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Balada do Cantador
Vicente Miranda

“Cantador, onde o teu canto
toca no céu cada estrela
há um sofrível encanto
e uma eufórica tristeza.
Tua magia, de fato,
vem do teu canto bonito.
Canta, anjo intemerato!
Canta no espaço infinito!”



Certo Cantador cantava
pelas ruas da cidade
e a plenos pulmões bufava
com toda fidelidade
coisas da vida mesquinha
de um povo sem esperança,
quando chegava à pracinha
logo encontrava as crianças,
formava-se um coro de anjos
em total fraternidade,
e os serafins e arcanjos
encantavam a cidade.

Do Cantador se dizia:
“Um maluco desvairado.”
Mas no fundo não se via
homem mais apaixonado.
Amava a vida das ruas
feito um herói vagabundo,
que cantando chegava à lua
num sentimento fecundo.

E ao cantar pela cidade
chamava muita atenção,
havia quem com maldade
rogasse praga à função:
“Maldito esse cantador
que não nos deixa dormir
ou acordar pro labor
sem essas joças ouvir.”

Indagavam-no por vezes:
“Por que cantas, cantador?
Vão-se os dias, vão-se os meses,
Vão-se os anos nesse ardor.”

Cantando ele respondia:
“Canto por necessidade,
não vivo melancolia,
vivo musicalidade.
Quem canta os males espanta,
dizia o velho ditado,
feliz é aquele que canta,
porque vive remediado.”
E cantando ele vivia
naquela alegre missão,
era de noite ou de dia
entregue em cada canção.

Um grupo se reuniu,
mulheres e homens sem pompa,
gente de fundo vazio
reclama da própria sombra:
“Vamos calar a boca
do cantador de uma figa,
aquela figura louca,
vagabunda e pervertida.”

Chamaram o delegado
pra dar um jeito na marra,
e ao povo descontrolado
o nobre da lei falava:
“Qual crime foi cometido
pelo cantador maluco,
que só canta esbaforido
toda a tristeza do mundo?”

“O crime é de vadiagem.”
“Ele corrompe as crianças.”
“Deve sumir da cidade.”
Vinha dos reis da lambança.

“Não sei se cantar é crime.”
Retrucou o delegado.
“Mas se algo assim se define,
meto-o já no quadrado.”

Levaram o cantador
algemado pra cadeia,
consumado estava o horror,
era meio-dia e meia.
Na sala do delegado,
se assim o povo deseja,
ao cantador questionavam
qual era a sua peleja.
“Vivo a cantar nossa vida,
não incomodo ninguém,
será atitude atrevida
levar-me daqui pra além.”

“Cala a boca, vagabundo!”
Desferiu o inquiridor,
que em vocabulário imundo
aprisionou o cantador.
Este a cantar se encerrou,
livre do guarda frajola,
qual pássaro não cantou
quando trancado em gaiola?

E passaram-se alguns dias,
até que numa manhã,
pasmo e confuso o vigia:
“Deus! Cadê o metido a Pã?”
A cela estava vazia
e os cadeados fechados,
então com qual primazia
havia dali escapado?
O vigia atordoado
benzeu-se pelo que viu:
“Isso é coisa do diabo,
como esse homem sumiu?
Passei a noite acordado
vigiando o cantador,
nada se explica de fato,
vou me estrepar com o doutor.”

Assim que acabou a história
de quem vivia a cantar,
algo nasceu na memória
do povo daquele lugar.
Muitos diziam ter visto
na noite de lua cheia
um objeto imprevisto
pairado sobre a cadeia,
que com luzes escarlates
revestiu todo o concreto
e rumou pra qualquer parte
deste infinito Universo.

Criou-se grande contenda
sobre o cantador das ruas,
muitos agora sustentam
que hoje ele canta na lua.

Há quem ouça estranhamente
nas madrugas tranqüilas
uma voz indiferente
em cantoria atrevida:
“Ninguém soube entender
a sina que era só minha,
mas daqui poderei ver
o teu fim, gente mesquinha!
Tenho estrelas ao meu lado
e o infinito à minha frente,
jamais ficarei calado,
cantarei eternamente!”


Este texto é administrado por: Vôgaluz Miranda
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