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Um pedaço de pangéia
João Felinto Neto

Resumo:
Sucinto, poético e acima de tudo patriótico. É dessa forma que alicerço o prefácio dessa impressionante obra que nos traz a história desse pedaço de pangéia que é o Brasil. Salientando mitos e lendas de um povo nativo com línguas e culturas próprias, erroneamente chamado de índios. O poeta não exauri culpas, também não exalta acertos; apenas conta em versos acontecimentos há muito conhecidos e acrescenta comentários intrigantes e suscetíveis de críticas. Um pedaço de pangéia é agraciado com um narrador fictício chamado Tau, nome aproveitado de lendas e mitos de povos nativos, porém com outros atributos e características. Somente aqui, o poeta muda a lenda para esse personagem narrar a nossa história. Nossos heróis, muitas vezes, foram apenas bandidos. Enquanto nossos facínoras, também às vezes, foram heróis.

UM PEDAÇO DE PANGÉIA
          




          1

Tudo começa com a criação do mundo.
Monã faz o sol, a lua e a terra.
No sol, põe Tupã o deus segundo.
Na lua, Araci, a deusa eterna.
Da terra sem males, ele vela
Pelo imenso e maravilhoso mundo.

          2

Monã planta na terra, uma semente.
Tupã faz sua parte durante o dia.
À noite, Araci faz simplesmente,
Brotar da terra com sua energia,
Um deus que ainda não existia,
Que evolui e se torna inteligente.

          3

O sol e a lua se juntaram
Num fabuloso eclipse lunar.
Tupã e Araci assim, criaram
A escuridão que é o meu lar.
Sou Tau e estou a contemplar
A terra, na qual me aprisionaram.

          4

Encontrei uma fêmea Afarensis.
Luci, foi por mim denominada.
Nela, gerei seres diferentes:
Aethiopicus que a ela aparentava
E Africanus que a mim se assemelhava.
Foram meus primeiros descendentes.
          5

Dos Aethiopicus, descendem Robustus e Boisei
Que em milhões de anos se extinguiram.
Foi nos Africanus que me concentrei.
Lentamente, com minha ajuda, evoluíram.
Os Homo Rudolfensis não resistiram.
O Homo Habilis era agora, o rei.

          6

Do Habilis, o Ergaster descende.
Deste, o Erectus provém.
O Heidelbergensis, mais à frente,
Tem a minha mão ali também.
Dele, o Neatherthalensis vem.
Dele também, o Sapiens descende.

          7

O Neatherthalensis é extinto com o tempo.
Já o Homo Sapiens sobrevive e evolui.
Ainda não estava a contento.
Da genética vem a minha luz.
Uma mudança brusca, enfim, conduz
Ao Homo Sapiens sapiens, o extremo.

          8

Esses dois homínidas habitaram
O mesmo território, milhares de anos.
Até que os Sapiens sapiens apressaram
A Extinção dos Sapiens africanos.
A necessidade faz os planos.
Por comida e abrigo eles migraram.
          9

Quando o mundo era uma porção de terra,
Uma gigantesca ilha nunca imaginada,
Um só oceano circundava a Pangéia,
Um supercontinente com regiões habitadas.
Animais primitivos em florestas encantadas,
Mesosaurus que viviam nessa época.

          10

Eis que a terra, em blocos se divide.
Também o Pantalassa, em outros oceanos.
Nessa época, o homem não existe.
Isso acontece em milhões de anos.
Os meus descendentes semi-humanos,
Sobrevivem ao tempo e resistem.

          11

O Homo Sapiens moderno se desloca
Da África para o resto do mundo,
Ásia, Austrália, América e Europa;
Segue seu instinto mais profundo.
Da Ásia para o novo mundo,
Um pequeno grupo se arroja.

          12

Eu sou levado pela emoção.
São menos de oitenta pioneiros.
De todas, a mais notável dispersão.
Pela ponte terrestre do estreito,
Durante a última idade do gelo.
Nasce assim, uma nova população.
          13

O estreito não dá mais passagem.
Eis que esse bloco é esquecido.
A eurásia tem uma outra imagem,
O intelecto mais desenvolvido.
Sendo o além mar desconhecido,
O homem teme fazer essa viagem.

          14

Uma nova migração é iniciada,
São povos caçadores que se espalham.
O Istmo do Panamá foi a entrada
Para aqueles que ao sul chegaram.
No que hoje é o Brasil, uns habitaram.
Entre esses, eu fiz nova morada.

          15

Milhares de anos se passaram.
Eu incitei esse povo a usar a imaginação.
Eles então, me veneraram
Com cuidados e enorme devoção.
E de geração a geração,
O que aprenderam, ensinaram.

          16

Foi em homenagem a Luci
Que usei uma figura feminina
Criadora de todas as coisas, Ci.
Usei também a forma masculina,
Como filho de Ceuci, ainda
Recebi o nome de Jurupari.
          17

Sob a sombra da Cucura,
Come seu fruto e engravida;
Revelando-se a certa altura.
Com o desterro ela é punida.
Sai Jurupari de sua barriga,
Que é a mais sábia criatura.

          18

Os Tupis enfim, vão a procura
De sua cultura e seu saber.
Ceuci ao seu filho não segura.
Ele dá aos homens o poder
E se uma mulher desobedecer,
Será morta essa criatura.

          19

Com saudade de Jurupari,
Ceuci teima em espiar.
Um raio cai bem ali.
Ceuci morre no lugar
E o filho do sol a chorar,
Vê a sua mãe ao céu subir.

          20

O corpo de Ceuci reanimado,
Iluminado ao céu sobe,
Em um arco-iris vai sentado,
Até que numa estrela se transforme.
Numa constelação indica a sorte
Do colhido, do pescado e do caçado.
          21

Como Jurupari, vivi com os humanos,
Estabeleci normas e conduta moral,
Festa da colheita todos os anos.
Institui monogamia e higiene pessoal,
Mudei o regime que era matriarcal,
Continuei a fazer planos.

          22

Furtei o fogo ao urubu como Baíra.
Mandei-o ao povo pelo sapo.
Dei a flecha e disse como se atira.
Para pescar, um peixe falso,
Outros vêm ao seu encalço.
Tive aventuras de malícia e zombaria.

          23

Fui o deus e herói, Macunaíma.
Como o Poronominare, também.
Malícia e astúcia eram coisas minhas.
Nunca deixei de brincar com ninguém.
Não queria saber nem mesmo quem
Poderia fisgar com a minha linha.

          24

Criei Sumé, uma criatura misteriosa,
Um homem branco sábio e milagreiro.
Sua aparência parecia perigosa,
Com escafandro ele fora o primeiro.
Porém, eu o fiz partir pro estrangeiro,
Uma imagem sobre águas caudalosas.
          25

Incorporei Mavutsinim, que vivia sozinho,
Possuía para si a terra inteira.
Mas ele precisava de carinho.
De uma concha da lagoa, faz sua companheira.
Nasce uma criança, a primeira.
Mavutsinim leva para a mata, o garotinho.

          26

De lá, nunca voltaram, os dois.
A mãe volta à lagoa, desconsolada.
Voltando a ser concha, depois.
A criança jamais foi encontrada.
Acredita-se que dela foi gerada
A primeira criatura que homem foi.

          27

Eis que crio uma alucinação:
Que submersa na escuridão está a terra;
Que das trevas sai um homenzarrão
Com seu filho, como um urso da caverna.
Seu filho Rairu, assim tropeça
Num casco de tartaruga que há no chão.

          28

Caru, o pai, manda o filho carregar
O casco da tartaruga. Este obedece.
Com o casco já não pode agüentar
Pelo tanto que ele cresce.
Antes mesmo que Rairu se desespere,
Vê assim, o casco flutuar.
          29

E no céu se transformou.
Logo vê o sol nascer
E a lua então gerar.
Esta, quando chega o anoitecer,
Faz cada estrela viver.
Rairu observa sem parar.

          30

Rairu por tanto aprender,
Faz Caru, seu pai, lhe odiar.
Este, faz tudo para poder
Ao seu filho então, matar.
De fogo a armadilhas, Rairu tende a escapar.
Mas, não faz seu pai retroceder.

          31

Caru com gravetos e folhas faz um tatu,
Lambuza-o todo com resina.
Eis que por ordem, o jovem Rairu
Segura o tatu por cima
E mantém-se preso ainda,
Nas profundas que cava o tatu.

          32

Eis que o jovem se liberta e sai.
Quando vê que quer lhe espancar,
O seu invejoso e irado pai,
Grita: - Há gente para trabalhar.
Homens saíam do lugar,
O buraco de onde ele sai.
          33

Rairu pinta aquela gente
De verde, amarelo, azul e vermelho.
Aquele que adormece será para sempre
Um animal, como um simples coelho.
O que fica acordado vira um guerreiro
E será então, um homem existente.

          34

Quando Enorê, o supremo rei,
Na ponte de pedra eu surgi.
De outra maneira, eu criei.
Um árvore forte, eu escolhi.
Uma figura de homem, esculpi.
Com uma varinha, a vida lhe dei.

          35

De madeira macia e perfumada,
Eu criei a mulher e dei-lhe vida.
Ao casal dei a terra ensolarada
E de filhos a terra foi provida.
A dois deles, uma escolha merecida.
Eu ordeno que vão à minha casa.

          36

Zaluiê quer a flecha e o arco,
E a música para celebrar vitórias.
Kamaikorê me parece o mais sábio.
Quer a lança para ficar na história.
E os animais domésticos, quer na hora.
Com força e riqueza, é o mais garbo.
          37

Fui também, o deus Akuanduba.
Céu e água eram tudo que existia.
E no céu, vivia uma turba
Sobre a água que a casca envolvia.
Entre todos, ocorre uma briga.
Caem todos como pingos de chuva.

          38

No pedaço da casca que caíram,
Vivem quase todos os sobreviventes.
Alguns deles, em direção ao céu sumiram,
Levados por aves diferentes.
Viraram estrelas permanentes,
Quando aos outros iluminariam.

          39

Implantei uma bela tradição:
Que a pele tem a cor da terra
Por ter o homem vindo do chão.
Por buracos saíram, na certa.
Sob o solo, uma parte ainda se conserva.
Quando se morre, as almas pra lá vão.

          40

Chefiado por dois irmãos,
Saíram dois grupos diferentes.
Kanyerú e Kamé, eles são.
Kanyerú e toda a sua gente
Saíram primeiro, na frente;
Eram ligeiros em movimento e decisão.
          41

Kamé e sua gente saem em segundo.
Nos movimentos, são vagarosos.
Porém, persistem nesse mundo.
Têm os pés grandes e corpos grossos.
Em suas decisões são morosos,
No entanto, vão sempre mais a fundo.

          42

Em um túnel escuro e profundo,
Alguém sentiu-se muito enjoado,
Saiu para vomitar e viu o mundo.
Depois, já estando melhorado,
Encontra mel que é por ele degustado
E levado para o resto lá no fundo.

          43

Depois que todos provaram do mel,
Saíram em fila para ver lá fora.
Quando viram a beleza do céu,
Resolveram que viveriam ali, agora.
Essa foi mais uma estória
Para à essa terra ser fiel.

          44

As amazonas tinham uma boa altura.
Essa foi outra estória por mim contada.
Seus cabelos longos, trançados até a cintura.
Em uma aldeia por mulheres formadas,
Por uma sacerdotisa era chefiada.
Pela floresta, cada uma delas andava nua.
          45

Raptavam homens nas aldeias das proximidades
Para a fecundação sob a lua cheia.
Se nascesse fêmea, mais uma unidade.
Se fosse um menino não ficava na aldeia
Ou seria sacrificado tal qual numa seita.
Ao pai de uma menina, um amuleto de jade.

          46

O Muiraquitã é uma pedra sagrada
Em forma de rã ou outro animal.
Está relacionado com a mãe da água.
Este amuleto tem a força vital.
Preso ao pescoço, um poder real.
Será respeitado em qualquer morada.

          47

Friccionei um graveto em um tronco de árvore.
Produzi chamas para iluminar e proteger
Criança pagã, dona de resguardo, doente grave.
Pois o diabo, feras e morcegos podem vir comer.
Como Minarã, eu guardava esse poder.
E uma filha eu criei por minha parte.

          48

Imaginei um guerreiro em gralha transformado,
Que enganara minha filha Iaravi.
Por Fiietó, sempre seria chamado.
Com uma brasa, ele fugia dali.
Mas Minarã, apesar de o perseguir,
Não encontra o esconderijo do danado.
          49

Fiietó como gralha voava sobre a mata.
À sua gente ele tentava chegar,
Levando ao bico o ramo ainda em brasa.
Porém, o vento, mais e mais, tende a soprar.
Um grande incêndio, ele fora provocar.
E dessa forma, todos têm fogo em casa.

          50

Em velha feiticeira, esquisita e solitária;
Palenosamó foi o nome que lhe dei.
Numa fogueira que por ela foi montada,
Numa cuspida o fogo eu ateei.
À sua cabana, enfim, levei
Uma jovem numa tarde ensolarada.

          51

Aquela moça ficou muito espantada
Ao ver a velha fazer fogo ao cuspir.
Fugiu dali, em tremenda disparada.
E voltou com o seu povo pra pedir.
Mas a velha se negando a servir.
Numa fogueira por ela iniciada,

          52

Fora queimada e transformou-se em pedra
Que batida em outra que seja igual,
Solta faísca ao redor dela,
Provocando um fogo infernal.
Fazer fogueira se tornara natural
E o alimento daí em frente, assado nela.
          53

Eu fui a onça na qual o fogo originou-se;
Também, o herói demiurgo, kamassa
Que do urubu-rei pegou o fogo e o trouxe
Para seu povo numa cobra por sobre a água.
Tal qual Bahira, o semi-deus também, levara.
E ao cururu como pajé, nomeara.
          
          54

Como Bahira, semi-deus, chefe do povo,
Fui incumbido de alguma arma arranjar.
E dessa vez, vesti o meu enorme corpo
Como uma cobra para os outros enganar.
Com as flechas fincadas pra matar,
Volto e dou para caçar, tirando-as do meu corpo.
          
          55

Um amigo que tentou me imitar,
Foi pelo outro povo, morto.
Amarrado num moquém para assar,
Para comerem o seu corpo.
Eu tentei com seus pedaços fazer outro;
Mas, somente a metade pude criar.

          56

Itagibá, braço forte e Potira que é flor,
Era um casal tranqüilo e muito feliz.
Até que uma guerra rebentou
E Itagibá jamais voltou à sua raiz.
Mudar suas lágrimas para diamantes, tupã quis.
Potira tanto chorou, que sua dor o impressionou.
          57

Eu fui aquele que pode assistir
A discussão entre a pedra e a taquara.
Quando a pedra diz, a morte não lhe atingir
E a taquara, ser com a morte utilizada.
Onde a pedra vive para sempre, solitária,
A taquara germinando, acompanhada vai seguir.

          58

Fui a mulher preguiçosa numa rede,
A avó que tratava das crianças.
Os sete filhos que se tornaram as plêiades,
Que pela fome, a morte deixa só lembrança.
A mãe que já sem esperança,
Fica implorando a todos eles.

          59

Fui Anhangá que transforma o filho em cobra,   
Que busca o homem e caça para devorar.
Quando um dia, vê a sua mãe morta,
O grande ódio faz raios dos olhos brotar.
Debaixo das grandes cidades, vai morar.
E em forma de serpentário ela acorda.

          60

Fui a jovem solitária, procurando companhia.
O homem que moqueava sua comida no terreiro.
Como não tinha comida, o que então, ela faria?
Aos ovos esvazia, sem perceber, o companheiro.
Descobrindo, ele põe um fio de cabelo
Dentro de um ovo que ela bebe e sai aflita.
          61

Pois, o fio de cabelo se transforma numa cobra
Dentro da sua barriga e enrolada ela fala.
Eis que a víbora sai pela sua boca afora,
Antes de fugir correndo em disparada.
A cauda da cobra numa árvore, ela amarra.
O marido a esconde em pavorosa.

          62

Fui tainá-can, uma estrela no céu a brilhar.
Ouvi a jovem Imaeró ao anoitecer
E seu pai dizer que não poderia me alcançar.
Desci como um velho, para com ela viver.
Porém, Denaque foi a única a me querer
E aceitou assim comigo se casar.

          63

Eis que um dia, saio para trabalhar.
Então, Denaque resolve me desobedecer,
Entra na mata para me procurar
E na forma de um jovem ela me ver.
Foi aí que Imaeró quis me convencer
Que com ela eu deveria casar.

          64

Disse a ela, que não podia ser.
Pois Denaque casara por bondade.
Imaeró dá um grito triste, a esfalecer,
Transformando-se num pássaro de verdade.
E até hoje, o Urutau grita à vontade.
Pelo seu grito, bem maior, parece ser.
          65

Sendo Cauanxiné, coabitei com uma humana.
Porém, seu filho nos surpreendeu na mata.
O marido intrigado, maltrata a dona.
Nasce assim, a minha filha bastarda.
Uma linda jovem, ela se tornara.
Eis que pela estrela Dalva, ela se apaixona.

          66

Dou-lhe a Tainan-Racã por ser seu protetor.
Todavia, o sonho não era o esperado.
Transmudado num matucari, o seu amor.
Eis que vê transformado em jovem, seu amado.
Será assim o tempo todo? Ele é indagado.
Aborrecido, volta a ser estrela com esplendor.

          67

Fui o menino levado para a roça
Para dá sorte na procura de um milharal.
A um campo aberto, onde havia espigas grossas,
Levei-as e as deixei numa coleta sem igual.
Minha saída sorrateira foi fenomenal.
Corri pra casa com algumas espigas expostas.

          68

Pedi a vovó para preparar um pão.
Com meus amigos, comi até não agüentar.
E todos juntos, tomamos uma decisão:
Que devíamos à língua e os braços dela, cortar.
Pois que a velha poderia então falar.
Depois de feito, aumentou nossa aflição.
          69

Sendo a terra, do que no céu há,
Pedimos a um colibri que prendesse um cipó
Num galho de uma árvore de lá.
Subimos e deixamos minha avó.
Chegaram nossas mães e viram a velha só,
Subiram no cipó, tentando nos alcançar.

          70

Cortamos o cipó, vimos todas despencar
E em feras transformadas ao caírem no chão.
Vendo os outros, a cada uma caçar.
E olhar eternamente, foi nossa obrigação.
E agora, na mais profunda escuridão,
Somos estrelas no céu a brilhar.

          71

Não havia noite, era sempre dia.
Era o que eu dizia a seus ancestrais.
Foi a noite, por Moiaçu, pedida.
Seu esposo manda busca-la aos seus pais.
Os servos ficaram curiosos demais,
E algum tempo depois da partida,

          72

Abrem o coco de tucumã, a noite sai fora.
Tudo escurece e tudo se modifica.
Vamos esperar amanhecer, agora,
Diz Moiaçu. Vou separar a noite do dia.
Pega a Jacutinga, pinta sua crista,
Manda ela cantar ao romper a aurora.
          73

Ordena a inhambu, à noite, cantar.
Eis que noite e dia estavam separados.
Aos servos teimosos, que foram buscar,
Transformou-os em tristes macacos
Com beiços pretos e risco nos braços.
É mais uma história que eu quis inventar.

          74

Fui Titçatê, um valente guerreiro.
E por amor, enfrentei a Boiúna Capei.
Fui transformado em planta por inteiro.
Em minha amada Naipi, eu boiei.
Pois que Boiúna, na raiva que a deixei,
Fez de cachoeira meu amor verdadeiro.
          
          75

Eis que vendo um amor jovem destruído,
O povo inteiro encheu-se de coragem,
Atacou à Boiúna, enfurecido.
Por ser em grande número, em vantagem,
Arrancaram à cabeça da selvagem
Pelo ato que ela houvera cometido.

          76

Por sua maldade, como castigo,
Tupã ordena ao povo revoltado,
Que pendure a cabeça no sentido
De iluminar o amor dos dois amados.
E durante a noite, no céu não nublado,
Tomou forma de lua, a cabeça do bicho.
          77

Fui Manduka, com o rosto ocultado
Para sua irmã não ter desgosto.
Quando estavam, à noite, ambos deitados,
Ela pôs jenipapo em seu rosto.   
Descoberto o que fizera e com desgosto,
Ele sobe numa árvore e vai tão alto

          78

Que entra no céu, de pele nua,
E leva uma cutia para sua solidão.
Desde então, ele passou a ser lua,
Iluminando as noites na escuridão.
Quem olha atentamente, tem visão
De uma cotia e de uma mancha escura.

          79

Criei Sumé, pai de gêmeos, então.
Aricute atira o braço de um inimigo,
Na cabana de Tamandaré, seu irmão.
Eis que a aldeia desaparece com isso.
Tamandaré, irritado com o ocorrido,
Bate seu pé descalço com força no chão,
          
          80

Onde rompe uma fonte de água constante
Que inunda toda a terra que existe.
Eis que todos correm para o monte.
Tamandaré sobe numa palmeira que resiste.
Sua família está com ele e insiste.
O colmo da palmeira flutua enquanto tudo some.
          81

Ao baixar das águas, pisam o chão.
Recomeçam à terra, povoar.
Surge assim, uma nova nação.
Essa foi mais uma história pra contar.
Continuo pondo o povo para imaginar
E passar de geração a geração.

          82

Como Nhandeyara exigi uma luta
Entre meu enviado e dois guerreiros
Que procuravam sob sol e chuva,
Um alimento que os mantivessem inteiros.
Um deles é morto, enterrado nos canteiros.
Nasce um pé de avati, foi minha ajuda.

          83

Sendo Icuamã vingando a morte de seu filho
Pelo feitiço de Jeju e mantrinchão,
Enterro o corpo pela metade dividido.
Em alguns dias, brotaram plantas pelo chão.
O timbó falso e o verdadeiro nascem, então.
Enfim, Jeju se mete em outro acontecido.

          84

Sucuri-Pacu, o sobejo de Jeju, bebe.
Com isso, a sua barriga explode.
Olhando para trás, a Jeju segue,
Jorrando água e ninguém lhe acode.
Assim, Icuamã, o assassino, descobre,
Bate o Timbó na água, todo peixe, a vida, perde.
          85

Cheguei a um velho guerreiro acompanhado.
Que ficara para trás por sua indisposição.
Dei-lhe uma planta verde de cheiro perfumado.
Ensinei-lhe a sorver sua própria infusão.
Transformei sua filha Yari numa árvore, então.
A erva verde é a folha de cada galho.

          86

Fui o caçador se debatendo em solidão,
Pelos próprios companheiros abandonado.
Os urubus pousaram ao redor, no chão.
Seu sofrimento, por eles foi notado.
Levaram-no pro céu, deixaram-no curado.
De volta à terra, faz de uma planta, doação.

          87

Ficaram para história, essas lendas e mitos,
Graças à imaginação do nosso povo.
Cultuando com oferendas e ritos,
Não sabiam que estavam num mundo novo.
Continuarei a história desse povo,
Pois escuto até hoje os seus gritos.

          88

Para o resto do mundo era desconhecido,
Esse povo e toda a sua trajetória.
Mas um dia, o temor ao desconhecido,
Faz o homem buscar, quem sabe, a glória.
Houve derrota, também houve vitória.
Não se sabe quem é achado e/ou perdido.
          89

O português Pacheco, enfim, descobre.
Além do oceano, essa terra firme.
Antes que o espanhol Pison aporte
Na chamada ponta do Mucuripe.
Porém, quem prova que a terra existe
É Cabral, um português de porte.

          90

Foi no ano de mil e quinhentos
Que o Brasil, enfim, foi encontrado.
Dito como um descobrimento,
Portugal se fez proprietário.
Vera cruz assim, foi batizado.
Santa cruz, depois de algum tempo.

          91

Pela exploração do Pau-brasil,
Uma árvore nativa abundante,
Nasce finalmente o Brasil
Com um território que é gigante.
Para Portugal, é nesse instante,
O seu interesse mercantil.

          92

Um corante extraído da madeira
Que se chama na Itália, brazi,
Passou a designar a árvore inteira.
Portugal veio assim, a definir
(Pau-brasil foi o nome a sugerir)
Brasil, a essa terra estrangeira.
          93

Povos separados pelo tempo.
Uns nativos, outros civilizados.
Encontram-se sem o pensamento
De saírem do mesmo passado.
Entre explorador e explorado,
Eis uma nação de sentimento.

          94

Com seu território dividido
Entre a Espanha e Portugal,
Eis que o Brasil é protegido
De um interesse comercial
Dos franceses que queriam o tal
Pau-brasil que era bem vendido.

          95

Com o litoral ameaçado,
Impõe-se afinal a colonização.
Com o primeiro núcleo aqui criado
Para eficiente exploração.
Uma economia em formação,
Um Brasil, porém, colonizado.

          96

Pelo vultuoso investimento
De um regime que é absoluto,
Baseado em outro experimento,
São as donatárias, novo fruto.
Ante o prejuízo e nenhum lucro,
O regime é extinto a tempo.
          97

Um governo geral é instituído.
Erigida, cada câmara municipal,
Gerando em conseqüência o nativismo
Em movimentos de libertação colonial.
As populações ante o poder central,
Têm mais autonomia com isso.

          98

No Brasil colônia, uma minoria
É de negros africanos escravizados.
Índios nativos, a grande maioria,
Totalmente marginalizados.
Brancos europeus aristocráticos,
Usam braço forte, a tirania.

          99

Com a aristocracia, o elitismo
Cria uma unidade, a família.
Surge assim, o patriarcalismo
Que só para o branco, tem valia.
Assim, o nativo continuaria
De submissão e servilismo.

          100

A igreja vem com uma missão,
A de se tornar bastante rica.
Arranca do nativo, a visão,
O suor e tudo o que ele cria.
Sua independência é conseguida,
Explorando as drogas do sertão.
          101

Há um programa civilizador,
Conduzido pelo estado e a igreja.
Um terrível erro colonizador,
Querer mudar a própria natureza.
Essa seria a maior tristeza,
Tirar desse povo sua cultura e seu valor.

          102

Há conflitos entre esse povo e cristãos
Pela terra que não era conhecida.
A igreja fala em pacificação
Se for ela, a merecida.
Arrancou a pureza que havia
Com a maldita catequização.

          103

O absurdo da escravidão
Na colônia era uma ferida.
Com o problema da impostação,
Mão-de-obra dessa forma, faltaria.
Sem mais negros, o que se faria?
O povo nativo é a solução.

          104

Não se sabe qual o mais ruim,
Uma lavagem cerebral e doentia
Ou ser caçado vivo ou morto, enfim,
Aprisionado para melhor serventia.
Ao invasor que ainda tem garantia,
Até o dia em que tivesse um fim.
          105

Com o seu território dominado,
Muitos dos nativos vão à extinção
Pelas armas, por doenças no contágio,
Por políticas que visam à assimilação.
De quase dez milhões antes da colonização,
Hoje, nem quinhentos mil são contados.

          106

Pela ambição, a exploração avança
Em direção ao interior, o alargamento.
Na união peninsular, a Espanha
Incorpora Portugal nesse momento.
À colônia vem o enfrentamento
Da Inglaterra, França e Holanda.

          107

Dos que falam a língua tronco Tupi
Que ao leste da costa habitavam,
A maioria foi dizimada mesmo ali,
Outros dominados, só gritavam.
Para o interior, os que escapavam
Com o pensamento de fugir.

          108

As bandeiras luso-brasileiras
Escravizam os nativos para exportar.
Os sertanistas da mesma maneira,
Matam aqueles que não se deixam escravizar.
De que lado então, devem lutar?
Pergunta-se o nativo brasileiro.
          109

A língua brasílica era a falada
Entre muitos dialetos diferentes.
Era a língua geral, assim considerada.
Eis que um marques, um século à frente,
Proíbe um dialeto que é sobrevivente,
E o tupi então, se perde pela estrada.

          110

Hoje, Fulniô, Xokleng e Maxakali
Conservam as línguas de seus ancestrais.
Estas não pertencem ao Tupi,
Pertencem a três famílias desiguais;
Do tronco Macro-Jê são filiais.
Também conserva sua língua, o guarani.

          111

Em anos mais recentes,
Migraram do oeste ao litoral,
O povo guarani sobrevivente,
Mantendo sua língua original.
Há uma diversidade cultural
Por tantas diferenças existentes.

          112

Há línguas que já não se identificam
Com os troncos Macro-Jê, Aruak e Tupi.
Povos que aqui ainda habitam:
Pano, Muku, Mura, Tukano, Krikati.
Mas há povos que já há muito, se calaram,
E poucos deles sabem ainda de si.
          113

Ainda há povos que se mantém isolados,
E por eles eu ainda estou aqui.
Que mantém as tradições dos seus antepassados
E sempre são os que têm que partir.
Vivem sempre a fugir
Pela ocupação de seus espaços.

          114

Menos de quatrocentos mil indivíduos,
Falando quase duzentas línguas distintas,;
É o que resta aos meus ouvidos;
Além do choro de gente faminta.
Esse povo ainda pinta
Sua face ante seus ritos.

          115

Junto aos negros e aos europeus,
Esse povo assim se mescla.
Todo tipo de crenças e ateus
Numa miscigenação que esse povo completa.
Há em cada brasileiro uma flecha
Na genética que é dos nativos seus.

          116

No litoral, a cultura do açúcar.
No sertão, se destaca a pecuária.
E há sempre uma desculpa
Para manter nossa gente escravizada.
Uma área bem maior é ocupada.
Porém, não quer cessar a luta.
          117

São criadas enfim, as fronteiras,
Através de inúmeros tratados.
Povoar a colônia inteira
Para produzir para outros mercados.
Um sistema mais complexo e mais caro
Que cria uma dependência estrangeira.

          118

Agricultura, pecuária e mineração,
Além do artesanato urbano.
Decadência depois da expansão.
Só exploração, ano após ano.
Ao escravo, euforia é engano
Na região mineira e Maranhão.

          119

As primeiras reações eram isoladas.
Mas, com o tempo tendem a crescer.
A colônia quer ser emancipada
E não mais submissa a outro poder.
Tanta exploração, os leva a crer
Que a única maneira é a luta armada.

          120

Os nativos por extinto de sobrevivência
E para defenderem os bens naturais
Que são ameaçados com freqüência,
Lutam ferozmente como animais.
Também as rebeliões coloniais
Pelo sentimento nacional de independência.
          121

As revoltas emboabas, mascates e vila rica
Acabam em enforcamento e esquartejamento
Por ser delatada ao governo da capitania.
A intenção desse último movimento
Contra as ordens do coroamento.
Isso aos sediciosos aconteceria.

          122

A conjura de Minas se daria
Pelo enorme peso tributário.
A revolta, no entanto, levaria
Padres e alguns liberais implicados,
A serem junto a outros degredados,
Aos intelectuais e oficiais da milícia.

          123

Porém, o alferes Tiradentes
Foi enforcado e esquartejado.
Tentando intimidar essa gente,
Pela coroa, o terror é usado.
A inconfidência não deu resultado.
Mas, deixou o povo mais consciente.

          124

No aprofundamento das revoltas,
Sobressai a conjuração baiana.
A maçonaria com sua loja,
Aproveita a debilidade metropolitana.
Dessa vez, uma denúncia derrama
O sangue dos populares envolvidos na revolta.
          125

Dom João sexto em sua estadia,
Eleva a colônia a reino unido.
O seu mérito não seria
Por Portugal, bem recebido.
Recolonizar era o pretendido
Pela luso burguesia.

          126

A maior rebelião da colônia
No Brasil do reino unido,
É a revolução pernambucana.
Mas, o movimento é percebido,
Pela repressão, ele é vencido.
Porém, ressurge de maneira espontânea.

          127

Surge então, o partido brasileiro,
A lutar pela nossa independência.
Num acordo com Dom Pedro primeiro,
Que a Portugal não presta obediência,
Finda assim, a dependência
Do sistema político brasileiro.

          128

Uma assembléia constituinte é instalada.
Há disputas entre liberal e conservador.
A constituição acaba numa farsa,
Com a criação do poder moderador,
Onde era exclusivo do imperador,
A decisão a ser tomada.
          129

Eis que unidos, os brasileiros,
Ante a pressão portuguesa
E o absolutismo de Pedro primeiro,
Conseguem dessa maneira,
A abdicação do monarca, na certeza
Da vitória verdadeira.

          130

A agricultura escravista de fato
Enfrenta uma crise geral;
O açúcar, o algodão e o tabaco
Sem a áfrica, o mercado principal
Que fornece a força vital:
O suor e a vida do escravo.

          131

A dependência do tempo colonial
Em relação financeira à Inglaterra,
Leva-nos a um valor nominal
Por empréstimos que endividam nossa terra.
Eis o início da dívida externa
Que hoje, é um grande mal.

          132

Com o advento da cultura do café
E o fracasso da importação de escravo,
Dessa forma, para se manter de pé,
Surge o trabalho assalariado.
Agora, pode ser importado
Aquele imigrante que quiser.
          133

São suíços, alemães, açorianos
Que ao Brasil começam a chegar.
Portugueses, espanhóis, italianos
Vem em seguida completar.
Finalmente, para a eles se somar,
Turcos e eslavos ucranianos.

          134

O Brasil tende a se urbanizar,
Em seguida nascem suas ferrovias.
O trabalho escravo tende a se acabar
Com as campanhas abolicionistas.
Já no campo da política,
As regências vêm somar.

          135

Trinas provisória e permanente.
Em seguida, elege-se a una regência.
Agitações e revoltas pela frente.
Cabanos e farrapos, luta intensa.
Sabina e balaiada, mais ofensa.
Eis Pedro segundo, monarca e regente.

          136

Aos quinze de idade, é coroado.
Os liberais assumem o poder.
Os conservadores seguem ao lado,
Vêem uma nova força aparecer,
Os políticos de carreira vão fazer
Derrubadas na câmara e no senado.
          137

A ganância e a fome de poder
São as únicas razões para os combates.
Não importa qual deles venha a vencer,
Na verdade, todos eles são covardes.
Estão em todas as partes,
Menos no que dizem crer.

          138

Desde as questões platinas
Até a guerra do Paraguai,
Uruguai, Brasil e argentina
Envolvidos por demais.
Até que chega a paz,
Enfim, a guerra termina.

          139

Põe-se em marcha, a campanha republicana.
Liberais formam o clube da reforma.
Um manifesto republicano vem à tona.
Com o tempo, vem a mais forte resposta.
O partido republicano é oficial, agora.
A abolição da escravidão acompanha.

          140

A questão religiosa é o estopim
Com a condenação dos bispos da igreja.
A monarquia se arrasta para o fim;
Funda-se a sociedade brasileira.
Contra a escravidão, assina a princesa,
A lei que leva a escravatura ao fim.
          141

Eis que o militar tem sua influência
Para o fim da monarquia e início da república.
Mas é triste a falta de consciência,
De achar que a farda é pura.
Ao contrário, cínica e corrupta,
De tortura e extrema violência.

          142

A monarquia dá lugar à república.
O governo provisório opta por federação.
Nos Estados Unidos do Brasil, já não há culpa.
É a mesma desculpa, sofre a nação.
Promulgada a nova constituição.
Porém, nada no cenário, muda.

          143

O regime político se baseia no norte-americano:
Republicano, presidencialista e federativo.
Entre os estados e o governo republicano,
Jamais houve o ideal de equilíbrio.
É assim, de elite, o liberalismo.
Um estado oligárquico, não era o plano.

          144

O ideal republicano federalista
Desfez-se por divergência política.
Os militares na grande maioria,
Queriam um regime ditatorial-reformista.
Com a situação crítica da economia
Pelo encilhamento se agravaria.
          145

O militar na política é um risco.
Fecha assim, o congresso num ato.
Ao mesmo tempo, um estado de sítio.
Seria, enfim, um golpe de estado.
A nossa sorte fora o seu fracasso.
Porém, o vice seria o continuísmo.

          146

O violento conflito federalista
Foi abafado pela força militar.
Assume a oligarquia paulista.
Melhor, um civil passa a mandar.
Porém, a guerra de canudos vai enfrentar,
E ter assim, mais uma conquista.

          147

Fome, seca, violência, miséria
E abandono político ao nordestino.
O fanatismo religioso, assim gera
Um conflito civil em seu caminho.
O beato Conselheiro, mesmo sozinho,
No sertão da Bahia, o movimento lidera.

          148

O governo não segura essa guerra.
Interfere em Canudos, a República.
Só no quarto combate vai por terra,
O movimento no qual, o sertanejo luta.
Um massacre onde o militar põe culpa
Em criança, mulher e gente velha.
          149

As oligarquias mineiras e paulistas
Tornaram-se hegemonias absolutas.
Atravessadas por um militar na política
Continuaram até o fim da primeira República.
Em seu interior só há disputas,
Chegando assim, o fim da oligarquia.

          150

É fundado o partido comunista.
Realiza-se a semana de arte moderna.
O primeiro movimento tenentista
Contra o café-com-leite da República velha.
Eis que o movimento não supera
A coluna prestes que é erguida.

          151

Surge no nordeste, com mais vigor,
Movimentos populares, Contestado e Caldeirão.
Canudos, oposição ao poder centralizador.
Notabiliza-se o cangaço, Virgulino, o lampião.
Que foi chamado pra lutar contra a invasão
Da coluna prestes e ao governo se aliou.
          
          152

Pela fome, a miséria, a seca e a omissão,
Surge entre os sertanejos nordestinos,
Um menino que vai ser rei do cangaço no sertão.
Não importa a opinião aos seus desatinos,
É herói, é bandido, o ferido Virgulino.
O nordeste em revolta por sua mão.
          153

Nos caminhos pelas sendas do sertão,
Quase nada neste mapa foi mudado,
Indiferença, ignorância e exploração,
Mantêm-se os mesmos vícios do passado.
O nordeste continua maltratado,
Germinando as sementes que geraram Lampião.

          154

Nem mesmo a reforma constitucional
Consegue impedir a ruptura.
A mineira faz aliança liberal
Com Getúlio para candidatura.
Vence o candidato paulista nas urnas.
Porém, um assassinato foi fatal.

          155

Getúlio, líder político principal
Do movimento político-militar,
Assume o cargo de chefe nacional.
Mas o povo não chega a participar.
Assim, de revolução não poderemos chamar,
Um movimento de político e general.

          156

Duas constituições são promulgadas.
Em três anos, o populismo é instalado.
Uma nova ordem é instaurada.
Vargas com um golpe de estado,
Por um falso plano elaborado,
Assume novamente sua vaga.
          157

O regime ditatorial do estado novo
Com controle de imprensa e repressão policial,
Ludibria assim, o próprio povo,
Impondo o dirigismo estatal,
Manobrando a economia nacional.
No desfecho, o presidente é deposto.

          158

Novamente toma a frente um general,
Entre os dois que concorriam à eleição.
Numa suspeita inovação liberal,
Promulgando uma outra constituição.
Eis que o Partido Comunista da União
É fechado por decreto federal.

          159

Volta Vargas numa nova aliança,
Instituindo o monopólio estatal.
Eis o povo perdendo a esperança.
Muitas críticas à política sindical.
De um lado a insatisfação geral
E do outro a oposição não cansa.

          160
     
Do projétil, um jornalista é o alvo.
O atingido, um major ali presente.
Pistoleiros chefiados por Fortunato,
Da guarda pessoal do presidente.
A oposição e os militares descontentes,
Exigem a renúncia, bem melhor.
          161

Eis que o homem, uma hora se acovarda
E comete o mais inútil sacrifício.
Chega enfim, essa hora para Vargas.
Com uma arma comete o suposto suicídio.
Deixa o brasileiro comovido,
Ao ser lida sua carta.

          162

O Brasil entra numa nova etapa.
Três governos em um curto período.
Até a eleição ser realizada,
JK pelo exército, é protegido.
Dessa forma, na presidência é mantido.
Brasília, capital federal edificada.

          163

Um novo presidente se elegia
Em menos de um ano decorrido.
Assume a presidência e renuncia,
Não se sabe qual seria o motivo.
Não tinha apoio de nenhum partido
E abre-se uma nova crise política.

          164

Assume Jango, o vice-presidente,
Mas com os seus poderes limitados
Por ato adicional que põe à frente
O congresso com poderes ampliados.
Diante de um movimento impensado,
É exilado Jango, o presidente.
          165

Um ato institucional é decretado
Por um alto comando militar.
Pelo congresso, seria aprovado,
O general do exército, Alencar.
Uma forma de poder manipular
Todo o povo que estava revoltado.

          166

Um regime marcado pelo autoritarismo,
Supressão de direitos constitucionais,
São usados os piores mecanismos:
Perseguição, prisão e tortura aos demais.
Sob a égide de atos institucionais,
Cassações de mandatos de políticos.

          167

Uma junta militar é instaurada,
Decretada a pior escravidão.
A prisão perpétua fora instaurada.
Pena de morte era outra condenação.
Não havia julgamento nem prisão.
Pois a vítima era sempre executada.

          168     

A nação duramente castigada,
A imprensa sob manipulação,
A oposição seria aniquilada,
Atingiam parte da população.
Por menor que fosse a revolução.
Toda idéia era sempre esmagada.
          169

Num engodo, o congresso é reaberto.
Obviamente é eleito um general.
Quanto mais o povo tenta livre acesso,
A repressão aumenta em mesmo grau.
A tortura quase sempre é fatal.
Mesmo assim, aumenta a onda de protestos.

          170

É o jovem estudante quem mais luta
Para ter a liberdade de viver.
O regime usa sempre a força bruta,
A ganância e a fome de poder.
Qualquer um tende a sofrer,
Ser condenado sem ter culpa.

          171

Uma hipocrisia, o reino da exceção.
Uma ditadura militar não traz valia.
Quem só pensa em fazer execução,
Pela paz, com certeza não lutaria.
O terror à nossa nação feria.
A tortura ainda dói no coração.

          172

O escárnio, o desprezo, a indiferença
Levam nossa consciência ao silêncio.
Mas jamais, vai haver tamanha ofensa
Nem tamanho sofrimento.
O Brasil vivia dias de lamento
Que feriam sua própria inteligência.
          173

A ditadura era uma grande tragédia,
Atropelando a tudo e a todos.
Onde tudo parecia uma novela
Na qual o bandido era o povo.
Tantas vidas massacradas, que desgosto.
O país afundava em sua merda.

          174

As pessoas que não tinham instrução,
Enganadas pela sua inocência,
Denunciam o que faz revolução
Contra um regime de extrema violência.
Um governo no qual sobra insipiência
E o mínimo de coragem e razão.

          175

Os que lutam pela nossa liberdade
São massacrados pela força do terror.
A mentira sobrepuja a verdade
E o ódio humilhava o amor.
Eis que a farda sentia prazer na dor,
Confundiam liderança e autoridade.

          176

Nessa hora nada nos convenceria,
Mesmo que nos tornassem uma potência.
A falta de liberdade nos levaria
A mais triste decadência.
Ninguém pode escravizar a consciência,
Nem mesmo a própria tirania.
          177

O único milagre dessa época
Foi de suportar, o país, a incompetência.
A ditadura se torna mais austera.
O silêncio, a única sobrevivência.
Chega enfim, os anos setenta,
A ditadura então modera.

          178

Depois do jornalista massacrado,
O general se opõe a linha dura.
Com a sociedade oposta ao resultado,
Há uma política de abertura
Lenta, gradual e insegura.
Caminha o país, a novo cenário.

          179

Os últimos ideais são massacrados.
Lentamente inicia-se uma nova era.
De volta ao país, os exilados.
A liberdade fragilmente se desperta.
Mas o poder continua na esfera
Dos generais friamente moderados.

          180

Milhões de pessoas em comícios,
Apóiam o movimento das diretas.
O novo general segue os princípios
De seu antecessor, não se impera
Diante de eleição indireta.
Um civil finalmente, é escolhido.
          181

Não chega a tomar posse, o candidato.
Seu vice assume assim, a direção.
De volta ao estado democrático.
Promulgada é a nova constituição.
Confirma em plebiscito, a nação.
República presidencialista é o resultado.

          182

O Brasil vive plena liberdade,
Está livre da extrema opressão.
Porém, ficam na impunidade
Os militares que massacraram a nação.
Nunca foram levados à prisão,
Essa é a nossa triste verdade.

          183

Prometendo o combate à corrupção,
Um ex-governador é candidato.
E tendo sua imagem em construção,
Nas eleições diretas é elevado
A assumir o almejado cargo
De presidente de nossa nação.

          184     

Mas é denunciado pelo próprio irmão,
De junto ao tesoureiro ter montado
Na campanha um esquema de corrupção.
Assim, o presidente é afastado.
O vice-presidente é elevado
A novo presidente da união.
          185

Um plano econômico é adotado,
Executado com extrema exatidão.
E consegue combater um mal herdado,
Um problema econômico, o da inflação.
O ministro que estava em ação,
Torna-se o novo candidato.

          186

É eleito um ex-membro do senado
Que aprova uma emenda na constituição
Para se manter no mesmo cargo,
Pois permite sua própria reeleição.
A favor de toda privatização,
Vende nossas estatais sem embaraço.

          187

Um ex-metalúrgico é candidato
E é eleito presidente da nação.
O plano econômico executado,
Dá continuidade ao combate da inflação.
Liberdade em nossa telecomunicação.
O Brasil é um berço democrático.

          188

Não importa o grau de corrupção,
Desde que sejamos informados
E podermos escolher quem fica ou não.
E não sermos por ninguém mais, torturados.
Do mais nobre ao humilde operário,
O voto é a nossa decisão.
          189

Somos agora uma República Federal
E Presidencialista quanto à americana.
Porém, nosso sistema legal
Tem tradição Romano-germânica.
Temos liberdade de escolher a liderança,
Estamos livres de tortura e general.

          190

Nossas noites são mais estreladas
Em um céu que espelha o futuro.
São muito mais verdes nossas matas.
Nossos sentimentos são mais puros.
Não tememos o completo escuro,
Mesmo sendo nossas vidas, claras.

          191

Nossa pátria amada é o Brasil,
Pela natureza abençoada.
Gente hospitaleira e gentil,
Mantém a bandeira hasteada.
Amarelo e verde, sol e mata.
Paz e céu, o branco e o azul anil.

          192

Temos nossos sonhos e fraquezas.
Singelos heróis, perversos vilões   
Que detêm o poder e a riqueza.
Gente honesta em meio a ladrões
Que enganam com falsos sermões.
E assim vivemos de incertezas.
          193

Joaquim Osório Duque Estrada
Escreveu a letra do hino nacional.
Francisco Manuel da Silva, musicara
Uma melodia que seria imortal.
Nem tudo que é escrito é real,
A nossa pátria já não é idolatrada.

          194

Eu ouso modificar o hino, numa interpretação.
Atualizar com o que sabemos agora.
Apenas introduzo a minha opinião.
Não quero ser perverso com a história.
Usando o conteúdo da memória,
Ponho mais o coração que a razão.

          195

Ouvia-se vindo das margens do rio Ipiranga,
O clamor de um povo de heróis martirizados.
Brilha no céu da pátria a esperança
De ver um Brasil sem marginalizados.
Os nativos e os negros são deixados,
Nem liberdade, nem igualdade os alcança.

          196

Conseguiram conquistar com braço forte,
Uma relação de igualdade com o mundo.
Os nativos não tiveram a mesma sorte.
Mas, lutaram com as suas armas em punho.
E se formos muito mais a fundo,
Desafiaram pela liberdade, a própria morte.
          197

O Brasil ainda é um sonho intenso
Tal um raio de amor e de esperança.
Nesse nosso céu azul e imenso,
Continua uma imagem na lembrança:
A de ver nos olhos de cada criança,
A ingenuidade do nativo de outro tempo.

          198

O cruzeiro do sul de nossas lendas,
Continua altivo sobre nossas cabeças
Que mudaram com as novas crenças.
O nosso futuro já não nos espelha.
Porém, nosso sangue inspira grandeza
Nos que herdaram nossas consciências.

          199

De todos que nasceram neste solo,
És a mãe gentil, o berço adorado.
Ao som do mar, sentado em seu colo,
Brilha o nativo ao sol iluminado.
Somos da América, o povo mais conformado.
Nossa fauna e flora, nosso espólio.

          200

Nossos lindos campos estão perdendo as flores.
As nossas florestas sendo desmatadas.
Poucos são os corações que têm amores.
Precisa ser salva, pátria amada, idolatrada.
Respeitar sua bandeira estrelada
E reconhecer os seus valores.
          201
O seu amor eterno foi negado.
O verde-louro de sua bandeira
Calou-se pela inglória do passado.
A sua paz é a única maneira
De suportar tamanha brincadeira
Advinda da impunidade e do descaso.

          202

Se houvesse uma justiça imparcial,
Com certeza esse povo era mais forte.
Já não foge à luta por amor filial,
Nem teme por lhe adorar, a própria morte.
Mesmo diante de tal sorte,
O Brasil é um celeiro mundial.

          203

Eu sou Tau, e finalizo essa história permanente,   
Sem saber o que será dessa estranha nação
Que já não sabe moralmente o que é decente
E já não sente que ainda pulsa um coração,
Que não importa o que passou, peça perdão.
E tente mudar a sua história daqui pra frente.

          204

Aprisionado na escuridão, ainda vejo lucidez
Para esse povo que se perde sem saber
Que a derrota vem atrelada à estupidez.
E que deviam com os mortos aprender
Que a saída está na forma de viver,
E que viver é apenas uma vez.


Biografia:
No dia 04 de outubro de 1966, nasce João Felinto Neto, em Apodi, Rio Grande do Norte. Em 1969, parte com sua família para Tabuleiro do Norte no Ceará. No mesmo ano passa a residir em Limoeiro do Norte, sua pátria emotiva e ponto de partida de uma fase migratória que duraria toda a sua infância, e o levaria até Santa Isabel/PA (1971), Limoeiro do Norte/CE (1973), e Mossoró/RN (1974), onde ingressa, no Instituto Dom João Costa no ano de 1975. Retorna novamente a Limoeiro do Norte (1977), onde permanece até 1982, ano em que conclui o 1º grau no Liceu de Artes e Ofícios. Retorna definitivamente, com sua família à cidade de Mossoró. Conclui em 1985 o 2º grau na Escola Estadual Prof. Abel Freire Coelho. Em 1986 ingressa no serviço público, como técnico de biodiagnóstico do Hospital Regional Tancredo Neves, atual Tarcísio Maia. Conclui o curso de Ciências Econômicas, pela UERN, em 1991. Somente aos 34 anos, começa escrever e catalogar poemas e crônicas. Até então seu mundo literário se resumia à leitura e ao pensamento.
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