Columbus, Ohio
Alberto não sentirá os odores e sabores das mexericas neste agosto, não mais caminharemos pela cidade, não mais tomaremos cachaça misturada com cacau e cerveja no bar do gaúcho, não discutiremos sobre as aulas que teríamos que dar, sobre alunos, sobre como a vida nos tem sido ingrata e o quanto nós conseguimos fazer com que ela se torne pior do que já é.
Alberto foi embora, não agüentou o peso da vida, bastaram poucos dias de férias, poucos dias de tédio para a blindagem cair; alguns goles, muito crack, algumas prostitutas, uma cabeça vazia, para que meu amigo colocasse um ponto final na vida, overdose de crack.
Deixou uma carta que não li, por ter morrido de overdose a carta ficou com a policia, cena perfeita para um bom destaque na página policial de algum jornal, coisa que graças a Deus não aconteceu.
Acabei de chegar de seu enterro e confesso que apesar de estar morto há poucas horas, seu fantasma já está por aqui, também sinto em minha alma uma confusão de sentimentos que variam entre dois opostos; amor e ódio.
Sim, eu o amava, amava como ele conseguia enganar tantos por tanto tempo, e como conseguia transitar pelas mais variadas esferas sociais, havia um certo charme nisso.
Eu era o único que sabia de tudo, achava que sabia melhor dizendo, pois não passava pela minha cabeça que ele fosse se matar, embora sempre dissesse isso, ele contradisse o ditado que diz: quem avisa não faz, ele fez, embora tenha se arrependido nos últimos momentos, mas fez.
E o ódio brota em mim porque não tenho mais alguém com quem conversar sobre as vicissitudes da vida.
Com Alberto eu podia conversar sobre qualquer coisa, vícios, beleza, família, Deus, satanismo, mulheres, desde uma cidadezinha perdida no meio do Espírito Santo até Columbus em Ohio.
Falávamos sobre tudo e muita pouca coisa fugia aos nossos olhos, é exatamente neste ponto que aflora meu ódio pelo Alberto, de um dia para outro não tenho mais ninguém com quem dividir a grandeza do mundo, a beleza das coisas o mundo ficou vazio, apenas meu.
Começo a sentir o peso da solidão, a falta que uma alma, ao menos parecida com a nossa faz.
Passar dos 40 anos e se sentir o último dos moicanos não é nada bom, meu casamento acabou já faz algum tempo.
A gente acaba se entregando demais ao trabalho para que o tempo passe bem depressa, aliás, estava trabalhando num sábado, quando recebi a noticia da morte do meu amigo, quase caí da cadeira, um mal estar enorme, chamei-o de filho da puta, fiz isso também no velório.
Um grandessíssimo filho da puta de um covarde. Mas agora, depois que ajudei a enterra-lo começo a mudar um pouco minha opinião sobre o assunto.
A melhor coisa a fazer é entender e esquecer, partir para outra, se fosse uma namorada que tivesse me dado o fora teria que agir assim, mas o problema não é esse, não foi um pé na bunda de uma mulher, foi um grande amigo que morreu, além de esquecer não há muito que fazer; amigos, amigos mesmo não são vendidos em lojas e não se acham em qualquer esquina.
O jeito é ir tocando em frente, como diz a canção. Continuar vivendo nesta grande cidade, continuar a sentir o grande mal da modernidade, a solidão.
Parece incrível que morando em uma cidade entupida de gente por todos os lados a gente se sinta solitário.
“Você devia procurar uma namorada”, é o que vive dizendo minha mãe e algumas outras pessoas, mas a verdade é que depois de uma certa idade, depois de se tomar alguns tombos na vida, não é muito fácil encontrar alguém, eu não sei se exigente é a palavra certa, mas o fato é que está cada vez mais complicado firmar uma relação amorosa com uma pessoa, mesmo eu sabendo e a estatística não me deixa mentir, que existem muito mais mulheres que homens vivendo nesta cidade.
Antes que me esqueça e para quem vier a ler isto não me ache um grande reparador, preciso dizer que, além de professor, sou sociólogo, logo todos os movimentos humanos, todos os modismos dizem respeito a minha profissão, sendo cientista social o meu laboratório é o próprio mundo.
Depois dessa pequena explicação, devo dizer que esta solidão, esta falta de um relacionamento mais profundo entre as pessoas, não é uma coisa apenas minha.
Nota-se isto nas mais variadas camadas sociais, lembro-me de uma vez, numa conversa entre meia dúzia de professores, homens e mulheres, eu e o Alberto (olha o fantasma dele aí de novo, me perseguindo) constatamos que estávamos todos sós e todos não conseguiam levar um novo relacionamento adiante e isto parece ser fato corriqueiro em muitos lugares.
Sejamos francos, uma nova relação amorosa denota trabalho e não raro um certo medo entre as pessoas, medo de se entregar, medo de quebrar a cara de novo, medo de ser magoado ou magoar alguém.
Dia desses li nos jornais que tem aumentado muito os chamados relacionamentos virtuais, via Internet, onde as pessoas se escondem e se mostram através de um computador e a reportagem dizia que a grande maioria desses relacionamentos não passava do primeiro encontro, ao que parece o perfil vendido na Internet não corresponde exatamente ao perfil visto e ouvido bem de perto e em cores.
Mas, como já disse, é preciso seguir, cobra que não anda não engole sapo, a vida está aí e é para ser vivida de uma forma ou de outra e fazer o que é possível ser feito.
É meu amigo Alberto, você foi embora, eu fiquei e o melhor que posso fazer é esquecer das coisas que fazíamos juntos e recomeçar a caminhada, senão fizer isso corro o risco de inverter a equação e ser um vivo assombrando um fantasma. Adeus.
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