Todo Momento é bom
Foi uma sensação muito estranha quando ele entrou naquela escola.
O primeiro sentido despertado foi o olfato. Cheiros familiares há muito não sentidos se misturavam.
Borracha, grafite, giz, papel, suor e sei lá mais o que. Cheiro de moleque, talvez.
Fez uma conta rápida. Mais ou menos sessenta anos a última vez que pisou naquele local.
Algumas coisas estavam diferentes, mas grande parte permanecia do mesmo jeito.
Era como se estivesse voltando das férias. Umas férias mais longas é verdade.
Pensou que durante quatro anos, todos os dias, com exceção dos domingos, havia estado ali. Uns oitocentos dias no total.
Parado na porta de uma das salas de aula lhe veio a imagem de Dona Amélia, sua professora preferida. Enérgica, um pouco brava, dava muita lição de casa, mas, acima de tudo, justa. Muito justa. Não descriminava ninguém.
Lembrou-se do dia em que ela castigou o filho do juiz, menino prepotente, que gostava de humilhar seus colegas.
Naquele dia a vítima foi o Zezinho, que era da caixa e tomava a sopa de graça, porque não tinha condições de trazer de casa o lanche para a hora do recreio.
Após tocar o sinal, enquanto o filho do juiz abria a sua lancheira contendo pão de forma com presunto e queijo e suco de morango, ia dizendo para Zezinho: A sopa que você toma é de resto. Quando os legumes estão estragando em casa, minha mãe pede pra trazer.
Só tem coisa estragada.
Dona Amélia, que ouviu a conversa, não teve dúvida, retirou-lhe o lanche e o suco da mão e entregou a Zezinho. Em seguida, pegou o fedelho por uma das orelhas e levou-o até o refeitório, obrigando-o a tomar a sopa, que por sinal era muito bem feita e com todo carinho pela Dona Maria.
Zezinho feliz devorou o lanche e tomou o suco em poucos segundos.
De repente veio aquele cheiro da sopa da Dona Maria. Surpreso perguntou: Ainda servem sopa por aqui?
Informado que sim, não resistiu, foi até o refeitório, sentou-se na mesa grande de cimento armado e se deliciou com um belo prato de sopa.
As crianças olhavam assustadas, mas ele não estava nem ai, mergulhava o pão na sopa e ainda fazia barulho ao sorver a iguaria.
Depois foi ao pátio e lembrou do dia em que declamou na atividade em comemoração ao sete de setembro, ou melhor, que deveria declamar.
Na hora h, embora tivesse decorado exaustivamente o texto, deu um branco e ficou parado ali, diante de todos, com cara de bobo até que a professora o retirasse.
A vergonha foi tão grande, que até naquele momento, só de lembrar, sentiu um pouco de suor brotar em sua testa.
E o campinho de futebol? Será que ainda esta lá?
Mas não estava, agora é uma quadra de cimento com cobertura e tudo. Que decepção.
Lembranças, saudades. Gostaria de viver tudo aquilo de novo, mas se conformou. Pensou que daqui uns vinte anos, se ainda estiver vivo, vai lembrar dos momentos atuais com saudades, portanto, todo momento é bom.
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