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HOMEM INVISÍVEL
Vicente Vôgaluz Miranda

Visivelmente abalado
sujo só e sem dinheiro
pesava sobre o pescoço
a cabeça de concreto
gritava dentro das tripas
a marmita de mula
feijão arroz cebola e torresmo
ele seguia sua vida
carregado pelos ventos
que sopram de vez em quando
lançando seus ideais
contra os muros das capitais
enquanto sugavam seu sangue
sua energia, seu tempo
trazia o peito cheio de esperança
e as mãos sujas de cimento

Ninguém reparou seu rosto
risivelmente abalado
molhado com pingos de graxa
que a chuva trazia do céu
naquela tarde perdida
em plena segunda-feira
De repente ouviu
escuta bem filho de uma puta!
não
não era com ele
nem isso era com ele

No meio-fio da calçada
Avenida Paulista
agachou-se para pegar a pasta caída
e o executivo nem lhe agradeceu
entrou na padaria quitanda farmácia feira
na zona na putaria
desceu e subiu a ladeira
entrou pelo túnel
pelo esgoto
e pelo cano
não foi notado

Empalideceu em frente à vitrine
da loja de eletrodomésticos
assistindo à tv com olhos de bomba
ouvindo o governo dizer
que o país estava uma maravilha
pensou na maravilha e
na educação de merda
na saúde de merda
no salário de merda
na marmita de mula
feijão arroz zoião
de vez em quando pirão
de carcaça de peixe
bateu cartão de ponto um ano e meio
bateu à porta da igreja e a paz não veio
nem o engraxate na Praça da Sé pediu pelos seus sapatos
talvez soubesse do furo que havia na sola
janela do céu
dava pra ver a lua e as estrelas

Na banca da esquina
viu no jornal que o mandatário supremo expunha um sorriso
escancarado pelos dentes
e mandíbula que trituraram sua carne
e que cuspiram o seu sangue nas calçadas sujas e fedorentas
da Várzea do Carmo
ali mesmo
mãos sujas de barro deram o sinal para um ônibus
que não parou
e outro
e outro
e mais outro
nenhum parou

Construiu lixou poliu alisou pintou enfeitou
tantas casas em que não morou
tantas vidas que não viveu
tantos sonhos que não sonhou

Sem que ninguém percebesse
desapareceu sem deixar vestígio
planos preocupação prestígio
rosto família fotografia
documentos palavras sentimentos
nome sobrenome
não deixou lembrança
não deixou saudade
era sábado de festa
de confusão num bar
com paredes caiadas de azul e branco
e entre faces frias
na noite fria
ninguém viu nada
de nada sabia
ausência não reclamada
roupa não encontrada
nem ossos
nem corpo sem alma
mesmo assim o governo continuava dizendo
na tv e nos jornais que o país estava
uma maravilha!

Naquela manhã de domingo
os pássaros cantavam nos jardins de barro
os carros entupidos de graxa e barulho aqueciam o ar
as feias casas de concreto sorriam pro sol
e o mundo nem se deu conta
de haver um morador a menos
na face da Terra.

(visitem meu blog: vogaluz.blogspot.com)


Este texto é administrado por: Vôgaluz Miranda
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