1
O homem “maduro” chega à janela e fica olhando para fora. Os edifícios altos, imponentes, modernos, bonitos. O céu atrás, acinzentado, devido à iluminação desses. Os telhados das residências embaixo, a avenida afastada, com os carros passando, pedestres nas calçadas...
- Um mundo!
- Falou Joel?
Indaga a mulher sobre a cama, ouvindo-o.
Sem se voltar, ele responde:
- Daqui do décimo andar a gente vê os edifícios, os carros e as pessoas como se fosse de brinquedos, fizessem parte de um mundo à parte. Entende o que quero dizer?
Ela sorrindo aquiesce:
- Entendo. Você sempre foi “encucado”! Me lembro agora do tempo da fábrica, quando você ficava assim analisando as coisas, dentro do seu mundo...
- É sempre fui desse jeito: observador, mas...
Afasta-se da janela e voltando-se:
- Deixa pra lá! O melhor é a gente se vestir e retornar às nossas vidinhas.
Ela mais uma vez aquiesce e erguendo-se e deixando o leito:
- Vou tomar um banho.
O corpo cheio, moreno, bem proporcionado então cruza o ambiente em direção do banheiro, ao lado esquerdo.
Joel segue-o com os olhos analíticos. A Isabel está com quarenta anos e se mantém em forma. Bem-feita, um “pedaço de mau caminho”. Desde aquela época da fábrica, de quando era colega da mesma seção que despertava atenção com sua presença de mulher atraente. Tantos anos disso tudo! Parece-lhe um sonho...
O encontro no ponto do ônibus, o reconhecimento entre ambos. As recordações. Os números dos celulares trocados. E hoje, aqui no motel, após o amor que os uniu em cenas avançadas, no desejo reprimido e revelado de repente... A vida com suas surpresas, seus caminhos que nos aproxima.
Sorri satisfeito. Realizado. Sim, realizado. “Valeu” o que “curtiu”, o que...
- Vai se banhar também?
A voz de Isabel retornando, o corpo envolto na toalha branca. O rosto de traços harmoniosos. Os olhos grandes, negros. A cabeleira longa. Está mesmo vivendo esse presente?
- Vou.
Dirige-se ao banheiro, em passos largos. E a mulher segue-lhe o corpo meio-gordo, os braços longos. As pernas em arcos. O jeito de se mover inclinando a cabeça de lado. Ah, Joel por que você não percebeu (ou percebeu?) o quanto o amava naquele tempo de quando jovens? Ou...
- É, mas hoje a gente se “acertou!”.
O sorriso de covinhas, no resumo prático de tudo e, despida enxágua a cabeça, em gestos nervosos.
De fora vem o som dos veículos e o grito prolongado de uma sirene passando em socorro a alguém. Quem está enfermo ou mesmo faleceu? A vida continua, haja o que houver. E essa mesma vida a espera. Daqui a pouco a acolherá, com a velha mãe cancerosa, acabando-se aos poucos numa cama; o filho adolescente desempregado, andando com “patotinhas”, ela receando que ele se envolva com drogas; a sua luta para se manter na fábrica, como encarregada de turma...
A realidade espera-a. A dura realidade!
- A água me devolveu a energia gasta.
Sorriem, se entendendo e logo, deixam o quarto, de volta ao mundo da realidade.
Agora caminham lado a lado.
- Quando nos veremos de novo, Isabel?
Fitando-o com ternura e sorrindo, ela responde:
- Eu ligo pra você.
- Tudo bem.
Silenciam. E, de mãos dadas cruzam a avenida para no abrigo dos coletivos defronte, esperarem suas respectivas conduções, de volta à realidade.
2
A esposa magra, pálida, sem graça, envelhecida. O casal de filhos adolescentes sem ligarem aos pais, servos do próprio egoísmo natural da idade. Ele cada vez mais calado, sozinho, envelhecendo, desligando-se de tudo, como se escudando contra o que vê, entende e não consegue evitar e... O encontro de há pouco. Ah, que sensação de vitória!
O ônibus se aproxima da esquina na qual saltará. Os passageiros entreguem ao mutismo de seus mundos. As residências conjugadas. Os carros, as motos, os pedestres apressados nas calçadas. O morro de moradias inclinadas. As escadarias estreitas, longas. Os postes de iluminação piscando, dando um quê poético à noite... Puxa o cordão, solicitando a parada. O coletivo estaciona. Rápido deixa-o e devagar, pensativo adentra na rua defronte.
- Boa noite, Seu Joel.
- Boa noite, Negrinho.
O sujeito baixote, gordo passa e ele segue em frente. Fiel, discípulo da própria realidade.
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