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O silêncio cúmplice
Saídas noturnas
Paulo Valença

Resumo:
Marta sempre reclama das saídas noturnas de Graça, sua filha, em companhia da Tânia, a vizinha, pois, como mãe sente o pressentimento ruim...

1
Um dia, deixará de subir esses degraus, estará morando noutra casa, que não seja no alto, no morro! Quanta vez se prometeu de repente otimista, ao subir a escadaria estreita, na noite alta, com a madrugada chegando? Mas, o que seria da gente se não sonhássemos, idealizasse um dia melhor, com outras cores? Ergue a cabeça e vai observando as residências nas laterais, de porta e janela, o terracinho à frente, com ou outro morador, na cadeira de balanço e ouve o choro de uma criança; o latir de um cão; o grito de alguém xingando:
- Vai te lascar Edi!
Sorri compreensivo. Conhecedor dessa maneira descontraída dos habitantes do lugar. Será que a Marta está ainda acordada, à frente da televisão, esperando-o? Bem provável. Sua companheira de anos e anos! Ah, merecia sim, uma vida melhor, bem melhor.
Conclui a subida. E a Graça já estará em casa, de volta da saída com a amiga vizinha?
- Juarez eu não me agrado dessa colega de Graça. Muito avançada, moderna demais pra o meu gosto!
Marta sempre censura as saídas da filha em companhia da jovem morena, esguia, alegre e bonita. Reclama inclusive à própria Graça:
- Menina você não acha que está saindo demais não? Não tem uma semana que você não ganhe a rua à noite, para chegar de madrugada!
A filha cabisbaixa, evitando os olhos da mãe, mas, logo responde, justificando-se:
- Mãe, a Tânia é legal. A gente “curte numa boa”. A turma é unida.
Contudo Marta não concorda, entende que a filha se desculpa mentindo, fugindo à realidade:
- Falo para o seu próprio bem. Você é muito nova e o mundo é cruel, não é como a gente imagina não. A realidade é bem diferente. Já vivi muito, tenho experiência do que digo, na própria pele.
O silêncio de Graça e após a nova saída, então ela, Marta, se desabafa com ele, como se buscasse apoio ao receio do temível inesperado.
- Você tá certa, Marta. Eu também me preocupo com essas saídas, que afinal ninguém sabe para aonde vão às duas... Mas, um dia, numa hora eu resolvo tudo isso. Nem que seja apelando pra minha ignorância.
Então silenciam, entregando-se às reflexões angustiantes.
A luz da sala acesa. Marta ainda está acordada, como calculou. Devagar empurra a porta. Entra. E o rosto magro, pálido, se volta, acolhendo-o.
- Já estava preocupada...
Ele sorri, entendendo-a, como em outras vezes ao chegar.
- É, o expediente hoje foi puxado.
Senta-se n o sofá ao lado do outro, onde está a mulher, que torna a falar:
- A Graça saiu de novo com a Tânia...
Ante o silêncio do marido, ela continua falando:
- Não me agrado dessa mocinha. Sempre fico pensando no pior quando elas saem. É como se pressentisse algo ruim...
Juarez sente-se cansado, incapaz de manter o diálogo conhecido, que tanto o preocupa, que tanto o persegue nos últimos dias... E responde:
- Você está certa de se preocupar com Graça, ela é muito nova, bonita e com tanta violência, desajustes por aí... Mas, um dia, eu resolvo esse problema, nem que seja à base da ignorância!
Ergue-se e deixando a sala, ruma em sentido do banheiro, após o corredor, conjugado à sala vizinha.
- Vou me banhar. Vá esquentando a comida, Marta.
- Sim, sim.

2
O barzinho. As mesas com casais adolescentes. As conversas. As risadas. O tilintar dos talheres nos pratos. Os garçons servindo-os. Apressados. Profissionais. O som das ondas que morrem na praia deserta. Os coqueiros que se agitam à carícia do vento frio, que circula, enchendo a noite alta.
- Com o é Graça, está gostando daqui?
Ela fita o rosto à frente do rapaz forte, moreno, bonito, sorridente e aquiesce:
- Legal. Muito legal.
Ele continua sorrindo e, imaginoso, se vê no leito do motel próximo, com a mocinha que conheceu a pouco, apresentada que foi pela Tânia, amante do seu amigo, o João.
- Onde estão a Tânia e o Ricardo?
Indaga a jovem, como se de repente despertasse à realidade ante a ausência da amiga.
- Devem ter ido até o carro...
O sorriso. E os olhos de Graça buscam o casal. O carro estacionado, próximo, sem os dois. Então ela sente o repentino receio, o temor que... E, sente também a mão, por baixo da mesa, buscando-lhe a coxa desnuda pelo short. Nervosa toma a bebida de uma só dose. Contendo-se. Entendendo.
Atrevida, a mão vai subindo, ante a acolhida cúmplice do silêncio do casal.
Sim, logo se conhecerão melhor, no jogo dos prazeres.
A madrugada então substitui a noite e, indiferente ao que testemunha, prossegue em sua marcha, enquanto Graça e João se beijam com ardor.





Biografia:
Paulo Valença é autor paraibano premiado nacionalmente com seus livros de contos e romances; Pertence a várias Instituições Literárias; Consta de diversos sites; Vive em Recife/PE.
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