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Pensamento criativo e outros bichos da criação
Reginaldo de Santana Lima

Resumo:
Este artigo foi originalmente escrito em 2012 e aguardava sua publicação em uma edição especial que seria organizada pela Coordenação do Curso de Pós-Graduação do Centro Universitário do Norte (UniNorte). Passados esses dois anos de gaveta, enfim, achei por bem publicá-lo, em razão do caráter especial da disciplina “Pensamento Criativo” e de seu conteúdo pouco explorado nas universidades brasileiras, o que é lamentável.

Pensamento Criativo e outros bichos da criação.
                                                    Reginaldo de Santana Lima

Este artigo foi originalmente escrito em 2012 e aguardava sua publicação em uma edição especial que seria organizada pela Coordenação do Curso de Pós-Graduação do Centro Universitário do Norte (UniNorte). Passados esses dois anos de gaveta, enfim, achei por bem publicá-lo, em razão do caráter especial da disciplina “Pensamento Criativo” e de seu conteúdo pouco explorado nas universidades brasileiras, o que é lamentável. Segue na íntegra, como dantes.
Alguns cursos de pós-graduação lato sensu voltados para a especialização têm suas peculiaridades quanto à grade de disciplinas, e o curso de Criação Publicitária do UniNorte não é diferente, cabendo a este escriba o desafio de emplacar uma tal disciplina, de nome Pensamento Criativo, título um tanto pomposo que, à medida que extrapola sua própria dimensão, cresce de igual modo em subjetividades. E aí moram pelo menos três grandes problemas.
Como ministrar aulas sobre a disciplina Pensamento Criativo em uma pós-graduação de Criação Publicitária, com alunos egressos dos cursos de publicidade, designer, jornalismo, relações públicas, sem correr o risco de ser tendencioso a um dos segmentos? Mais do que isso, como ampliar a dimensão desses conteúdos, de forma que transcendam os limites teóricos da sala de aula e alcancem o tão almejado campo da práxis desses novos especialistas?
Surge, então, um segundo problema, agora vinculado à duração do módulo, realizado no final de semana e em tempo corrido, que o faz comer o happy hour da sexta-feira e engolir todas as horas diurnas do sábado e domingo. Haveria tempo suficiente para explicar os conteúdos? Muito além dessa tarefa, haveria como se apreender, de fato, tais assuntos, através do método dialógico, que resultasse verdadeiramente em aquisição de novos conhecimentos?
Por derradeiro, a escolha e tamanho dos conteúdos, adequados ao perfil profissional desses alunos e dentro do espaço e tempo disponíveis, passa a exigir um trabalho que antecede todo o processo: a delimitação do tema. Devemos “começar por onde tudo começou: Homero ou Deus?”; “começar pela filosofia: o que é isso, o quê, mesmo?”; ou “começar pelo pensamento criativo: Fayga Ostrower ”, a criativa artista brasileira, de naturalidade polonesa?
A Criação é tema universal e para responder essas questões, nada mais natural do que realizar um brainstorm individual que apontasse caminhos, preferencialmente curtos, que se encaixassem às circunstâncias de espaço, tempo e perfil dos pós-graduandos. Assim, o brainstorming pinçou parte do método do Creative Education Foundation (Buffalo, NY), por ser instigante em relação a espaço e tempo e de fácil adaptação aos perfis profissionais.
Sucede daí alguma explicação sobre vários aspectos do curso de criatividade dessa famosa instituição americana, fundada na década de 50 pelo publicitário Alex Osborn , uma vez que soa paradoxal se falar de um curso de cinco anos que se realiza em apenas cinco dias, isso em Buffalo, Nova Iorque, ou em pouco mais de dois dias, aqui, como pretensamente se pensou aplicar a esta disciplina Pensamento Criativo, como forma de instigar os pós-graduandos.
Para Osborn, importava perseguir "a criação de ideias novas, relevantes e originais", que isso somente seria possível com o emprego de técnicas e instrumentos igualmente inovadores, que pudessem gerar comportamentos e produtos com a etiqueta de criativos, um feito que se tornou realidade com a descoberta de que o pensamento criativo pode ser deliberado, quebrando-se o paradigma de que a criatividade provinha de uma “centelha acidental”.
Esse trabalho, aliás, teve precursores de peso , a partir de meados do século XIX, com Coleridge, Valéry, Hadamard, Poincaré, Kekulé, Whitehead, Freud e Einstein, que empreenderam esforços para entender “o processo mediante o qual geramos ideias”, isso para não falar da contribuição de poetas, pintores, escultores, arquitetos, que atravessaram séculos de estudos e nessa confluência do tempo deram à luz vários movimentos de criatividade .
Bom, mas a lembrança dessa escola de Buffalo, a Creative Education Foundation, para oferecer o melhor conteúdo aos alunos do módulo Pensamento Criativo, surgiu basicamente em função de dois enfoques, com a mesma raiz: um, nascido e criado na própria instituição de Nova Iorque (Criative Problem Solving), e outro, adotado e nacionalizado por um grupo de brasileiros egressos de Buffalo, com a tradução literal: “Solução Criativa de Problemas”.
O CPS (Criative Problem Solving) foi fruto de uma construção empreendida por três gerações na Creative Education Foundation, Osborn, Parnes e Noller, e se tornou o divisor de águas como metodologia do processo criativo, dirigido não somente para os profissionais ligados à propaganda ou à arte, de um modo geral, mas para todas as pessoas, em quaisquer atividades que atuem, que encontram no pensamento criativo a solução cotidiana de problemas.
Esse CPS, agora como Solução Criativa de Problemas, assim em português, foi o insight, o ponto de partida para a criação do Instituto Latino-Americano de Criatividade e Estratégia – ILACE (SP), fundado por José Leão de Carvalho, para difundir a metodologia do processo criativo no Brasil, agregando o “pensar crítico”, já corrente no movimento educacional americano, como síntese metodológica entre o processo criativo e o pensar estratégico.
O curso de CPS, que em Buffalo tinha a duração de cinco anos em cinco dias, passou a ser realizado no ILACE com duração de quatro anos em quatro dias, no início dos anos 1980, totalmente desenvolvido nos ambientes de um hotel, para grupos de aproximadamente vinte pessoas de todos os estados e das mais diferentes áreas, experimentando as atitudes culturais que diretamente mobilizam e desmobilizam o pensar transformador na sociedade brasileira.
Os cursos do ILACE ganharam tanta notoriedade nos círculos decisórios das empresas, que grandes corporações passaram a adotar o módulo “Solução Criativa de Problemas” como metodologia de treinamento dos seus executivos, muito particularmente para os níveis gestores das empresas e instituições públicas e privadas. Com novos cursos na área do pensar, o ILACE chama-se hoje Instituto Latino-Americano de Ciências Cognitivas e Estratégia.
Dessa breve apresentação do ILACE, pode-se retirar o substrato que buscávamos como ponto de apoio para dar início às aulas do nosso curso de pós-graduação, isto é, trabalhar as atitudes culturais capazes de mobilizar ou desmobilizar o pensar transformador na sociedade, a partir dos conteúdos de cada aluno, o seu modo de ver e pensar os problemas do mundo, e quanto isso está estreitamente vinculado a convenções, paradigmas e patentes sociais.
Esse primeiro momento do diálogo entre professor e aluno, que geralmente resume-se na apresentação de ambos, pela sua formação e status, é que deve estender para algo mais, de estranhamento mesmo, a fim de quebrar as “prenoções”, julgamentos, preconceitos mediados pela família, escola, religião, e que impregnam os currículos, estabelecendo diferenças e comportamentos que inibem a capacidade de pensar de forma ampla, crítica e autônoma.
De fato, não faz nenhum sentido um sujeito se caracterizar de professor, se colocar à frente de duas dúzias de alunos, monopolizar as atenções e danar a despejar conhecimentos, contrariando um princípio de proporcionalidade (1 para 24), e ainda subverter a capacidade de troca de informações que podem permear a sala de aula, transformando-a em um celeiro de novas e estimulantes experiências, vivenciadas por cada um e compartilhada por todos.
Então, ao iniciar a empreitada, está o professor diante do desafio de escolher o tamanho dos conteúdos, de acordo com o tempo disponível, porém, muito à vontade junto a seus interlocutores, tornando-se tentador (por que não?) falar um pouco de cada um dos três temas já informados no início do texto, sobre a aventura homérica e de Deus, a inquietude da indagação filosófica e o comportamento transformador da criativa Fayga Ostrower. Vamos começar?

Começar por onde tudo começou: Homero ou Deus?
Quando você se dispõe a pensar criativamente sobre criatividade, em sentido crítico de querer investigar como tudo isso começou, abstraindo, por óbvio, o surgimento do fogo, a invenção da roda e tudo que daí sucedeu em favor da agricultura, arquitetura, matemática, das artes, a tentação mais instigante é dirigir essa investigação para os primórdios da sistematização do conhecimento, com o emprego do pensar criativo no processo cognitivo.
O limiar desses processos internos do pensar criativo só pode ser observado através dos registros históricos, da cultura, que dão conta da aventura humana desde quando o homem começou a se entender como gente, primeiro com o Pithecantropus erectus, o Homo erectus que aprendeu a viver em cavernas e a lidar com o frio, há cerca de 700 mil anos; e depois o Homo sapiens, que há 220 mil anos mostrou suas habilidades artísticas nas cavernas dos Pirineus.
Esses feitos da criação humana, que decorreram a partir daí, apesar de consideráveis para o nosso estudo acerca do pensar criativo, fazem parte de um passado longínquo que só tomamos conhecimento graças às penas dos historiadores, a partir de achados ou pesquisas de outras áreas, como é exemplo a Arqueologia, que estuda o passado por meio de vestígios materiais, para identificar e analisar objetos que informam sobre sua cultura e modo de vida.
Mas o que importa, aqui, ainda que exposta sucintamente, é a criação humana se realizando aos nossos olhos, tendo professor e alunos como testemunhas de um dos feitos mais criativos da humanidade: Ilíada, de Homero, o primeiro texto produzido no mundo Ocidental cuja narrativa dá conta da Guerra de Troia, ocorrida entre 1300 e 1200 a.C., uma obra de fôlego produzida em versos pelas mãos criativas do poeta que é considerado o Educador do Ocidente.
Sem entrar no mérito de haver existido ou não o poeta Homero, detemo-nos, aqui, ao primeiro dos 15.693 versos de sua Ilíada, porque dele poderemos dar início a uma discussão de fato vinculada com o pensamento criativo, em especial naquilo que ele representa de mais inteligível, que é proporcionar sinapses em que a rede de conexão neural capacita ou pré-dispõe o cérebro para armazenar e adquirir conhecimentos. Vamos ao primeiro verso de Ilíada:
Canta-me a Cólera – ó deusa! – funesta de Aquiles Pelida,
Bom, aí você pergunta o que tem demais nisso? Ou o que você tem a ver com isso? A resposta fica instigante a partir do momento em que essas poucas palavras acabam traduzindo toda a poesia épica de Homero, se analisados com certa agudeza os termos que compõem esse primeiro verso, que nos coloca frente a frente com a profusão de significados que ele encerra, segundo uma de suas traduções mais autorizadas, a do médico erudito Carlos Alberto Nunes .
Ao termo “Canta-me”, leva à compreensão de que a forma do poema era anteriormente não escrita, isto é, exprimia-se pela oralidade dos aedos e rapsodos da antiga Grécia, cantado em versos que passavam de geração a geração, até tornar-se obra universal de incomparável beleza, que superou a barreira do tempo, pois é lido há mais de vinte e cinco séculos, com extremo interesse, e do espaço, porque é conhecido e admirado por todos os povos do Ocidente.
Ao termo “Cólera”, diz-se que decorre da briga entre o rei Agamémnone e Aquiles, visto que Crises, sacerdote de Apolo, vai ao campo dos Gregos reclamar a devolução de sua filha Criseide, mantida como escrava do rei, ao que Agamémnone, para aplacar o descontentamento de Apolo, devolve Criseide, mas resolve ficar com Briseide, a escrava de Aquiles, desencadeando a ira desse semideus, que resolve abandonar a guerra de Troia por um largo período.
Ao termo “ó deusa!” complementa-se a invocação às Musas da memória para que o poeta percorra tão longa jornada recordando-se dos fatos que irá expor, característica esta que fez escola na literatura épica clássica: na Odisseia, também de Homero, que pede à Musa que reconte os feitos do herói astucioso; na Teogonia, Hesíodo ouve das Musas a narrativa sobre a origem dos deuses; assim ocorre nos poemas Eneida, de Virgílio, e Os Lusíadas, de Camões.
Ao termo “funesta”, tem-se muito mais que a Peste enviada à tropa Grega, ante os insultos do rei Agamémnone a Crises e sua resistência em devolver-lhe a filha, pois significa todos os infortúnios que passam a viver os exércitos da federação Grega, a partir da Ira de Aquiles e sua decisão de abandonar os campos de guerra, exatamente por ter sido ultrajado pelo rei Agamémnone, impondo Zeus, a pedido da mãe de Aquiles, sucessivas derrotas aos Gregos.
Ao termo “Aquiles Pelida”, se anuncia quem é o protagonista que vai pontuar toda a história, revelando, em primeiro lugar, tratar-se de Aquiles como filho de Peleu, rei dos mirmidões da Tessália, com Tétis , a ninfa do mar. Segundo a lenda, sua mãe tentou torna-lo imortal mergulhando-o no rio Estige, mas, ao mergulhá-lo, segurou-o pelo tendão de um dos calcanhares (o tendão de Aquiles), ficando assim essa parte vulnerável, que o levaria à morte em Tróia.
Pense na quantidade e qualidade de informações que fornece esse primeiro verso: a multiplicidade de ideias acerca de seres mitológicos, antropomórficos, mortais; os aspectos de verossimilhança que entrelaçam circunstâncias, ambiente, deuses e humanos; o imaginário que inspira realidade em tempo real, físico e ficto. Agora, imagine tudo isso potencializado em mais 15.692 versos, divididos em 24 belíssimos cantos que completam a obra.
Essa análise do fazer criativo através da palavra escrita nos transporta para uma outra grande obra, agora da cultura judaico-cristã, forjada quase no mesmo período de Homero e sua Ilíada, que tem como poeta o próprio Deus, inspirado pelas mãos de dezenas de autores, como Moisés, Josué, Samuel, Jeremias, Esdras, Neemias, Salomão, ainda que se diga tratar-se de uma produção coletiva e oral, de séculos, que se reuniu em pergaminho no ano 800 a.C.
A Bíblia talvez nos forneça um dos aspectos mais notáveis do pensar e do fazer criativo, inspirado na matéria-prima escrita, sem a necessidade de avaliar qualitativamente seus escritos e nem de sopesar o volume de seu conteúdo, porque nossa metodologia de absorver a informação, criativamente, considera (suficiente) a análise vertical e o brainstorming sobre um determinado texto. No caso da Bíblia, se encontra também no seu primeiro verso:
No princípio, criou Deus os céus e a terra. (Gênesis, 1)
Como no texto anterior, está aí o insight capaz de nos arremessar para todo o universo da criação, conformado pela cultura humana, embora tenhamos de considerar pelo menos duas diferenças na forma de cognição entre os dois versos e as duas obras: no primeiro, está presente tudo que a princípio não conhecemos, que instiga a curiosidade; no segundo, ao contrário, se desenha a cadeia de tudo que já conhecemos, mas que igualmente instiga e arrebata.
Essa instigação do imaginário e as inúmeras possibilidades que surgem para pôr em marcha o pensamento criativo, nos levam a constatar que tudo parece óbvio (e é), basta vislumbrar o segundo, terceiro, quarto verso de Ilíada, assim como basta seguir adiante nos versos da Bíblia, quando toda a Criação divina (que já conhecemos) vai se desenhando de forma deslumbrante aos nossos olhos como se não tivéssemos conhecimento anterior da obra de Deus.

Começar pela filosofia: o que é isso, o quê, mesmo?

Outra forma bem interessante de empreender o Pensamento Criativo, sem abrir mão, obviamente, da leitura dos grandes clássicos, está em reconhecer de forma diferente tudo que povoa o nosso universo de conhecimento, objetivo e subjetivo, qualquer coisa nominada ou não pelas palavras, concretas e abstratas, ou ainda que desafiem estarem elas dispostas no espaço ou no tempo, perceptíveis pela via da sensibilidade ou cognoscíveis pela razão.
Tudo é muito simples e passa somente pelo crivo da conceituação, isto é, buscar naquilo que implica o exercício da Criação um significado que traduza muito mais substância do que a coisa representa, pelo menos na primeira olhada, porque aquilo que muitas vezes parece ser não é, como, igualmente, outras coisas que parecem não ser, o são, o que poderia confundir o que é simples com o que é complexo e, de modo inverso, o que é complexo com o que é simples.
Essa dificuldade aparece todos os dias na mesa dos criadores: designers, diretores de arte, redatores e até mesmo dos profissionais de planejamento, quando o briefing apresentado não está suficientemente esclarecido, ou está com informações truncadas, ou, o que é pior, está equivocadamente preenchido. Seja qual for a alternativa, todas levam a erros muitas vezes irreparáveis, e torna o trabalho de refação um martírio contraproducente.
Em outras situações, em que o briefing se apresenta perfeito, o erro da interpretação não se encontra no objeto, mas no sujeito, uma vez que seu olhar acerca de determinado dado deturpa a essência do seu conteúdo, isoladamente ou provocado pelo chamado efeito dominó, que acaba contaminando todo o conjunto de informações. É aí que um ponto curioso da filosofia vem em nosso socorro. Mas, em que consiste mesmo considerar esse preceito filosófico?
Ti estin.
Em grego: que é isto...? Esta é a pergunta que devemos fazer a todos os principais pontos apresentados em um briefing, mas não como a fazemos em nosso dia a dia, quando perguntamos, por exemplo, o que é o produto que está no estoque e o nosso cliente quer vender?, obtendo como resposta: um iPhone. Percebe-se, então, que obtivemos o nome de uma coisa que não conhecemos exatamente, mas consideramos suficiente para o desenvolvimento do nosso projeto.
Na metodologia empregada para se percorrer um caminho seguro rumo ao Pensamento Criativo, essa resposta não é suficiente e deve ser refutada porque tratou da coisa apenas superficialmente, deixando de retirar-lhe informações minimamente importantes para lhe impor uma particularidade, uma peculiaridade que seja, capaz de torná-lo diferente de todos, ou de quaisquer produtos de seu segmento, ainda que o mercado apresente modelos similares.
Então, o animal criativo, provavelmente você que lê essas linhas, deve ir mais fundo, questionar mais sobre o que é aquilo a que chamamos de iPhone?, colocado como uma questão que nos aproxime do "ti estin” grego, na mesma forma de questionar empreendida por Sócrates, Platão e Aristóteles, quando perguntavam, por exemplo, que é isto, o belo?, que é isto, o conhecimento?, que é isto, a natureza?, dividindo as questões em duas partes fundamentais.
Convém observar que nos questionamentos acima não se procura apenas delimitar com mais exatidão o que é a beleza, o que é o conhecimento e o que é a natureza. Mais do que encontrar o significado do “que”, o que se busca é em que sentido se deve compreender o ”ti” grego, isto é, o que significa precisamente a beleza, o conhecimento e a natureza em si mesmo considerados, de modo que se levante um questionamento que se enquadre na investigação filosófica.
Tal como fizeram os filósofos ao longo de toda a história, e aí avançamos para Kant, Hegel, Heidegger, o profissional de Criação fará sua análise de briefing a partir de acurada observação sobre todos os aspectos considerados relevantes acerca do produto, buscando estabelecer o conceito sobre ele, que o fará distinguir-se por uma ou mais diferenças entre o produto e seu concorrente, pelo conceito revelado por suas características, essência, individualidade.

Começar pelo pensamento criativo: Fayga Ostrower.

Outra alternativa interessante para dar conta da nossa disciplina seria adotar uma postura proativa, em pleno desafio a isso que chamamos de criatividade, tendo como enfoque o ser humano criativo, pleno desse direito de ter a criatividade não como privilégio de uns poucos, mas algo inerente à própria condição humana, desenvolvido em si e ao longo de suas relações com o ambiente, com a cultura, com a economia, a política e a problemática social.
A essa rede de inter-relações vamos chamar de Criatividade e Processos de Criação , tendo como base segura a análise lúcida de Fayga Ostrower, que aborda em seu interessante livro os elementos que de fato contribuem para o nosso estudo: a natureza criativa do homem; suas potencialidades enquanto ser formador; o homem como ser sensível, ser cultural e ser consciente; a memória; as formas simbólicas e ordenações interiores; e a tensão psíquica.
Esse parágrafo anterior, que de igual aos outros tem apenas a métrica exata de 375 caracteres, já sinaliza que dos três temas postos à nossa escolha, este se apresenta como suficientemente capaz de englobar os (dois) temas anteriores, especialmente porque trata de processos de criação, e como tal não ignora os aspectos antropológicos de nossa primeira opção e nem o método originalmente grego de colocar a coisa sob o enfoque do questionamento.
Fayga Ostrower não hesita em afirmar que a natureza criativa do homem se elabora no contexto cultural, cujo desenvolvimento se dá na realidade social, em que os níveis individual e cultural da existência humana são capazes de dotá-lo de potencialidades e processos criativos que não são privilégio apenas de quem atua na arte, mas de todas as pessoas, independentemente da atividade, o que dota a criação de um sentido amplo, global: criar é viver.
Quando convidamos os alunos a vivenciar cada momento de sua existência, sem (pré) conceitos (pré) estabelecidos, estamos lidando com esse Potencial do processo criativo, que é formar, a partir da capacidade de compreender: relacionar, ordenar, configurar, significar, para poder dar forma a algo novo, onde reside sua profunda motivação para criar e razão de existir, pois o homem cria não porque quer, ou porque gosta, mas sim porque precisa.
Por esse caminho, pode-se dizer que a criatividade humana está em tudo, em todas as coisas, em todos os atos, quando o homem (homo faber) organiza os fenômenos e percebe as formas ordenadas e seus significados, num processo intuitivo contínuo que se torna consciente quando é expresso ou se materializa ou faz perceber a si mesmo, como um movimento de retroalimentação, em que a transformação da natureza transforma igualmente esse homem criador.
Na condição humana do ser consciente-sensível-cultural, o homem tem seu desenvolvimento moldado unicamente dentro das formas culturais, no grupo que ele nasce, cresce, se relaciona, vinculado a padrões coletivos e individuais de cultura, com sua maneira pessoal de sentir, agir, aspirar, sonhar, realizar, num processo contínuo de elaboração de novas atitudes, de novos comportamentos, que o transformam num ser criativo por excelência.
É sem duvida desafiador levar os alunos a perceberem essa dimensão ampliada de vivenciar o mundo, com o domínio racional da consciência, da sensibilidade, aplicado às coisas que lhe envolvem, fruto da cultura, ou não, se considerarmos aqui também a metafísica, mas que o fazem pensar sobre a existência daquilo que efetivamente existe, como os objetos, os sons, a luz, e pensar naquilo que sabe existir, mas não lhe é compreensível tal existência.
E entramos, então, no terreno mágico da memória, do espaço, do tempo, do sonho e de uma lista formidável que não cabe neste espaço nomear, mas apenas refletir sobre quanto o homem criativo precisa desses elementos para construir sua rede de inteligência, de modo consciente e diferente, que lhe permita criar sem a angústia de lidar permanentemente com o desconhecido, o inexplicável, parindo ideias como fruto do acaso e não de uma opção volitiva.
Interligando o ontem e o amanhã, o homem é único nessa capacidade de dispor da memória como instrumental para pensar experiências passadas, presentes e futuras, ampliando a consciência para as mais complexas formas de inteligência associativa, ativando contextos e fatos isolados, de conteúdos concretos, de formas afetivas, ou estados de ânimo, como alegria, tristeza, medo, ansiedade, que caracterizam determinadas situações vividas.
Falar de memória é também falar de sonho, e, como para sonhar se tem que estar dormindo, convém lembrar aqui a nossa metodologia, aplicada na Creative Education Foundation, escola de Buffalo, posto que seria impossível realizar um curso de cinco anos se não fossem consideradas as quatro noites de sono e de sonhos, com atividades tão instigantes quanto as realizadas durante o dia, estimuladas para que o sujeito as vivencie acordado ou dormindo.
Os resultados obtidos em sonho são inquestionáveis e hoje têm comprovação científica, atestados pelo menos por dois eminentes intelectuais da área, a neurocientista Teresa Paiva , para quem os sonhos têm "impacto" na sociedade e podem conduzir a importantes criações, referindo-se à “realidade virtual”, como exemplo, e Allan Hobson , o cientista que contrariou a teoria dos sonhos de Freud, que diz que “não poderíamos ver se não fosse o sono”.
A partir desse raciocínio sobre memória, sono e sonhos, pode-se antever quanto é estimulante para os alunos esta e outras indagações dessa natureza, envolvendo a realidade que percebemos, quando de olhos bem abertos, e a realidade igualmente representativa da realidade, quando de olhos bem fechados, podendo-se então avançarmos para outros questionamentos, como, por exemplo, o que é o espaço; e o que é tempo, e se há respostas convincentes.
Para responder a esses questionamentos, é indispensável consultar os mestres. Kant , na sua Crítica da Razão Pura, sentencia que "Todo o nosso conhecimento começa pelos sentidos, daí passa ao entendimento e termina na razão, acima da qual nada se encontra em nós mais elevado que elabore a matéria da intuição e a traga à mais alta unidade do pensamento", o que coloca espaço e tempo anteriores à experiência, como conhecimento sensível “a priori” .
Para não ficar apenas em um autor, a questão do tempo, por exemplo, também é encontrada em Santo Agostinho, na obra Confissões , que, coincidentemente, fala sobre o “Homem e o Tempo”, exatamente para explicar o princípio do Gênesis, detendo-se nas palavras a que nos referíamos no início, sobre o universo da criação a partir da literatura, da cultura: “No princípio, criou Deus os céus e a terra”, para analisar filosoficamente a essência do tempo.
Feitas essas considerações, convém concluir que três são as metodologias disponíveis para levar adiante nossa disciplina “Pensamento Criativo”, e que estas podem ser aplicadas separadamente, com profundidade, dentro do período de tempo que se dispõe, ou em conjunto, mesclando-se as partes para delas se construir um todo, também com relativa profundidade, em um ordenado processo de imersão, e sem nenhum risco de prejuízo na assimilação.
A esses processos de imersão, de como efetivamente pode-se chegar em um Pensamento Criativo, podemos chamar à primeira metodologia, essa que batizamos de “Começar por onde tudo começou: Homero ou Deus?” de Metodologia do Pensamento Criativo pela Ação, assentada exclusivamente nas referências literárias, cujas obras de inestimável valor são verdadeiros guias para o desenvolvimento da atividade criativa em qualquer área profissional.
À segunda metodologia, a que intitulamos “Começar pela filosofia: o que é isso, o quê, mesmo?”, como método filosófico de reconhecer de modo diferente tudo que povoa o nosso universo de conhecimento, objetivo e subjetivo, qualquer coisa nominada ou não pelas palavras, concretas e abstratas, e assim por diante, podemos então chamá-la de Metodologia do Pensamento Criativo pela Criação, considerado o questionamento filosófico à maiêutica.
À terceira metodologia, por conseguinte, que propõe começar tudo pelo pensamento criativo de Fayga Ostrower, parece-nos a mais inteligente, porque, além de não desprezar os dois métodos anteriores, pelo contrário, estabelece a possibilidade de se criar um novo método, mais robusto, que absorve os processos criativos de Ação e de Criação, para dar forma ao que passamos a chamar de uma Metodologia do Pensamento Criativo pela Transformação.
De fato, uma arquitetura do plano de trabalho que engenhosamente entrelace essas três metodologias, tem amplas possibilidades de dar certo, porque, já de início, considera todo o ser humano, sem distinções ou privilégios, dotado de potencial criativo, inter-relacionado com tudo que o rodeia, incluindo suas percepções conscientes e inconscientes, o que lhe vai permitir acessibilidade às informações e compreensão plena de seu conteúdo.
Resta indagar, finalmente, sobre o que significam mais profundamente as metodologias às quais chamamos de Metodologia do Pensamento Criativo pela Ação, Metodologia do Pensamento Criativo pela Criação e Metodologia do Pensamento Criativo pela Transformação, aplicadas à Criatividade e Processos de Criação, tarefa que ficará para um próximo capítulo, quando cada uma dessas metodologias será demonstrada como sistema em si considerado.


Biografia:
Professor universitário, com formação em Comunicação Social, Filosofia e Direito. Participou do curso sobre Criatividade (Solução Criativa de Problemas) pelo Instituto Latino-Americano de Criatividade e Estratégia – ILACE (SP), turma de 1986. Pós-graduado em Direito Processual Civil e Ciências Penais, com ênfase no Magistério Superior. Participa do Programa de Doutorado da Universidade de Buenos Aires, desde 2011.
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