Ah...como eu queria ser uma pessoa boa,
dessas que chama o vizinho e o café coa,
assa o pão e dá a manteiga,
esquenta o leite na leiteira,
desliga o televisor
para que, juntos,
possam ver o sol se por,
pega o pacote de biscoito,
fica com dois e oferece oito,
convida o vizinho para ir ao parque
dar milho aos pobres,
não que lhe falte,
não que lhe sobre,
envia um e-mail pelo aniversário,
outro pelo comemoração,
dá de presente um rádio
para se ouvir uma boa canção,
à esposa do mesmo
manda, com carinho,
um pão de torresmo,
aos filhos, um menino e uma menina,
ingressos para um filme na quinta,
depois fecha a porta e fica pensando,
como é bom ser bom mesmo quando
dentro dá gente dá uma dorzinha
por causa da outra vizinha
que morá só,
não abre as janelas,
nem se sente o cheiro das panelas,
dá até dó
de ver os vasos quase secos, a chorar,
acho que vou, escondido, lá regar...
Mas, como se acordasse de repente,
estou na janela a ver o Clemente,
meu vizinho,
com seu bonezinho,
e eu sonhava ser uma pessoa boa,
dessas que por nada, à toa,
cumprimenta o mundo,
tenta lhe arrancar os espinhos...
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