Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
AS LARANJAS DO VIZINHO
Gilson Borges Corrêa

As laranjas do vizinho

Diariamente, deliciava-se olhando as laranjas do vizinho. Não eram suas, talvez por isso mais saborosas. Divertidas. Tinham uma cor exuberante, apesar da luz quase inadequada do inverno. Ficava ali mastigando pensamentos. Nada melhor do que olhar as laranjas do outro. Estas têm os que as nossas não têm. Isso, se as temos. Se pudesse subir no último degrau da escada e escalar o muro, por certo aquelas seriam suas também. Um dia, faria um bem para si próprio, retirando delicado, uma a uma, todas as laranjas do vizinho. Por que somente ele tinha laranjas? Por que tinha comprado? Por que havia plantado, produzido, cuidado com carinho do que era seu? Por que era dono deu um bom espaço. E daí? Ele também era seduzido pela terra, limpara o lixo dos fundos do quintal, examinara todas as plantas, que eram poucas, mas suficientes para o crescimento, tal como as laranjas do vizinho. Não havia nada atrás de seu muro. Apenas aquelas laranjas apetitosas, suculentas, das quais sentia um arrepio nos dentes, em pensar no simples fato de uma dentada em sua polpa. Via-a entre suas mãos: os gomos inchados de suco, os fios soltando-se, pequenos fiapos sem cheiro que se uniam aos gomos ou os atravessavam com cuidado. Via-as abrindo-lhes a casca, puxando uma parcela aqui, outra parcela ali, até deixá-las totalmente brancas. E nuas ficavam, quando se lhes retirava levemente a casca para não ferir os gomos. Nuas em suas mãos frágeis a acalentar uma laranja roubada.   
     Por que a laranja do vizinho é tão apetitosa? Por que não nos contentamos com as nossas, mirradas, casca com ferrugem, murchas? Por que sempre vemos no outro o que não encontramos em nós mesmos. Tal como as laranjas, a nossa vida é cheia de frutos que podem ou não ser partilhados, que podem ou não resistir à poeira, aos maus tratos, às intempéries. Que podem ou não crescer exuberantes. Nem tudo depende de nós. Mas um pouco, sim. Quem sabe deixamos de lados aquelas laranjas que nos parecem tão apetitosas e examinemos as nossas, com calma, carinho, cuidado. Talvez seja só do que precisem.


Biografia:
Bibliotecário e escritor. Literatura é respirar com sofreguidão a vida, nutrindo-a de sentido.
Número de vezes que este texto foi lido: 63925


Outros títulos do mesmo autor

Poesias A FAINA DA BRASA Gilson Borges Corrêa
Artigos O mundo evoluiu? Gilson Borges Corrêa
Crônicas BALADA DO REACIONÁRIO Gilson Borges Corrêa
Crônicas Um passeio no Gordini, com meu pai Gilson Borges Corrêa
Resenhas O IDIOTA de FIÓDOR DOSTOIÉVSKI Gilson Borges Corrêa
Crônicas Seria a Nação de Chuteiras, a Geni? Gilson Borges Corrêa
Crônicas Contratempos num passeio de bicicleta na praia Gilson Borges Corrêa
Contos DOCE OBEDIÊNCIA Gilson Borges Corrêa
Poesias CONSIDERAÇÕES SOBRE O FILME “O MENINO DO PIJAMA LISTRADO" Gilson Borges Corrêa
Artigos EXTENSÃO POPULAR Gilson Borges Corrêa

Páginas: Próxima Última

Publicações de número 1 até 10 de um total de 57.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
O sofrimento desnuda - Kinara Vitória de Sousa Santos 64367 Visitas
A Voz dos Poetas - R. Roldan-Roldan 64079 Visitas
Derecho al agua potable - Yuran Lukeny Antonio Mulenza 64076 Visitas
Hoje - Waly Salomão (in memorian) 64070 Visitas
Faça alguém feliz - 64068 Visitas
Linda Mulher - valmir viana 64043 Visitas
Menino de rua - Condorcet Aranha 64041 Visitas
A ELA - Machado de Assis 64030 Visitas
"Caminantes" - CRISTIANE GRANDO 64029 Visitas
A margarida que falou por 30 dias - Condorcet Aranha 64026 Visitas

Páginas: Próxima Última