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A Mente Carnal conduz a Morte
Calvino

Por João Calvino

Porque os que se inclinam para a carne...(Rm 8.5,6). O apóstolo introduz esta distinção entre a carne e o espírito, não só para confirmar sua afirmação anterior de que a graça de Cristo pertence tão-somente aos que, uma vez regenerados pelo Espírito, se esforçam por uma vida de inocência, mas também viver para ajudar os crentes com uma consolação oportuna, para que não se desesperem ante a consciência de suas muitas enfermidades. Visto que excetuara da maldição somente os que vivem uma vida espiritual, poderia parecer estar eliminando toda a humanidade da esperança da salvação. Quem se encontrará neste mundo adornado com pureza angelical, de modo a não mais ter nada a ver com a carne? Era, pois, indispensável que Paulo adicionasse esta definição do que se acha subentendido nas expressões: estar na carne e andar segundo a carne. A princípio, ele não faz esta distinção em termos tão precisos. Entretanto, como veremos mais adiante, seu propósito é inspirar os crentes com esperança inabalável, não obstante estejam ainda atados à sua carne. Contudo não se entregam ao domínio da concupiscência, mas se confiam à diretriz do Espírito Santo.

Quando diz que os homens carnais cuidam ou vivem a cogitar das coisas da carne, ele declara que não considera carnais àqueles que aspiram a justiça celestial, e, sim, àqueles que são completamente devotados ao mundo. Portanto, traduzi (povouaiv) por uma palavra de sentido mais amplo - “mente” [=cogitant] -, visando a que os leitores viessem compreender a que ele se refere somente aos que são excluídos do número dos filhos de Deus, aqueles que se entregam às fascinações da carne e aplicam suas mentes e zelos aos desejos depravados. Ora, na segunda cláusula, ele reanima os crentes para que alimentem firme esperança, para que se sintam estimulados a meditar sobre a justiça [procedente[ do Espírito. Sempre que o Espírito reina, é um sinal da graça salvífica de Deus, assim como a graça de Deus não existe onde o Espírito é extinto e o reino da carne prevalece. Reiterarei sucintamente, aqui, a admoestação a que me referi antes, a saber: estar na carne, ou viver segundo a carne, significa o mesmo que privar-se do dom da regeneração. Todos aqueles que continuam a viver como “homens carnais”, para usar uma expressão popular, na verdade tal é o seu estado.

Porque a mente da carne conduz à morte. Erasmo traduz “afetos” [=affectum] para cogitatio; a Vulgata, “prudência” [ =prudentiam]. Contudo, visto ser indiscutível que a expressão de Paulo é a mesma usada por Moisés quando fala da imaginação [=figmentum] do coração [Gn 6.5; 8.21], e que esta palavra inclui todos os sentidos da alma, desde a razão e o entendimento até aos afetos, parece-me que “mente” \—cogitatió\ é mais adequada à passagem. Embora Paulo tenha usado a partícula yáp, estou certo de que esta é confirmativa, pois existe um gênero de concessão aqui. Tendo apresentado uma breve definição do que estar na carne significa, ele agora adiciona o fim que aguarda a todos quantos se entregam à carne. Ele assim prova por meio de contraste que aqueles que permanecem na carne não podem ser participantes da graça de Cristo, pois ao longo de todo o curso de sua vida não fazem outra coisa senão precipitar-se para a morte.

Esta é uma passagem mui notável. Aprendemos dela que, ao seguirmos o curso da natureza, damos um mergulho no abismo da morte, porquanto não produzimos outra coisa para nós mesmos senão a destruição. Paulo logo adiciona uma cláusula contrastante com o fim de ensinar-nos que, se alguma parte de nós tende para a vida, é o Espírito que manifesta seu poder, já que nem mesmo uma única fagulha de vida procede de nossa carne. Paulo a chama de vida devotada às coisas espirituais, visto que ela é vida vivificante, ou que conduz à vida. Pelo termo paz ele quer dizer, segundo o costume hebraico, tudo quanto faz parte do bem-estar. Cada ação do Espírito de Deus, em nosso íntimo, visa à nossa bem-aventurança. Entretanto, não há razão para atribuir a salvação às obras, por este motivo, porque, embora Deus inicie nossa salvação e finalmente a completa ao renovar-nos segundo a sua imagem, todavia a única causa de nossa salvação está em seu beneplácito, pelo qual ele nos faz participantes de Cristo.


Este texto é administrado por: Silvio Dutra
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