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  Texto selecionado
Dia D de Drummond
Vicente Freitas

Resumo:
Uma resenha sobre a obra de Drummond, seguida de algumas paródias.

Carlos Drummond de Andrade tinha 28 anos quando conseguiu publicar seu primeiro livro, Alguma Poesia, em 1930. Foi uma edição modesta, paga pelo próprio autor. Essa obra, que tinha poemas como No Meio do Caminho, Quadrilha e Poema de Sete Faces, mudou os rumos da poesia no Brasil.

Num texto de 1958, Bandeira se pergunta: “Como chegou ele a tamanha destreza”? Em seguida, responde: “Conheço um pouco o segredo dele pela leitura de um livro seu que nunca foi publicado — Os 25 Poemas da Triste Alegria. O estilo do livro sabe àquela sutileza própria do Ronald-Guilherme, no modernismo incipiente”. O original dessa obra, de 1924, estava desaparecido. Muitos chegaram a duvidar de sua existência. Há quatro anos, o poeta Antônio Carlos Secchin, conseguiu localizá-lo. Agora, com aval da família, pretende publicá-lo em versão fac-similar.

Os 25 poemas foram escritos no começo de 1920. Doze são inéditos, e os demais foram publicados, esparsamente, em jornais da época como o Diário de Minas. Nesse período, Drummond acabara de mudar-se para Belo Horizonte. Foi nesse mesmo ano que o poeta pediu a Dolores para datilografar os 25 poemas. Ele mandou encadernar um único exemplar e o enviou para o amigo Rodrigo Melo Franco de Andrade, que morava no Rio de Janeiro, então capital da República, e tinha bons contatos que poderiam ajudar na publicação da obra. Nesses poemas, Drummond já usa o verso livre. Sua temática são as musas esvoaçantes, o anoitecer, a angústia pela passagem do tempo.

Ocasionalmente, porém, fulguram esboços daqueles sintéticos flagrantes urbanos que marcariam Alguma Poesia: “Meninos atiram pedras nos lampiões / e, nos lampiões, / sorri o olho tímido do gás”. E Drummond já revela um fetiche particular: “Tuas pernas, desnudas, me fugiam”, diz no poema Sensual. Em Poema de Sete Faces, de Alguma Poesia, o fetichismo multiplica-se: “O bonde passa cheio de pernas / pernas brancas, pretas, amarelas. Meu Deus pra que tanta perna”.

O Dia “D”, data do aniversário do poeta, 31 de outubro, passa a ser uma data fixa do nosso calendário cultural, para homenageá-lo. O ar de celebração aproxima o leitor da obra de Drummond, da versão local do Bloomsday irlandês, que relembra anualmente, a cada dia 16 de junho, as peripécias de Leopold Bloom, narradas no “Ulisses”, de James Joyce.

E aqui, fechamos essa resenha, com chave de ouro, citando Drummond: “O tempo passa? Não passa. São mitos do calendário; tanto ontem, como agora, teu aniversário é um nascer a toda hora”.

Sempre gostei da poesia de Drummond. Inclusive, fiz brincadeiras em cima dela:



Brincando com Drummond


Quando adoeci, um médico safado
desses que vivem matando gente
disse: Vai, Vicente, tá sem jeito na vida.

O homem espia a casa
e corre com medo da mulher.
A noite talvez fosse linda
não houvesse tantos ladrões.

Vivo levando pernadas:
pernas feias, sujas, empenadas.
Meu Deus, pra que tanta perna,
pergunta minha boca.
Porém, o meu coração
não pergunta nada.

O bigode na cara do homem
é engraçado, simples e fraco;
tem poucos, raros cabelos.

Mundo, caro mundo,
se eu me chamasse Aparecida
seria uma mancada,
não seria uma saída.
Mundo, caro mundo,
mais caro é o custo de vida.

Eu não queria dizer
(minha boca não queria)
mas essa fome,
mas essa crise
deixam a gente esmorecido como o diabo.



Quadrilha


João roubava Teresa que roubava Raimundo
que roubava Maria que roubava Joaquim que roubava Lili
que não roubava ninguém.
João foi para a cadeia, Teresa para o bordel,
Raimundo foi assassinado, Maria ficou lésbica,
Joaquim suicidou-se e Lili casou-se com o Zé Pinto
que não tinha entrado na escória.



No meio do extrato


No meio do extrato tinha uma CPMF
tinha uma CPMF no meio do extrato
tinha uma CPMF
no meio do extrato tinha uma CPMF.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas economias tão minguadas.
Nunca me esquecei que no meio do extrato
tinha uma CPMF
tinha uma CPMF no meio do extrato
no meio do extrato tinha uma CPMF.



Infância


Meu pai me tratava como um cavalo.
Minha mãe ficava cosendo.
Minha irmã pequena grunhia.
Eu sozinho menino entre porradas
lia as histórias de Monteiro Lobato.
Bonitas histórias que não esqueço jamais.

Na manhã branca de luz uma voz estremecia
nos longes da rua, — chamava para o pontapé.
Minha mãe ficava sentada chorando
olhando para mim:
— Não maltrate o menino.
E dava um suspiro… que fundo!

Lá longe meu pai se calava
no ato sem fim oprimente.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que as do Monteiro Lobato.



Poemazinho qualquer


Casas entre ladeiras
mulheres entre cadeiras
falar calar gritar.

Um homem vai te agarrar.
Um cachorro vai te avançar.
Um burro vai te coiçar.
Apressadas… as pessoas nem olham.

Eta poema besta, meu Deus.



A puta


Todos querem a puta.
A puta da cidade. A do arrabalde.
A devastadora.
Na Rua de Baixo;
na Rua de Cima.
Onde o ar é fumaça ardendo
e labaredas queimam a língua
de quem não disser: Eu quero
a puta
quero a puta quero a puta.

Ela abre as pernas, de longe.
Na ante-sala do bordel
se abre toda, chupante
boca lasciva e quente.
A puta quente.

É preciso querer
esta noite a noite inteira sem parar
de querer e querer
a puta que bem sabe
o gosto do desejo de todos
o gosto fescenino
que nem o fescenino
sabe, e quer saber, querendo a puta.



Confidência de pau de Arara


Alguns anos vivi no Ceará.
Principalmente nasci no Ceará.
Por isso sou cabra macho, moleque: de barro.
Oitenta por cento de areia nos calçados.
Vinte por cento de lama nas pernas.
E esse alheamento do que na vida é morosidade e
[alienação.

Essa preguiça, que me paralisa o trabalho,
vem do alto sertão, de suas tardes cinzas, sem
[horizontes.

E a arte de sofrer, que tanto me diverte,
é antiga herança dos retirantes.

Do Ceará trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta viola do velho poeta Patativa do Assaré;
este couro de bode, estendido no chão da sala;
esta cangalha, esta cabeça chata…

Nunca tive ouro, nem gado, nem fazendas.
Hoje sou um vaqueiro, desempregado.
O Ceará é apenas um cupim na parede.
Mas como rói!


______________________________
Poemas da Série “Brincando com Drummond”, de VICENTE FREITAS





Biografia:
Vicente Freitas Araújo (Bela Cruz, Ceará, 11 de fevereiro de 1955) é um editor, escritor, poeta, historiador e artista plástico brasileiro. Filho de José Arimathéa de Freitas e Dona Maria Rios de Araújo. Depois de estudar em algumas escolas de sua cidade natal, mudou-se para Fortaleza, passando então a conviver com um grupo de escritores e poetas, frequentadores da Casa de Juvenal Galeno. Licenciado em História e Geografia, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, UVA. É autor dos livros: Almanaque poético de uma cidade do interior (1999); Bela Cruz: biografia do município (2001); O Carpinteiro das Letras (2005); Bela Cruz: famílias endogâmicas (2010); Corpo: acorde arpejado (publicado em Lisboa, 2012); História abreviada de Bela Cruz (2013); Bela Cruz: cronologia do município (2014); Famílias endogâmicas do Vale do Acaraú (2015); Linhares Filho: Príncipe dos Poetas Cearenses (2016); Fernando Pessoa: Fragmentos de uma Autobiografia (2017). Participou de várias coletâneas, dentre as quais: Poetas brasileiros de hoje, Shogun Arte Editora, (1992); Contos e poemas do Brasil, Litteris Editora, RJ (1997); Os melhores da literatura, Litteris Editora, RJ (1998); Sonhos e expectativas, Scortecci Editora, SP (1999); Seleção de poetas noctívagos, Scortecci Editora, SP (2001); Três milênios de poesia e prosa, Fortaleza (2003); O Sol do Amor: exercícios de admiração para Horácio Dídimo. Fortaleza: Instituto Horácio Dídimo, 2019; Maria, Mãe da Poesia. Fortaleza: Instituto Horácio Dídimo, 2019; 100 Sonetos de 100 Poetas. Fortaleza: Instituto Horácio Dídimo, 2019; Além da Terra, Além do Céu. São Paulo: Chiado Books, 2021. É verbete da Enciclopédia de literatura brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa (2001). Organizou antologias sobre: Dimas Carvalho, Linhares Filho, Manoel de Barros, Fernando Pessoa, e outros. Foi um dos finalistas do prêmio nacional de poesia Menotti del Picchia 2000, e do internacional Von Breysky 2001. Vicente Freitas é o autor do Brasão e da Bandeira de Bela Cruz, sua cidade natal. Tem livros publicados, em vários idiomas, por um Grupo de Editoras da Europa, África, Ásia e América Latina, com distribuição nas principais livrarias do mundo. Livros do Autor: traduzidos e publicados: Inglês: The Carpenter of Letters. Lap Lambert Academic Publishing, 2020. Holandês: De Timmerman van Brieven. Globe Edit, 2020. Francês: Le charpentier des lettres. Editions universitaires europeennes, 2020. Alemão: Der Zimmermann der Briefe. Akademiker Verlag, 2020. Polonês: Stolarz Listów. Wydawnictwo Bezkresy Wiedzy, 2020. Italiano: Il Falegname delle lettere. Edizioni Accademiche Italiane, 2020. Inglês: Fernando Pessoa: Fragments of an Autobiography. Our Knowledge Publishing, 2021. Francês: Fernando Pessoa: Fragments d une autobiographie. Editions Notre Savoir, 2021. Alemão: Fernando Pessoa: Fragmente einer Autobiographie. Verlag Unser Wissen, 2021. Russo: Плотник писем: Плотник писем Висенте Фрейтас. Palmarium Publishing, 2020. Polonês: Fernando Pessoa: Fragmenty autobiografii. Wydawnictwo Nasza Wiedza, 2021. Italiano: Fernando Pessoa: frammenti di un autobiografia. Edizioni Sapienza, 2021. Russo: Фернандо Пессоа, Винсент Фреитас. Sciencia Scripts, 2021. Espanhol: Fernando Pessoa: Fragmentos de una autobiografía. Ediciones Nuestro Conocimiento, 2021. Holandês: Fernando Pessoa: Fragmenten van een Autobiografie. Editora ‏Uitgeverij Onze Kennis, 2021.
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Publicações de número 1 até 7 de um total de 7.


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