Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Lição de Tolerância
Cláudio Thomás Bornstein


     Fui passar as férias no Maranhão, terra de um dos pivôs da "realpolitik" dos nossos últimos presidentes. No caminho do aeroporto para a pousada em São Luís o chofer de táxi me contou uma história que eu reconto.

     “Minha mulher agora resolveu adotar um menino. Tem três anos. Ele é filho da minha cunhada e minha mulher cisma que ele é meu.”

     “E é?” foi a pergunta que eu consegui formular, aliás, de total irrelevância parque se fosse, ele podia não dizer, e se ele dissesse que era, podia não ser. Finalmente se ele dissesse que era e, de fato, fosse, qual a diferença que faria?

     “É não!” continuou o motorista “mas eu gosto do danado do menino e ele de mim. Se o senhor visse como ele é esperto. Parece ter oito anos. Fala que nem gente grande.”

     “O senhor tem outros filhos?” prossegui eu dentro da minha lógica, tentando entender. Ele tinha mais dois, já adultos. E eu, insistindo na mesma direção: “Mas a mãe dele, sua cunhada, não achou mal perder a criança?”

     “Achou não. Ela sabe que o menino gosta de mim, que eu posso dar melhor trato. Quando o menino era pequeno, ele costumava passar os fins-de-semana comigo. Minha cunhada mora no interior, sabe como é, né?”

     “E o seu cunhado não diz nada?”

     “Diz não. Ele também acha que o filho é meu.” Segundo o motorista, tudo se dava na mais santa paz: ele com a mulher, ele com a cunhada e o cunhado e os dois últimos entre si. Se o relato corresponde à verdade, eu não sei nem nunca vou saber.

     A história teve mais detalhes que eu aqui omito. Teve ainda a questão do teste de DNA que o motorista propôs fazer, mas o cunhado recusou com a argumentação de que na hora do exame podia haver troca de sangue. Ou será que o cunhado estava com medo do teste dar negativo e ele não ter mais pretexto para justificar a entrega do menino? Se, em contrapartida, o teste desse positivo a dúvida podia perder um espaço que talvez fosse conveniente.

     As feministas e os moralistas que me desculpem. Não estou aqui fazendo a apologia do macho que planta a sua semente pelo mundo afora, nem tampouco estou pregando a dissolução do casamento, campanha, aliás, de pouca serventia, visto já ter acontecido. Simplesmente achei a história bonita porque traduz um pouco daquele espírito comunitário que talvez venha dos indígenas e em que ninguém pertence a ninguém.


Biografia:
Para mais informações visite o blog CAUSOS em www.ctbornst.blogspot.com.br. Querendo fazer comentários, mande e-mail para ctbornst@cos.ufrj.br
Número de vezes que este texto foi lido: 61665


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Faixa de ginástica Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Ame o seu próximo Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Tirem-me daqui! Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Mondo Cane Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Motorista de Uber Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Disparates na sapataria Cláudio Thomás Bornstein
Frases Sonho e realidade Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas João e meus dois amores Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Escondidinho de camarão Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Brincadeira tem hora Cláudio Thomás Bornstein

Páginas: Próxima Última

Publicações de número 1 até 10 de um total de 88.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
PERIGOS DA NOITE 9 - paulo ricardo azmbuja fogaça 62683 Visitas
Mistério - Flávio Villa-Lobos 62357 Visitas
Jornada pela falha - José Raphael Daher 62341 Visitas
O Cônego ou Metafísica do Estilo - Machado de Assis 62197 Visitas
Viver! - Machado de Assis 62178 Visitas
Os Dias - Luiz Edmundo Alves 62163 Visitas
Eu? - José Heber de Souza Aguiar 62129 Visitas
A ELA - Machado de Assis 62119 Visitas
Insônia - Luiz Edmundo Alves 62114 Visitas
PEQUENA LEOA - fernando barbosa 62111 Visitas

Páginas: Próxima Última