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Paciência
Calvino

Por João Calvino

“Porque necessitais de paciência” (Hb 10.36-38). O escritor diz que é necessário que haja paciência, não só porque devemos perseverar até ao fim, mas porque Satanás conta com inumeráveis artifícios com os quais ele nos fustiga. A menos que sejamos munidos de uma extraordinária paciência, seremos destroçados mil vezes antes que possamos chegar sequer à metade de nossa jornada. A herança da vida eterna já nos está garantida, visto, porém, que esta vida se assemelha a uma pista de corrida, temos que nos esforçar por alcançar a meta final. Nessa corrida, muitos obstáculos e dificuldades surgem em nosso caminho com o fim não só de tolher nossos passos, mas também para desviar-nos de nosso curso; fracassaremos, a menos que nos revistamos de grande disposição de espírito para enfrentá-los. Satanás, em suas sutilezas, nos arremessa todo gênero de importunações com o fim de desencorajar-nos, e de fato nenhum cristão dará jamais dois passos sem sentir-se aborrecido, a menos que ele seja mantido de pé por meio de sua paciência. Esse, pois, é o único caminho pelo qual podemos avançar sem sermos impedidos; pois não poderemos obedecer a Deus de outra maneira, nem poderemos jamais desfrutar da herança prometida, a qual, aqui, é chamada, metonimicamente, a promessa.

Pois ainda em bem pouco tempo. Em caso de nos ser difícil manter a paciência, o autor diz que o tempo não se prolongará. Aliás, não há nada mais eficaz para animar nosso espírito, sempre que se sinta desfalecer, do que a esperança de que o alívio é rápido e está próximo. Assim como um general proclama a seus soldados que o fim da guerra não tarda, bastando que aguentem um pouco mais, assim também o apóstolo declara que o Senhor virá logo para livrar-nos de todo mal, bastando que nosso espírito não desfaleça por falta de firmeza. Visando a que esse encorajamento se revestisse de mais credibilidade e autoridade, ele se reporta ao testemunho do profeta Habacuque (2.4). Como ele segue a tradução grega (Septuaginta), afastando-se um pouco das palavras do profeta, antes de tudo explicarei brevemente o que o profeta diz, e então o confrontarei com o que o apóstolo diz aqui.

Após ter falado da terrível destruição de seu povo, o profeta se sentiu tão terrificado por sua própria profecia, que não lhe ficou alternativa alguma senão sair do mundo e isolar-se em sua torre de vigia. Nossa torre de vigia é a Palavra de Deus, por meio da qual somos transportados para o céu. Colocando-se assim em seu posto, ele recebe a ordem de escrever uma nova profecia, a qual traria esperança de salvação aos piedosos. Visto que os homens são impertinentes, e por demais impetuosos em seus desejos, a ponto de sempre imaginarem que Deus protela demais, ainda que aja rápido, o profeta diz que a promessa virá sem delonga, fazendo este adendo: "ainda que se demore, espera-o". O que ele tem em mente, aqui, é o seguinte: o que Deus promete, nunca se cumpre tão depressa que não nos pareça demorado demais, segundo o antigo provérbio: "A própria rapidez é lenta para o desejo." Em seguida vêm estas palavras: "Eis o soberbo! A sua alma não é reta nele; mas o justo viverá por sua fé." Com essas palavras, o profeta tenciona dizer que, sejam quais forem as defesas pelas quais os ímpios se sentem fortificados, ou nas quais eles confiam, não lograrão sucesso, porque a solidez da vida consiste tão-somente na fé. Que os incrédulos se fortifiquem como queiram, todavia nada encontrarão, no mundo inteiro, senão um meio de caírem, de modo a serem sempre presa do medo. Os crentes, porém, jamais serão frustrados em sua fé, visto que repousam em Deus. Isso é o que o profeta tinha em mente.

O apóstolo aplica a Deus o que Habacuque diz acerca da promessa, visto que Deus, ao cumprir suas promessas, de certa forma está revelando a si mesmo. Não há muita diferença no tocante à essência da questão. Minha tese é que o Senhor vem sempre que estende sua mão para socorrer-nos. O apóstolo, seguindo o profeta, diz que não haverá demora, porquanto Deus não adia seu socorro além do necessário. Ele não nos engana, como o fazem os homens amiúde, esticando o tempo, senão que ele conhece seu devido tempo, o qual não permitirá que passe sem que ele intervenha no momento crítico. Diz ele: aquele que há de vir virá, e não tardará. Temos nessa sentença duas cláusulas: a primeira declara que Deus virá a nós, porquanto prometeu; a segunda declara que ele o fará no devido tempo, não além nem aquém do tempo certo.

“Mas o meu justo”. O apóstolo quer dizer que a paciência nasce da fé, o que é plenamente correto. Jamais seremos aptos no fragor da batalha, a menos que a fé nos sustente. Também João, de outro lado, afirma que essa é a vitória que vence o mundo [1 Jo 5.4]. E pela fé que subimos mais alto; é pela fé que sobrepujamos todos os obstáculos da presente vida, todas as suas dores e misérias; é pela fé que descobrimos um lugar quieto em meio às tormentas e tumultos. O propósito do apóstolo consiste em mostrar que aqueles que são reconhecidos como justos diante de Deus não podem viver de outra forma, senão pela fé. O tempo futuro do verbo viver revela a continuidade da vida. Os leitores devem procurar comentários adicionais em Romanos 1.17 e Gálatas 3.11, onde esta mesma passagem é citada.

“E se ele recuar”. Essa é a interpretação da palavra [='upplah], onde o profeta diz que o homem que é soberbo ou hiper-confiante [em si mesmo], seu espírito não é reto nele. A versão grega [= Septuaginta], da qual o apóstolo se utiliza aqui, em parte concorda com o propósito do profeta, e em parte lhe é estranha. Esse ato de recuar difere pouco ou nada da soberba com que o ímpio se infla, visto que o fato de que ele presunçosamente se levanta contra Deus sucede em virtude de ele embriagar-se com ilusória confiança, de modo que renuncia a autoridade divina e promete a si próprio paz e isenção de todo mal. Diz-se aqui que o ímpio retrocede quando arma falsas defesas desse gênero, por meio das quais ele afasta de si todo temor e respeito devidos a Deus. Esse termo, pois, expressa o poder da fé, não menos que o caráter da incredulidade. A incredulidade é soberba, visto que não atribui a Deus sua merecida honra, sempre que desvencilha o homem de aceitar a sujeição divina. Como resultado da indiferença, do orgulho e do desdém, enquanto as coisas vão bem com o perverso ele ousa, como disse alguém, insultar as nuvens. Visto não haver nada mais oposto à fé do que retroceder, é próprio da fé conduzir o homem de volta à obediência a Deus, depois de haver se desviado por sua própria natureza pecaminosa.

A cláusula, "ele não agradará minha alma", ou (como a tenho traduzido de forma mais completa), minha alma não tem prazer nele, deve ser considerada como se o apóstolo exprimisse essa cláusula para expressar seu próprio sentimento. Não era seu propósito citar com exatidão as palavras do profeta, senão chamar a atenção para a passagem e convidar os leitores a procederem a um exame mais minucioso.

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