A casa grande foi demolida. Em seu local estão erguendo um edifício. A guarita ainda permanece. Guará parado na calçada analisa tudo, lembrando-se.
Naquela guarita, passou noites e noites... O Dr. Salomão (seria mesmo o seu nome?) chegando tarde da noite no carro importado cinza possante, macio. Após estacionar o carro saltava, com uma adolescente.
A lourinha com o medalhão dourado. A moreninha... E o escândalo depois. O desaparecimento das jovens. A dedução policial de que o sumiço delas tinha a ver com o tráfico de moças enviadas para o exterior, a serviço da rede de prostituição. A droga dominando-as, convencendo-as a partir, em busca do sonho de ser modelo. O doce e amargo sonho! As manchetes dos noticiários. E o colega Israel sendo assassinado ao sair de casa, por dois motoqueiros. O corpo no leito, ensangüentado do Dr. Salomão na casa à beira-mar, paraíso do sossego para o sexo e o consumo de drogas. Ele, Guará, descolocado, sua luta para retornar ao mercado de trabalho. O emprego de guarda do Transporte de valores... Tudo como se fosse um filme assistido, vivido, sofrido.
- Assim é a vida. Tudo passa.
O desabafo baixinho e de repente se lembra do velho do terceiro andar do prédio na calçada oposta, que ficava na cadeira de rodas à janela, olhando para fora. Xeretando, na ocupação de enfermo aposentado.
A janela está fechada.
Guará se afasta. No céu azul o sol de luz muito clara banha a rua, a construção que substitui a casa grande, as criaturas que se cruzam nas calçadas, os veículos na cena movimentada. Tudo seguindo uma ordem de prosseguimento. Haja o que houver, o mundo não pára, tem a própria marcha.
- É isso aí, seu Guará!
Fala de novo, gracejando. Dobra a esquina e na outra um pouco adiante, pega o ônibus, que parte em velocidade. Sim, o melhor mesmo é procurar esquecer o passado, o filme de ontem.
Lu Dias BH disse:
Paulo Valença O escritor dos contos curtos.
Você é o escritor de seu tempo.
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