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Seja Feliz
Priscila Pereira

Eduardo olhava para o túmulo de sua mãe e não podia conter as lágrimas, ainda era muito recente, machucava pensar em como ela se foi inesperadamente e tão jovem. Morava sozinho agora, não tinha ainda se acostumado com a solidão, não tinha sido feito para ela. Detestava-a. Mas a solidão agora era sua única companhia.
     Sentiu uma gotinha de chuva se misturar com suas lágrimas, olhou para cima e viu que uma tempestade se formava. Fechou mais o casaco que sempre usava e se despediu mais uma vez de sua mãe. Afastou-se do túmulo enquanto uma chuva forte começou a cair sobre sua cabeça, ele não ligou.
     Chegou em casa encharcado e cansado. Vivia cansado agora, cansado de não fazer nada, cansado da vida, da solidão. Sentia que sobrevivia e não vivia realmente. Tentou lembrar-se da ultima vez que fora feliz. Não conseguiu. Abriu a geladeira e lembrou-se que ainda não tinha feito compras essa semana. Vazia. Estava com fome. Aproveitou que estava molhado mesmo e saiu de novo. Naquela noite ia comer alguma coisa decente.
     A tempestade estava forte, ele amava a tempestade. O caos o atraía, fazia-o perceber que existia caos no mundo além do que estava dentro dele. Chegou a uma pequena lanchonete, sacudiu um pouco a água de suas roupas e sentou-se a uma mesa bem no fundo. Estava tocando uma música de que ele gostava, mas ele nem ouvia, não via nada ao seu redor, só o que estava por dentro, em sua alma.
     - O que vai querer?
     Assustado, ele olha pra cima e vê um lindo par de olhos verdes, irritados com sua demora em responder.
     - Um X-Tudo e um refrigerante.
     - Hummm... Diz a garçonete anotando seu pedido.
     Enquanto ela escreve Eduardo admira sua pele branca com sardas, seus cabelos ruivos presos num rabo de cavalo e sua pequena estatura. Parecia quase uma criança ainda, mas em seus olhos, agora o encarando, via-se uma mulher com uma força e um gênio incríveis. Não queria se meter com ela.
     Comeu devagar. Começou aos poucos a prestar atenção ao ambiente, ouviu trovões, viu pessoas entrando tão molhadas quanto ele. Um casal de namorados brigava na mesa ao lado, a garçonete olhava para ele.
     A garçonete olha para ele. Parou de devanear e olhou firme para ela. Ela não desviou o olhar, ficaram os dois medindo forças, ele poderia fazer isso à noite toda, ela desviou o olhar. Levantou-se e foi pagar, ela não olhou para ele, pegou o dinheiro e junto com o troco veio um bilhete. Ele colocou tudo no bolso de dentro do casaco e foi embora sem olhar para trás.
     Estava ansioso por chegar em casa e poder ler o bilhete, não imaginava ser de amor, não, com certeza não seria. O olhar dela mais parecia ser de irritação, aversão e talvez curiosidade. Andou depressa e nem reparou que não chovia mais. Chegou, abriu e fechou rápido o portão e foi correndo para a sala, sentou-se e tirou o papel, agora úmido do bolso.
     Abriu o bilhete, estava meio manchado, mas dava para ler perfeitamente.
                  “O que você quer aqui e como me achou?”
     Ficou olhando atônito para o papel, não estava entendendo nada. Nunca tinha visto essa moça antes. Decerto tinha confundido-o com outra pessoa ou era maluca. Pensou sobre o bilhete a noite toda, não conseguia dormir mesmo a noite a um bom tempo, pelo menos hoje tinha em quê pensar.
     Quando a lanchonete abriu Eduardo estava sentado num banco na praça em frente.
Viu os funcionários entrarem, começarem a limpeza, arrumarem as mesas, começarem a atender os fregueses que chegavam e nada da moça misteriosa. Estava quase desistindo.
     - O que você está fazendo aqui?
     - Pare de me assustar assim!
     A moça sorriu e sentou-se ao seu lado. Era o sorriso mais lindo que já vira na vida, ficou hipnotizado olhando para ele.
     - Como me achou?
     - Você por acaso é maluca? Nunca te vi antes...
     Ela olhou-o bem dentro dos olhos e parecia poder ler sua mente e adivinhar sua alma. Ele sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Podia sentir que ela realmente o conhecia, mas não tinha idéia de como nem de onde. Tinha certeza de que nunca a encontrara antes.
     - Fomos feitos um para o outro.
     Falou a moça docemente.
     -Você está começando a me assustar...
     - Eu observei você de longe por anos. Mas você nunca me notou. Estava sempre ocupado demais para me notar.
     - Do que você está falando? Realmente não te entendo.
     Eduardo começava a achar que a moça poderia ser uma psicopata, ou até mesmo maluca, como previra.
     - Tenho cuidado de você a vida toda, mas você não percebia que eu estava aqui. Olhava para mim, mas não me via. Agora é diferente. Sua mãe está no céu e você está sozinho. Sua alma está pronta agora, você vai começar a viver.
    Ele olhava para ela sem piscar, não parecia uma maluca, parecia dizer a verdade.
     - Quem é você afinal?
     - Aline, seu anjo da guarda!
     Ainda sem entender, ele olha em seus olhos e se espanta, estava olhando para o nada. Ela havia sumido.
     Em seu lugar no banco havia outro bilhete.
               “Chegou a hora de você viver, seja feliz!”
     Pegou o bilhete, colocou no bolso e sorriu, pela primeira vez desde que sua mãe morrera. Balançou a cabeça e simplesmente ficou ali na praça, sentindo o sol em sua pele, olhando a vida passar. Sentia-se diferente. Certamente havia chegado a hora de viver. Levantou-se e foi para casa, tinha muitas coisas para arrumar para o começo de sua vida nova.

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