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E M P A T I A
Moacyr Medeiros Alves

Trabalhar no caixa de um banco, lidando com dinheiro dos outros (dinheiro graúdo, quase sempre) e com um público altamente heterogêneo -- do modesto operário que vai descontar um minguado cheque recebido em troca de seu desvalorizado trabalho, ao rico empresário, patrão do pobre trabalhador, que necessitando e gostando de aparentar “status”, está sempre impecavelmente trajado com roupas de grife, um anelão de brilhantes no anular de uma capri-chadamente manicurada mão, um Rolex de ouro, que exibe com satisfação no pulso esquerdo, e um havana aceso na boca, -- é freqüentar um curso prático de ciências humanas e sociais.

   Isso faz dessa categoria que, apesar do considerável volume de dinheiro que manuseia todo o tempo, é mal remunerada e enfrenta enormes dificuldades financeiras, virando-se mais do que o caríssimo havana na boca do rico industrial para pagar suas contas no fim do mês, uma classe de verdadeiros heróis.

Esses abnegados operários das finanças necessitam de um elevado grau de equilíbrio emocional para não se desviarem do bom caminho, sendo, portanto, muito apropriado o zombeteiro epíteto de “mendigos engravatados” que lhes é atribuído,

   E eu que, por lamentável equívoco e mera troca de sufixos, deixei de realizar meu verdadeiro sonho (ser banqueiro, minha real vocação), acabei no ramo como um desses sofredores.

   Mas devo dar-me por feliz! A Providência Divina sabe o que faz. Como banqueiro eu seria, certamente, um desastre. Iria à bancarrota causando grandes prejuízos à clientela e à confiabilidade do sistema financeiro vigente no país e, se não estivesse preso, teria falido, e, fatalmente, fazendo o mesmo que faço agora.

   O leitor dar-me-á razão ao inteirar-se do mais recente acontecimento por mim protagonizado -- fato ocorrido no último fim de semana --, que passo a relatar:

   As filas estavam enormes naquele início de expediente de sexta-feira. Eu ocupava o terceiro espaço à esquerda de quem entra no amplo salão que comporta uma bateria com mais sete guichês.

   Não obstante o grande fluxo de clientes naquele horário, além de mim só mais três colegas ocupavam seus postos.
Eu já tinha atendido mais de quinze pessoas quando um rapaz, aparentando uns 30 anos, sendo o primeiro da fila, aproximou-se de meu guichê e entregou-me um bilhete que dizia: “É um assalto. Tenho uma arma na pasta, pronta para ser usada. Passe-me todo o dinheiro em seu poder. Desempregado há quase um ano e com doença em família, estou desesperado. Faça o que mando, rapidamente, senão vão sair daqui dois cadáveres: o seu e o meu.”

    Nos meus mais de dez anos trabalhando em banco nunca havia presenciado um assalto; mas tive conhecimento de vários ocorridos em outras agências, sendo que alguns deixaram por saldo alguns mortos e feridos. Por isso, confesso, fiquei deveras amedrontado. Mas percebendo que estava frente a alguém que tinha problemas ainda maiores que os meus, esforcei-me por manter a calma.

   Procurando demonstrar tranqüilidade abri a gaveta da bancada -- devagar, para que o assaltante pudesse acompanhar meus movimentos, -- dela retirando uma folha de papel em branco que introduzi na máquina de escrever que havia à minha direita sobre o balcão. Morto de medo, fazendo um esforço inaudito para esconder o pavor, a custo consegui forças para controlar minhas reações e redigir uma nota mais ou menos assim: “Calma rapaz! Não complique ainda mais as coisas. Nestes dias de perverso neoliberalismo e desumana globalização, em que os homens valorizam mais os lucros das empresas do que a vida de seus semelhantes, todos nós temos problemas. E o fantasma do desemprego, qual sombra maligna, vive a nos rondar; a todos, sem exceção. Calma, não ponha tudo a perder; não jogue sua vida no lixo!” Ato contínuo, enfiando a mão no bolso da calça retirei uma cédula de 100 reais, dinheiro que que tinha sacado pra pagar uma prestação no intervalo do almoço, e a estendi, juntamente com a folha datilografada, ao assaltante. O rapaz leu o bilhete que redigi e, girando nos calcanhares sem levar o dinheiro, começou a andar em direção à porta de saída.

   Condoído com a contristadora situação de meu pobre patrício e sem o menor desejo de vê-lo punido, pra despistar e não chamar a atenção dos circunstantes, inventei um nome qualquer, como se me dirigisse a um cliente conhecido que estivesse saindo às pressas esquecendo de levar alguma coisa sua, e falei alto para que todos ouvissem: “Eh Eugênio!, ô cara! Vai deixar o dinheiro que sacou pra dar diferença no meu Caixa? Leva lá a sua grana!”

   O frustrado e desconcertado ladrão voltou ao meu caixa, apanhou o dinheiro – creio que o tenha feito mais por temer que o segurança que olhava desconfiado em nossa direção se convencesse de que algo anormal estava mesmo acontecendo, -- e, timidamente, balbuciando um débil “obrigado”, saiu – felizmente sem cometer a insensatez a que se propôs --, levando de volta -- pobre diabo! –, sem solução, todos os problemas que consigo trouxera.                          










                                                                             








Biografia:
- Moacyr Medeiros Alves, o Moa, como gosta de ser chamado, nasceu em Agudos (SP) em 08/03/1936, já órfão de pai -- seu pai faleceu 6 meses antes de seu nascimento. Sua mãe, viúva com 5 filhos, mudou-se em princípios de 1.940 para a capital do estado, indo morar em habitações coletivas, os chamados cortiços, no bairro do "Bixiga", onde ele passou a infância. Em dezembro de 1.950 o Moa, que já trabalhava desde os 9 anos de idade, ingressou como "office-boy" na organização Philips, empresa holandesa do ramo eletrônico. Trabalhando de dia e estudando de noite, conseguiu, com sacrifício, concluir o curso técnico de contabilidade. Em 1.959, aprovado em concurso público, entrou para o quadro de escriturários do Banco do Brasil onde trabalhou até 1.982, aposentando-se como gerente-adjunto da agência de Itararé (SP). Grande apreciador do cancioneiro popular brasileiro, do período que abrange a denominada "Época de Ouro" de nossa música, tem em sua discoteca, entre LPs e CDs, obras de quase todos os cantores e instrumentistas do tempo em que -- como dizia o radialista Rubens de Moraes Saremento -- "as fábricas de pandeiro davam lucro". Além de escrever "abobrinhas", como ele próprio define seus escritos, o Moa tem ainda como "hobby" a leitura e a fotografia.
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