AS FLORES DO MEU JARDIM
Kátia Eli Pereira
Léo tinha um futuro promissor. Exímio nadador já despontava como uma grande promessa da natação brasileira. Mas, um acidente automobilístico na Rodovia dos Imigrantes em um fatídico dia de intensa neblina mudou a brilhante trajetória daquele jovem no auge de seus dezenove anos de idade...
Paraplégico em função da colisão tornou-se apático e desiludido quanto ao futuro, tendo em sua cadeira de rodas a única via de acesso em seu limitado mundo doméstico... Contava-se cinco anos da nova e difícil realidade que enfrentava no bairro pobre de São Vicente onde morava com sua mãe, Dona Iolanda.
Era um antigo sobrado com um jardim bem cultivado e cuidado... Nada menos que o mais belo e o mais florido da região chamando a atenção de muitos como acontecera com Isabel, a nova professora do primário na escola daquele bairro...
Isabel Bueno, natural do sul do país, fixou residência em Santos há mais ou menos dois meses. Filha de pais humildes tornara-se o orgulho de toda a família, pois se formara no magistério e dedicava-se com paixão à única vocação que possuía... Com traços germânicos espalhava graciosidade com seu sorriso franco; voz suave e profundos olhos azuis. Entretanto, bastante tímida e sonhadora.
Todas as tardes, quando findava as aulas voltava para a pensão onde ocupava uma vaga, na companhia de alguns alunos. Iam sempre caminhando pelas ruas, sorridentes e falantes apresentavam cada canto daquela redondeza diversificando a rota para que ela pudesse conhecer a pequena cidade do início da década de oitenta. Foi em uma dessas ocasiões que Isabel avistou o belo jardim. Impressionada com a diversidade das flores parou diante do sobrado para admirá-las... O cenário colorido a remeteu à sua terra natal e a lembrança da família apertou seu peito cheio de saudades, porque sua mãe também cultivava um jardim semelhante àquele que ela vislumbrava.
De repente surgiu Léo. Ele vinha distraído, em sua cadeira de rodas, para buscar a correspondência deixada pelo carteiro. Os olhares daqueles jovens se encontraram e o amor à primeira vista surgiu manso e definitivo.
Por várias semanas a cena se repetia. No mesmo horário Léo ficava no portão à espera da mulher que fazia seu coração bater mais forte e, Isabel, como que levada por uma força invisível não conseguia mais mudar o seu trajeto. Ela mal podia esperar o final da aula para poder rever o homem que roubara sua paz e invadira seus pensamentos.
O destino une e reúne as almas prometidas. Assim se deu e assim sentiam mutuamente: duas metades que se buscaram; se completavam e se pertenciam para toda a vida...
Encorajados pelo puro sentimento que aumentava a cada dia deixaram os medos de lado, rompendo todas as barreiras e iniciaram um romance recheado de promessas e planos.
O tempo passava dando a certeza que juntos estariam para todo o sempre...
Veio o noivado e o jovem casal planejava uma viagem para o sul. Léo iria conhecer a família de Isabel. E, apesar das limitações físicas e as dificuldades que a longa distância causariam eles não desanimaram, fato que amenizaram as preocupações de Dona Iolanda.
Tudo estava acertado e a viagem marcada para a semana seguinte. Porém, nova tragédia mudaria o curso daquela linda história de amor...
Era mais um final de tarde. Isabel seguia tranquila para o encontro diário com o noivo quando, subitamente se viu diante de um desentendimento entre dois desconhecidos... A discussão parecia bastante séria e os ânimos estavam alterados entre eles. A professora tentou recuar na busca de outro caminho que, embora mais longo, a levaria ao destino com mais segurança... Mas, tarde demais. Sem saber como e nem o motivo, um dos envolvidos na briga sacou uma arma e atirou em seguida. Isabel, em uma fração de segundo, pode ver o revólver calibre trinta e oito brilhando na mão do atirador e um fogo dela surgindo quando o projétil foi lançado. Segundos depois, ela caiu no chão sem vida, personagem de um drama, alvo inocente de uma disputa que não lhe pertencia...
A notícia da morte da professora se espalhou rapidamente. Léo, em estado de choque, negava o ocorrido enquanto o seu coração despedaçado pela dor da perda sangrava inconformado...
Indiferente ao sofrimento daquele jovem já marcado pelo destino, a vida levou a luz que brilhava o seu caminho e aquecia o seu viver. Isabel se foi deixando Léo perdido em lamentos desesperados. Os dias tornaram-se negros e sem gosto. Nuvens pesadas pairavam sobre o jovem sofrido... Nada mais poderia devolver à vida perdida na tarde trágica que levara a sua amada...
Três meses haviam passado e o quadro aterrador ainda permanecia naquele sobrado. Nada era mais como antes, o jardim já não exala o aroma delicioso de outrora, o colorido já não encantava mais os seus olhos. Do contrário, amaldiçoava a pobre alma tão sofrida que, num ato de revolta e de desespero tomou uma grande decisão...
Com o apoio e a ajuda da mãe colheu todas as flores do jardim e as depositou no túmulo da noiva. Era a primeira vez que a visitava no cemitério, o choro e os lamentos eram ouvidos a grande distância... Para cada flor depositada sobre o jazigo uma lágrima brotava na face de Léo...
Em pouco tempo aquele era o túmulo mais florido e perfumado. Coberto pelas mesmas flores que os aproximavam somente a foto da falecida era visível e sob ela uma placa foi depositada com os dizeres em letras garrafais:
Aqui jaz a razão da minha vida! Isabel receba com todo o meu amor AS FLORES DO MEU JARDIM...
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Biografia: Kátia Eli Pereira, natural de Florianópolis, residindo em Biguaçu.
Escreve também em seus momentos de inspiração belos poemas e sentidas preces.
Cursou o ensino médio no CETEC, antiga ETEFESC, formando-se em eletrotécnica em 1985. No ano de 1991 ingressou na UFSC no curso de graduação em letras-português, que foi adiado em razão de compromissos pessoais.
Presentemente, é funcionária da saúde, e em seu trabalho procura praticar o que aprende na Doutrina Espírita. Dedicada e responsável com seu papel no contexto social e humano, busca ajudar dentro de suas possibilidades a todos.
Coração humanitário dedica-se ao seu trabalho com afinco visando o bem-estar do próximo.
Já desenvolveu trabalhos voluntários em asilos onde aprendeu a desenvolver a sua capacidade literária tendo contato com diversas histórias de vidas.
Durante muito tempo executou a tarefa de distribuir sopa e roupas para pessoas carentes e andarilhos.
Junto com seu marido João Fernandes da Silva Júnior (editor, escritor e tradutor) realizou o sonho acalentado de anos, escrevendo seu primeiro romance, intitulado “A HORA DA VERDADE”.
Kátia Eli Pereira escreve por inspiração e desenvolve tramas intrincadas e com excelente dinâmica de ação.
Escreve também em parceria com o marido, onde tem três romances publicados: A HORA DA VERDADE; SOMBRAS DO PASSADO E AS AVENTURAS DE QUENO E GUARÁ (Vencedor de um concurso estadual). |