Da terra lamacenta eu nasci e por mãos perenes fui formado. O Soberano colocou em mim o desejo de perdurar até que a última estrela se apagasse. Todavia, por mais que eu caminhasse em minha existência fugaz, jamais poderia alcançar a linha do horizonte. Mesmo assim, sem perceber que sob os meus pés havia uma plenitude atemporal, prossegui em busca do “tesouro escondido no fim do arco íris”, pisando nas fontes.
Então, a Terra se tornou árida e para abrandar a minha sede “cavei cisternas rotas, que não podiam reter as águas”: fabriquei bombas, promovi guerras, construí espaçonaves e viajei no tempo.
Em certa manhã, em Hiroshima, eu vi o menininho “travesso”rasgar o céu em grande resplendor como o do Sol. Seu clarão retorceu aços, atravessou vidas e, sob os escombros, sepultou a esperança.
Nos campos de concentração, eu pude ver rostos apáticos, ouvir seus lamentos e sentir a dor agonizante dos mutilados de corpo e alma.
Em Roma, um poderoso exército, em traje vermelho, marchava por todo o império subjugando povos, ao mesmo tempo em que o Mestre Jesus caminhava pela região da Galileia apregoando um novo reino de jugo suave, cujo manto carmesim quebrava algemas e libertava os sentenciados à morte.
No futuro, a ciência multiplicou. Encontrei cura para grandes males, como o câncer, e apaziguei conflitos interestelares. Porém, a ambição desmedida afugentou pessoas e o amor se esfriou.
À vista desses fatos, percebi que a eternidade não é linear, mas latente, profunda e descontínua e só se revela nos momentos em que nos permitimos viver.
Então eu me encurvei e bebi do manancial.
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