Hoje decidi reconhecer minha rua.
Digo reconhecer porque apesar
De vê-la todos os dias,
Faz tempo que não a olho
Assim, com mais profundidade.
Mas fui, e comigo levei um broto de esperança,
Um mapa para saber o caminho de volta
E um chapéu de pensar,
para proteger-me da fina garoa
que teimava em cair no dia de hoje.
E depois não me assustei,
O tempo nublado nada mais era,
Do que o reflexo de mim.
Caminhei e caminhei
por entre as árvores de cimento.
Uma tragédia para quem
Como eu, gosta das coisas do mato.
Fiquei pensando, não devia,
porque pensar para mim é perigoso,
Mas fiquei pensando,
No passa-passa da vida de minha rua.
Parei para escutar os sons.
Era o coração de minha rua
Fazendo um barulhão.
Ela vive, pensei. Ela vive.
E que vida. Um corre-corre,
Uma disparada.
E sempre na mesma direção.
Lá longe ouvi um carro passar
Oferecendo casas e apartamentos.
Já pensei em me mudar
Várias vezes esta semana,
Mas não é este tipo de casa de que preciso.
Preciso de uma casa no campo.
Lugar de silêncio.
De preferência bem perto do rio
E num vale de muitas flores.
Mas casa assim, como essa que ofereciam,
E na cidade grande, não é comigo não.
E dessas também já tenho.
E quanto à outra...
Vou ficar com a minha mesmo.
É pequena, de apenas um cômodo.
Mas prá uma pessoa só,
Já está de bom tamanho.
Quem sabe faça umas reformas
Construa mais uma peça.
Sei lá. O tempo dirá.
E quanto à minha rua...
Decidi para casa voltar.
Na caminhada de volta
Parei num lugar, de onde
Podia ver meu portão.
E fiquei mais um tempo observando.
Minha rua é só de idas. Ou só de vindas.
Depende para que lado você está olhando.
E bem em frente ao meu portão se divide em duas.
Ou quatro. Talvez seis. Não sei.
Não entendo de divisões.
Mas é uma rua só de idas ou de vindas.
Virei-me para o lado de cá.
Todos vinham.
Virei-me para o lado de lá.
Todos iam.
Me embaralhei toda.
Oh, mulher enrolada.
E assim estonteada,
Decidi voltar. E voltei.
Na contramão da minha rua,
Mas voltei.
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