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O Anjo da melâncolia
Faraway, So Close!
Mauro Antonio Guari

O Anjo da Melancolia

               Logo será maio de novo, logo também ele estará de volta, o pequeno pé de ipê-branco, que insiste em florescer em maio.
               Pela observação da estações o ipê-branco parece ser o último a florescer; primeiro os rosados, depois os amarelos e finalmente os brancos que geralmente começam a florir em agosto. Mas este, plantado no começo da grande Avenida, parece não conhecer esta lei, suas flores aparecem em maio e morrem logo depois, as chuvas em maio começam a rarear, mas sempre que o pqueno pé de ipê está florido vem uma chuva e acaba com suas flores, que vão florescer apenas no próximo maio, desde que o pequeno pé de ipê-branco foi plantado é assim.
               A Avenida, esta sim, continua lá todo o ano, pepétua, parece até que sempre esteve lá. Grande artéria, por onde descem os automóveis dos humanos, é na grande Avenida que descem e sobem as mulheres e os homens desta cidade, na grande veia urbana transitam com seus sonhos, suas mágoas, seus pequenos momentos mágicos de alegria. Nas calçadas estão os trabalhadores, os ladrões, as prostitutas, as pastelarias chinesas, talvez não exatamente nesta ordem.
               Certo é que estão sempre fazendo coisas, boas ous más, não importa; os humanos precisam sempre estar fazendo algo, mesmo quando pensam que não fazem nada, estão fazendo alguma coisa.
               Aquele casal, parecem namorados, pensam em viver juntos. O rapaz na esquina pensa em roubar qualquer coisa da loja, qualquer coisa que se transformará em uma pedra que será fumada em uma lata de coca-cola. O velho na calçada lembra da juventude olhando os seios da moça morena que passa apressada; não há mais o que fazer, a moça já passou e a juventude também. Uma senhora pensa nas contas do próximo mês; alguns desses pensamentos se transformarão em ações, outros irão se perder, assim são os humanos. É de fazer rir a felicidade daquele idiota que sonhou na noite passada com seu grande e perdido amor. Seu grande amor que sequer pensa nele, que jamais ele voltará a ver. Ela morrerá na próxima semana, acidente de automóvel, morte instantânea.
               Neste momento de alguma vitrola perdida no universo vem “Samba do grande amor”, música feita por e para corações humanos.
               Mentes e corações humanos; sentimentos, amores, paixões, ódios, temores, esperanças, coisas que qualifican, vivo ou não, alguém como humano.
               Seres humanos que podem amar e odiar, que podem ser bons ou maus, que podem viver um belo dia de sol, que podem sentir a brisa, que sabem, ou deveriam saber que uma chave tanto pode abrir como fechar uma porta.
               No entardecer, o horizonte se transforma e agora uma garoa cai sobre a Avenida, fina, garoa que molha, contínua, à paulistana.
               E num instante a Avenida se transforma, guarda-chuvas pretos, cinzas, sombrinhas amarelas, coloridas, floridas, capas, galochas, poças d`água. O pensamento que muda. A vontade de ir embora, uma casa, um apartamento, para debaixo de uma ponte, um viaduto, uma toca, um lugar.
               Alguém que espera, uma mulher que faz um jantar; uma imagem para celebrar, para orar, um prato quente de comida, um chá, uma cachaça.
               Um lugar para ir e voltar. Os humanos precisam de um ponto, um sinal, um farol que os guie, que os chame.
               É João que não quer ver Maria, Maria que não quer ver João e mesmo não querendo; os dois só tem os dois; precisam se encontrar, precisam se molestar, precisam se ferir, precisam continuar vivendo, e só se vive com e para o outro.
               João com Maria, João com João, Maria com Maria, não importa, querem compartilhar, querem amar, querem morrer, sempre com alguém.
               O televisor ligado mostrando como a vida deveria ser, os hospitais mostrando como a vida é boa, o futebol, a música no rádio. Corações e mentes dos humanos: fazendo poesia, criando coisas, decretando o amor e a guerra na grande Avenida.
               A chuva aumenta e as pessoas se protegem, debaixo dos toldos, nas marquises. Olhares que se encontram, olhares furtivos, cegos, cheios de amor, olhares para o tudo e para o nada, olhares.
               A chuva se transforma novamente em garoa; então algumas mãos se encontram em mãos dadas, caminham sob a garoa, os ouvidos percebem que a enxurrada está indo pelos bueiros.
               A chuva limpa o ar da grande Avendida, tirou a poeira e levou a sujeira de um lugar para outro.
               Ah! Os humanos. Se soubessem a sorte que tem vivendo nesta Avenida, se soubessem a sorte que tem em poder amar, gostar, odiar, sentir o calor do sol, o frio da garoa, o vento ... mas eles não sabem; ou não querem saber, apenas vivem e morrem.
               Eu gostaria de poder ajudá-los, de ter um halo dourado e uma luz em volta de mim. Gostaria de morar em uma estrela ou nuvem.
               Mas nada disso me é dado, apenas caminho entre os humanos, apenas posso rir ou chorar com as coisas humanas. Não posso ajudar, não posso intervir, não posso fazer nada; apenas posso caminhar entre eles e esperar que logo seja maio e meu ipê-branco floresça para logo morrer na pouca chuva de maio.
               A vida é contada por um idiota cheio de sonho e fúria, mudei a frase do poeta, acho que também posso fazer isso.
               
          
          


Biografia:
Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas, professor da rede estadual de ensino.
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