Eram seis horas da manhã, dizia o despertador. Aquela sexta-feira prometia ser barulhenta como o despertador que não cansava de avisar que era hora de acordar. Para o Sr Agenor aquela era a pior hora do dia. Aquele “tinininim” que seu relógio fazia era para ele o pior barulho que existia. Ainda com sono sentou na cama, se encostou à cabeceira e jogou o despertador na parede com um belo cruzado de direita. Uma pilha desprendeu e pois fim aquele “tinininim” irritante. Ufa!
Depois de tomar seu banho o Sr Agenor de toalha amarrada na cintura abriu a porta do guarda-roupa e ficou observando o seu terno pendurado no cabide. Abaixou os ombros e disse para si mesmo:
_ Não podia hoje ser um dia diferente...
Chegando na cozinha ele observou a mesa com frutas, pães, um pote de margarina e um bule com leite quente. Sua esposa se aproximou com a garrafa térmica e depois de dar-lhe um beijo sentou em sua cadeira. Ele olhou em volta e sentiu que faltava algo:
_ Cadê as crianças, porque não estão à mesa?
_ Bom, a Luana hoje não vai a escola_ respondeu sua esposa enquanto servia o café.
_ E posso saber porque?
_ Cólica – respondeu secamente a esposa.
_ Sei! – falou ironicamente Sr Agenor enquanto cortava o pão_ E a Beth?
_ Está no banho.
_ Ainda? Desse jeito vai se atrasar!
_ Já estou indo lá apressá-la.
_ Essas minhas filhas me dão muito trabalho – reclamou o Sr Agenor enquanto lambuzava o pão com margarina – E o Júnior cadê?
_ Já saiu, disse que precisava chegar mais cedo na escola.
_ Pelo menos um pra me dar gosto!
O dia havia começado um pouco diferente, mas não era bem disso que o Sr Agenor estava querendo. Fazia questão de tomar o seu café da manhã na companhia de todos da sua família. Essa parte do dia não precisava ser mudada, afinal, rotina é rotina... O entregador de jornal atrasar também foi uma mudança que o Sr Agenor não gostou nenhum pouco. Como ele ia chegar em seu escritório sem saber as notícias do dia? Andar dentro do ônibus sem ler as notícias não podia de jeito nenhum fugir de sua rotina. Correria até a banca do Seu José, com um pouco de sorte conseguiria pegar o mesmo ônibus.
Mas acontece que correr com sapato, terno e quarenta e dois anos de idade não é uma tarefa tão fácil e o Sr Agenor perdeu o ônibus. Naquela sexta-feira a opção seria pegar dois ônibus para não chegar atrasado no serviço. Seria outro trajeto, em outro ônibus e com outras pessoas. Ele não estava gostando disso. Que dia! Pelo menos ia lendo o jornal no caminho.
Dentro do coletivo o cobrador conversa animadamente com uma adolescente. No fundo do ônibus um senhor gordinho, de terno azul marinho, moreno claro e de bigode escondia-se atrás das folhas do jornal. Na sua frente duas mulheres de meia idade conversavam. A filha de uma delas se casará mês que vem. O papo incomodava o senhor de bigode. Queria ler o jornal concentrado. Pior foi o jovem que sentava ao seu lado que puxou conversa e disse que fazia mal ler dentro do ônibus. Quem havia perguntado alguma coisa a ele?
Passam-se vinte minutos quando entra dentro do coletivo um garoto. Conversa algo com o cobrador e em seguida começa a falar em voz alta:
_ Bom dia senhoras e senhores...
Pronto! Agora que ele não ia mesmo ler o jornal, já vem esses garotos com o mesmo discurso, com frases feitas: “É melhor pedir do que roubar”, “Desculpa incomodar os senhores...” Ele só queria terminar de ler as notícias. Será que era pedir demais?
_ Eu tenho onze anos, meu pai morreu e minha mãe está desempregada. Tenho mais quatro irmãos...
_ Parece uma canção! – pensou o senhor de bigode.
_ Estou aqui pedindo que é melhor pedir do que roubar, qualquer ajuda pode ser dez centavos até um vale transporte. Agradeço a todos que puderem me ajudar e quem não puder agradeço da mesma forma.
Nesse momento o senhor gordinho de terno que conhecemos antes na sua casa e que queria ter um dia diferente tira por fim o jornal da frente do rosto. Surpreende a todos quando grita com o menino:
_ Seu mentiroso!
Indignada a mulher que sentava a sua frente e já mexia na bolsa a procura de umas moedas tirou satisfação com ele:
_ Quem o senhor pensa que é para chamar esse pobre menino de mentiroso?
Irritado o senhor gordinho jogou o jornal no chão e se levantou:
_ Eu sou o Sr Agenor Ferreira Borges, pai desse moleque!
Uns segundos de silêncio dentro do ônibus que é interrompido pelo jovem que sentava ao seu lado:
_ Ué, o pai dele não tinha morrido?
Sendo assim, Júnior desceu do ônibus com as orelhas ardendo. Sr Agenor teve um dia diferente e a rotina daquela linha de ônibus nunca mais foi à mesma.
FIM
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