Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Capitães, motim e naufrágio
Cláudio Thomás Bornstein

L. já assumiu o posto com o barco fazendo água. Mas o porto estava longe e L. não queria correr risco. Tivesse ele convocado toda a marujada, passageiros inclusive, para meter a mão na massa, provavelmente tinham dado um jeito, ao menos, por um tempo. Mas L. tinha aprendido na sofrida luta pelo pão de cada dia que esse negócio de meter a mão na massa, convocar a marujada e contar com a ajuda dos passageiros nem sempre dá certo. Ficou com medo e achou melhor não arriscar. Decidiu-se pelo remendo. Remenda daqui, remenda dacolá, onde a fresta era maior, entrava mais água, ele mandava pregar algumas tábuas de reforço, enfiava estopa embebida em piche nas frestas menores, acionava as bombas, fechava comportas, e assim ia levando. O barco pesado, encharcado de água, ia seguindo devagar.

Só que a água não diminuía e a tripulação estava ficando cansada do trabalho dos remendos. O rádio estava com defeito e as bombas, funcionando dia e noite, começavam a falhar. Criou-se um clima de motim. Preparava-se o butim. Imprimiram-se folhas, empapelaram-se globos e os estados e estadões mobilizaram-se.

Foi aí que surgiu T. Sempre lépido e ligeiro, barba bem feita, perfumadíssimo. Lenço de cambraia branca no bolsinho do paletó prometeu dar um jeito na situação. Começaria colocando ordem na marujada, botando aquela corja de vagabundos para trabalhar. Além disso, com ele na direção, lei e ordem restabelecida, perfume e lenço de cambraia esvoaçando a bombordo e a estibordo, restabelecer-se-ia a confiança no comando. Mandaria concertar o rádio, enviaria mensagens e certamente apareceria ajuda. Podia vir do céu, podia vir do mar.

Armaram uma cilada, L. foi para cela escura e T. assumiu o comando. Agora ecoava música pelo convés e o perfume espalhava-se pelos salões. Concertou-se o rádio e mensagens foram mandadas pelo éter. Não sei dizer ao certo qual foi o barato, se foi éter ou clorofórmio, eu sei que naquela mesma noite, não muito longe dali, encharcados em rum e muito whisky, piratas passavam numa nau. Achando que ia ser servicinho fácil, do tipo que eles gostavam de fazer, o barco já estava mesmo indo para o fundo, iam somente dar uma ajudazinha, tiro de misericórdia, abordaram o barco. Prenderam todos no porão, levaram o rádio, os mantimentos e a bagagem dos passageiros.

T. é claro, se salvou. Percebendo para onde estava soprando o vento, adiantou-se, molho de chaves na mão. Ia abrindo as portas, mostrando o caminho. Em troca, levaram-no junto arrumaram-lhe um trabalho, nem difícil nem fácil demais. Deixavam que os acompanhasse mas não o perdiam de vista nem um minuto.

     O que aconteceu com o barco, ao certo, eu não sei. Uns, mais pessimistas, dizem que foi ao fundo. Sem comando, sem comandante, tripulação presa no porão, ninguém para ligar as bombas, a água foi assumindo o controle da situação e água tudo virou. Outros, mais otimistas, dizem que o navio, ou o que restava dele, acabou encalhando numa praia. Passageiros e tripulação livram-se da prisão, desembarcaram na ilha e fundaram uma nova civilização. Alguns poucos, mais otimistas ainda, contam que os passageiros e a tripulação, sem comando e comandante, finalmente compreenderam o que havia para fazer. Botaram a mão na massa, concertaram o navio e andam por aí, singrando os mares.





Biografia:
Para mais informações visite o blog CAUSOS em www.ctbornst.blogspot.com.br. Querendo fazer comentários, mande e-mail para ctbornst@cos.ufrj.br
Número de vezes que este texto foi lido: 61669


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Escondidinho de camarão Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Brincadeira tem hora Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Tempos, relógios e relojoeiros Cláudio Thomás Bornstein
Frases Ousar ou não ousar? Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas A mendiga e a galinha Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Amante e cunhado Cláudio Thomás Bornstein
Frases Regra e exceção Cláudio Thomás Bornstein
Frases Estímulo ou repressão? Cláudio Thomás Bornstein
Frases Sexo e obrigação Cláudio Thomás Bornstein
Frases Amor e sexo Cláudio Thomás Bornstein

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 11 até 20 de um total de 90.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
PERIGOS DA NOITE 9 - paulo ricardo azmbuja fogaça 62948 Visitas
O pseudodemocrático prêmio literário Portugal Telecom - R.Roldan-Roldan 62923 Visitas
A Aia - Eça de Queiroz 62890 Visitas
Resumo - Direito da Criança e do Adolescente - Isadora Welzel 62856 Visitas
A SEMIOSE NA SEMIÓTICA DE PEIRCE - ELVAIR GROSSI 62847 Visitas
O Senhor dos Sonhos - Sérgio Vale 62820 Visitas
Hoje - Waly Salomão (in memorian) 62788 Visitas
Processo coletivo e inquérito civil - Isadora Welzel 62778 Visitas
Minha Amiga Ana - J. Miguel 62767 Visitas
Faça alguém feliz - 62729 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última