como papel amassado. Deviam ter entre 60 e 100 anos.
Diante de tamanha surpresa, o corpo espiritual de Dimitri mostrava sinais de cansaço e impotência, sua espinha doía infestada de hérnias como se vivo fosse. Sua pressão arterial subiu perceptivelmente, apesar de não possuir mais uma gota de sangue nas veias, pois nem veias tinha. Começou a inchar de ira, sua pseudo respiração de alma sem corpo aspirava grandes porções de nuvens. Foi ficando escarlate de tanto ódio, e inchando e inchando até explodir novamente, explodindo junto as dez virgens mais próximas.

Paz. A paz tomou conta do seu coração. Ao longe ouviu um galo cantar doze vezes seguidas um esforçado COCÓRICÓCÓCÓ cujo objetivo era anunciar a todos os deuses do universo a boa nova que estava por vir. Dimitri despertou. Acordou com a cara amassada, encharcada de baba que escorria dos seus lábios e diluía a tinta das palavras impressas no seu livro-tese. Levantou-se meio bêbado de sono, assustado. Olhou em volta e sorriu feliz. Desvestiu-se das bombas grudadas no corpo com todo cuidado, sem conseguir evitar que pedaços de pele ficassem dolorosamente grudados na fita adesiva e, meditabundo, refletia sobre aquele mal sonho: "será um aviso dos céus?" Sem respostas, decidiu finalizar a pauta da próxima aula em respeito aos seus pequenos e inocentes alunos.


Biografia:
Vida de guri é assim.
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