Ela, com seus cabelos louros – um louro saudável e fabuloso, não um amarelo acinzentado. Olhos enormes, agudos e castanhos; levemente doces, como canela. Tinha um rosto firme e atraente, como alguém que vigia. Ela, que não era, digamos assim, minha super importante mulher, me fazia acreditar que tudo aquilo não passava de simples curiosidade, mas de início, eu mal sabia disso, acreditando antes ser uma paixão da alma concupscente, achando que minha alma racional não deveria dela se nutrir, alimentando-se somente da luxúria, coisa que, pensava eu, já se sabe desde o início.
Ela na verdade, não se sentiu constrangida ou de uma forma desesperada e inútil, avessas a olhares curiosos de um homem estranho, inventara uma válvula de escape completamente normal a uma estranheza natural pós-sexo. Ela me deu um beijo ainda morno na boca, se embrulhou no lençol novo de algodão com manchas amareladas com grandes estrias de corpos se amarrotando noite a dentro, e correu para as janelas acendendo um cigarro novo. Meus olhos capturavam aquela cena como uma câmera fotográfica pré-programável. A forma natural como os cabelos corriam livres pelo rosto em perfil até os ossos do ombro e a perfeição como o lençol se entrelaçava naquele corpo; as pernas e o mecanismo complexo da lombar, a curvatura das pernas em que tanto andei, como um forasteiro inútil procurando diversão. Eu cheguei na janela e também acendi um cigarro. Nem se importou muito de eu ter pego do seu maço, quase no fim. Quando olhei pra ela, buscando aprovação, vi que seus olhos guardavam um céu limpo e sem nuvens, ela piscando devagar, longe com seus pensamentos secretos de mulher. Passou as mãos de leve no meu rosto em sinal de afeição. Logo desejei ter feito a barba nesse dia. Ou na véspera, ou na antevéspera. Quem sabe na semana passada. As mãos dela no meu rosto, de certa forma, me deixavam um pouco apreensivo. Parecia disputa de pênaltis em final de campeonato. É peculiar como as mulheres que não são a sua, completamente sua, são tão carinhosas e meticulosas. Talvez esteja marcado aí o mistério. Ela e seus vinte e poucos anos. Flávia, nome comum, nome jovem. Eu não conheço nenhuma velha chamada Flávia. Ela ouve coisas que eu nunca ousaria ouvir (Dido, Mc seiláquem), usa adornos que eu nunca usaria (um piercing enorme no umbigo), coisas que eu nunca usaria (uma langerie preta do tamanho de um lenço). Fiquei olhando um pouco o seu quarto. A gente aprende muito olhando quartos, e descobre muito sobre as pessoas, especialmente amantes, só de olhar pros lados. Aquele, sem dúvida, era um apartamento de mulher solteira. Cheio de coisas espalhadas, quadros tortos, fotografias com cachorros e estranhos. Além da coleção completa do Nelson Rodrigues. Quando comecei a procurar minhas calças, reparei em um livro que julguei ser um de seus favoritos. O título é sugestivo e quase perceptível: Por que os Homens Fazem Sexo e as Mulheres Fazem Amor?, de Alan e Barbara Pease. Pra mim isso registra insegurança flaviana. E os homens gostam disso (elas também, claro). O ponto fraco de um, é o ponto forte do outro. Na verdade, o ponto fraco do homem é o sentimento – por isso aparentemente nós corremos tanto dele, por isso se esquiva do amor.
Ela, que não era minha super importante mulher, não parecia ser uma dessas mulheres que vive se entregando ao amor. Não é daquelas que curte uma tragédia à beira mar. Ela sabe que os homens, até mesmo as mulheres, são completamante oportunistas. Tudo é questão de estar na hora certa, no momento certo. Uma busca por algo diferente, fora do convencional. Uma reação ou fórmula monstruosa, nova, moderna, capaz de dar fim na carência e solidão pessoal. Uma equação escondida na metáfora de outra pessoa.
Assim que amarrei os cadarços da minha bota, sorri tácito para ela, fechei a porta, dei no térreo e entrei no carro, completamente mudo como um pierrot. Da janela, ela sorri. Talvez um pouco triste por causa dos olhos brilhantes. Ainda vejo ela dando um leve aceno com as mãos:
— E a gente, de novo?
— Sim, Flávia. Quando o cristo redentor coçar o nariz a gente se vê de novo.
Não sei por que, mas ela tirou o sorriso dos lábios. Ela, que não era, digamos assim, minha super importante mulher.
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