Quando eu era pequeno,
mas tão pequeno que via alguém por dentro,
nem imaginava que o mundo aqui fora
já era essa coisa linda,
essa coisa pavorosa,
que havia este tal de tempo
a nos comer como salada,
que só tem dentes e não pensa em nada,
que em mim, por observação,
nasceria a moral,
a tragédia,
a sofisticação,
que haveria eu de aprender
com os animais sobre a consideração
que se deve ter uns com os outros,
com os mal-vestidos,
os bem apurados,
os sãos, os loucos,
os humildes, os metidos,
nem poderia supor,
ainda em estado de composição celular,
que haveriam barcos para escapar pelo mar
de certos pudores oferecidos pelo Estado,
que uma sociedade se faz pelos costumes,
que ainda se mata por ciúme,
que se rouba a pele do pobres
para abrir um curtume,
nem me imaginava competindo com outros
para conseguir sobreviver nesta vida,
que depois que cresci, depois que vi
as atitudes que geraram livros
e manuais e guias espirituais,
acabei acreditando que somos os tais,
mas, salvo engano, mudei de planos...
Hoje, para me manter ereto e sano,
cresço para dentro como faz o vento
que se refugia na brisa
para esquecer que um dia
foi tempestade...
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