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O curioso caso de Maria Luiza
Rodrigo Miceli

– Miceli, a Maria Luiza quer falar com você. Eu não sei o que é, então não me pergunte!

– Estranhíssimo! É menina calada.

– Demais!

– Deve ser caroço.

– Vai saber! Ah, e tem mais; – falou que a conversa tem que ser pessoalmente. Falou que é assunto importantíssimo; – vida ou morte!

Bom, não sei se meus leitores mais antigos se lembrarão, mas tenho um grande amigo meu chamado Otávio (popularmente conhecido como “Otavinho”). Salvo engano, cheguei a mencionar a irmã dele também, de passagem: – Maria Luiza. Menina adorável, de doçura tal que questiono o parentesco dos dois irmãos até hoje. (Garantem-me ser filhos de mesmo Pai e da mesma Mãe, mas eu não acredito.)

Seja como for, o que se deu foi o seguinte: Fui lá ter a tal conversa com a menina irmã de Otávio. Escolhemos um café reservado, e ela estava me esperando lá, acabrunhadíssima:

– Otavio falou?

– Sim.

– E você veio…

– …parece que sim.

– Miceli, mandei te chamar pelo seguinte; – As vezes eu estou no facebook, sem fazer nada, e vejo você falando de Deus. Veja bem, eu só leio suas coisas quando estou sem fazer nada.

– …

– E você deve estar se perguntando: – “O que isso tem a ver, Luiza?” – Bom, é o seguinte; – eu tenho um namorado.

(peço uma garrafa d’agua. Ela continua)

– E ele é evangélico… Seríssimo.

(derramo água no copo)

– Até aí, tudo bem. Mas olha só; – sabe o que ele faz? Ou melhor, sabe o que ele não faz?

(Pensei em algumas coisas mas ela logo arrematou)

– Não me beija na boca!

– !!!

– É mole? Namoramos ha 3 meses! Nunca me beijou na boca! Nem uma vezinha só!

– Que diabo! E tem motivo?

– Ele não diz! Mas eu suspeito! Eu acho que sei o motivo…

– Qual seria? (derramando mais água no copo, excítadíssimo)

– Uma vez – a gente era amigo ainda. Paquerando, você sabe… – ele me perguntou: – “Luiza, você já beijou outro homem? Já esteve com outro homem?” – Daí eu ri da pergunta boba e respondi com a maior naturalidade: – “Mas é claro! Tenho 17 anos!”

– Muito natural!

– Pois é! Mas aí o homem emburrou! Não falou nada… e nem precisou! Esse tipo de coisa se percebe! No ar!

– Sei bem!

– Bom, vamos resumir que eu estou com pressa. Tenho que malhar ainda hoje… e tem seriado de TV pra ver também…

– …

– Convida ele para um futebol; dá um jeito qualquer de falar com ele. Você fala de Deus, ele é de Deus, vocês devem se entender…

– …

– Miceli, veja bem; (toma-me as mãos e lança-me olhar suplicante) Eu quero beijar o meu namorado! Faz meu namorado me beijar na boca!

Não é necessário dizer que a cena pitoresca – as mãos dadas e as súplicas extravagantes – provocaram certa reação nos circundantes. A cena era, no mínimo, curiosa (para não dizer patética) Mas, passados alguns dias, estavamos lá; – eu e o convidado Tomás (o namorado) sobre o tapede verde e sintético de um campo diminuido de futebol. (Aqui abro parentese: – Sou um excelente jogador de futebol. Não sei se os que jogam comigo lerão este texto, mas certamente, se um deles ler, confirmará nos comentários: – “O Miceli é o maior que eu vi jogar! Que elegância! Que visão!” etc., etc)

O jogo se deu e eu não entrei no mérito de Deus, muito menos no mérito de Luiza, ou no mérito da boca de Luiza. Sabiamente, deixei para o fim do evento, quando o sujeito já estaria cansado, esgotado, pouco resistente a toda e qualquer suposta admoestação. Chegado momento propicio, iniciei:

– Bela partida! Muito bom o jogo! (o sujeito não vira a cor da bola)

– Bom para correr! Vale a pena!

– Saudável!

– Pois é!

– É uma pena que Otávio não tenha vindo… ele joga terrívelmente mal, mas é divertido.

– É figura!

– Um troço!

(Deu-se um silêncio. Temendo perder o momento, cortei diretamente para o assunto)

– E Luiza? Não quis vir te ver?

– Seria bom! Mas está chateada…

– Motivo? (fazendo-me de desentendido, quase que profissionalmente)

– Coisas de casal… nem queira saber!

– Bom, tenho 31 anos… já fui casado, tenho filho, talvez eu possa ajudar… (cinicamente solícito)

– Está certo. Miceli, é o seguinte: – Sou um Homem de Deus.

– Todos nós somos!

– Não. Falo sério: – Sou um Homem de Deus.

– …

– E Luiza; – Luiza beijou boca de outro Homem…

– Bom, ela tem 17… você tem 19… nunca beijou boca de outra mulher?

– Não.

– … (Comecei, então, a suar mais do que suei em toda a partida de futebol)

– Eu sei o que você vai dizer: – “Tomás, se você não suporta o fato dela ter beijado outro, porque começou a namorar?” – Sim, é verdade, eu não deveria ter nem começado. Só que…

– Que o que?

– Amo-a!

– …em três meses?

– Sim! Sou louco por Luiza! Com esta, caso! Sem titubear!

– …Pois está titubeando, meu amigo…

– O que quer dizer?

– Não beija a boca da menina!

(Neste momento houve tensão. O rapaz estacou. Olhou-me com espanto, estático. Só então percebi que havia dado com os pés pelas mãos. Afinal, como saberia deste por menor? Como saberia deste detalhe sórdido do casal?)

– Miceli… como sabe? Como sabe que não beijo na boca de minha mulher?

(Num desespero, improvisei)

– Reveleção!

– Revelação?

– Só pode! Como iria saber?

– Não sei! Milagre? Não mediga que você também é de Deus… Pentecostal?

– Isso mesmo!

– E Deus falou pra você que eu não beijo a boca da minha mulher?

– Falou isso e muito mais!

– Muito mais o que? (Ajoelha-se, levantando as mãos, num arrebatamento)

– Falou pra beijar a boca da tua mulher! Começando por hoje mesmo! Se quiser casar, tem que beijar! Se não ela vai te trocar por outro!

– Que revelação! Eu nunca imaginaria! Ser trocado pelo meu amor? Jamais! Agora beijo! Beijo até de lingua!

– …De preferencia! Tem que ser de lingua!

– Miceli, muito obrigado! Os Pentecostais são demais! Vocês são fogo!


Biografia:
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Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Demo danado Rodrigo Miceli
Artigos O dedo em riste Rodrigo Miceli
Crônicas O curioso caso de Maria Luiza Rodrigo Miceli


Publicações de número 1 até 3 de um total de 3.


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