Ela, que nas manhãs de domingo passeava, rodava a cidade toda na função de cumprimentar os donos de comércios e todos os outros que, impacientemente, aguardavam pelo gracioso aceno de mão, era a tão adorada moradora do jardim secreto. A moça residia numa casa onde abrigava uma diversidade enorme de flores. Grandes, pequenas; brancas, amarelas, rosas, alaranjadas, violetas; bromélias, margaridas, rosas, orquídeas; dezenas, centenas de milhares de plantas de todo o tipo eram abrigadas naquela mansão botânica, mas ninguém sabia o porquê de tantas flores guardadas. Fascínio? Decoração?
As flores não eram plantadas ali, as sementes não eram postas em aconchegantes buraquinhos na terra e, consequentemente, não eram regadas de cuidados intermináveis pela jardineira. Todos na cidade plantavam seus amores para entrega-los nas mãos da moça, que com simplicidade armazenava as plantinhas. O envolvimento, a espera ansiosa pelos brotos, não eram vivenciados por ela e a graça, a satisfação, o deleite de poder apreciar toda aquela maravilha colorida em sua florescência, não era dado nem para quem as cultivou por todo o tempo. Alguns se enfezavam, buscavam a moça dia e noite esperando uma satisfação. Onde estariam, que fim haveria levado as crias fotossintetizantes? Já a parcela que não se encontra nesse primeiro grupo simplesmente não demonstrou interesse. Quem sabe lhes faltou o subsídio principal para se deixar cativar pela conquista.
Um dia, a jardineira foi presenteada com uma semente. Linda capsula redonda com um colorido vibrante. Pensou em devolver, havia somente flores no abrigo, mas foi dominada por um carinho genuíno, aquela coisa à primeira vista, não conseguia desgrudar os olhos daquele pontinho fascinante que repousava no centro de sua mão em contraste com sua pele branca. Tomada por aquela curiosa sensação, levou a semente para casa e fez seu lar no melhor vaso que encontrou. Foram meses de cautela, preocupação e desvelos intensos, a planta crescia mais rápido que as demais e estava prestes a florescer.
Com a felicidade se alastrando por todo o corpo, a jardineira foi atrás do gentil homem que lhe dera a amável semente e, do mesmo modo que a felicidade tratou de se espalhar, o revés veio senão mais intenso. O rapaz havia partido em uma excursão que buscava sementes exóticas no interior da Bósnia. Certamente encontraria muitas iguais àquela ou até mesmo melhores. A detentora das flores que nunca havia presenteado alguém, boatos que nunca cravara as mãos na terra, depreciada pelo mesmo mal que praticava, nunca mais foi vista numa manhã de domingo, assim como nunca mais foram vistos seus doces acenos.
Hoje todos comentam, mas ninguém sabe da verdade, dizem que a moça arrancou pétala por pétala de todas as flores que possuía, colocou-as em um saco plástico e deixou murchando na garagem. A flor exótica, tão apreciada um dia, hoje em versos barrocos é resumida “em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.”
A natureza regou sua vida e de tanto ser haurida sem ser fomentada novamente, desforrou-se impetuosamente sobre aquele jardim.
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