A ilha aparece mergulhada na névoa. Parece um pássaro imobilizado no ar que se prepara para voar. A ilha vista daquela distância como um encouraçado imune à violência do mar que a envolve num abraço espumante. A alguns quilômetros, talvez, grande e misteriosa, mas tão próxima, quase ao alcance de suas mãos. A ilha dos outros. A nossa ilha cotidiana.
A volta é sempre inédita. Mas por que se volta, afinal? Teria lido que o homem está eternamente preso à sua terra por raízes que nascem no sangue e se multiplicam por todo o corpo. E o homem por onde for levará consigo a fatalidade de sua terra, onde viveu essa paisagem que será recriada diariamente esteja onde estiver. Assim é a ilha: um sentimento que se aprofunda no corpo e o marca com sua crueldade. Homens, bichos, vegetais, uma profusão de cores e mistério.
Enormes filas de homens pendurados pelas grades da janela do presídio, vendo o sol brincar nos telhados da Vila. Ele, um deles, vivendo a mesma poesia, sem saber, mas sonhando um dia poder passear pela Vila, sem o número do crime nas costas.
Mas a ilha tinha sido cruel. Seu corpo trazia as marcas profundas das torturas que a ilha lhe causara. Sim, porque, se houvera praticado todos aqueles crimes, era para se conservar na ilha. Só por isso. Porque a ilha tinha lhe insuflado a sua respiração de fatalidade.
Os guardas, no entanto, desconheciam o seu pacto com a ilha. Levaram-no, um dia, novamente para a selva das cidades.
Agora, já no fim da vida, os olhos mortiços, ele via a ilha como um pássaro indeciso para o vôo. Tão perto, quase ao alcance de suas mãos, mas cada vez mais distante mergulhada nas névoas.
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