Eu sentia falta de alguma coisa, então eu fiz do meu jeito, corri sem pensar, procurei, sem pensar. Mudei minhas roupas, meu carro, a marca do cigarro, os dias de trabalho, o restaurante aonde eu almoçava, troquei o despertador e meu lado na cama, fiz a barba e cortei o cabelo, enfim, troquei de vida. Passei alguns meses nessa metamorfose, tentando buscar aquilo que me faltava; e aquilo se alimentava, virava tormenta, desespero. Mudei demais, eu não morava mais em mim. Lembro que você me disse algo sobre mudar, mudanças, tanto faz. Aquele dia da nossa briga, das palavras mordazes e daquele seu pedido que me partiu em dois, achei alguns remédios em casa, alguns calmantes, alguns antidepressivos, essas coisas não misturam bem com aquele uísque barato debaixo da pia. Agora penso que eu deveria ter ficado quando você insistia, tanto faz se o trabalho começava cedo no outro dia e já era tarde, tanto faz. Deveria ter ligado quando prometi que ligaria, e quando você me chamava pra sair e eu dizia que tinha trabalho demais, mentira. Deveria ter aproveitado mais nossas voltas de mãos dadas, deveria ter ouvido melhor suas palavras e ter guardado sua voz. Deveria ter te amado mais. Eu senti falta de você, mas agora é tarde demais pra dizer. Acho melhor ter deixado as coisas do jeito que ficaram, eu sei que sua vida se transformará em algo lindo, e eu talvez não conseguisse te dar tudo isso. Tarde demais mesmo, aqui embaixo os vermes são cruéis e devoram tudo sem desculpa, carne, osso, e coração.
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