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Existencialismo de Kierkegaard e mundo líquido de Bauman
Giulio Romeo

Resumo:
O Humano do Existencialismo de Kierkegaard em diálogo com o Humano do mundo líquido de Bauman



O diálogo entre o humano do existencialismo de Søren Kierkegaard e o humano do "mundo líquido" de Zygmunt Bauman revela um contraste profundo entre duas visões sobre a existência, a liberdade e as ansiedades humanas. Embora separados por quase dois séculos e por contextos sociais muito diferentes, ambos os pensadores abordam questões existenciais centrais, mas de maneiras distintas. Vamos explorar como as visões de Kierkegaard e Bauman se entrelaçam e divergem em relação ao ser humano e à sociedade.

1. A Angústia e a Liberdade

Kierkegaard, considerado o "pai do existencialismo", explorou intensamente o conceito de angústia, que para ele é uma consequência da liberdade humana. A angústia surge do fato de que o ser humano está constantemente confrontado com a necessidade de fazer escolhas, sendo essas escolhas uma expressão de sua liberdade, mas também fonte de incerteza e desespero. Kierkegaard via a vida como uma sucessão de decisões existenciais que moldam a essência de quem somos, e ele acreditava que a autenticidade humana se encontra na capacidade de encarar essa angústia e fazer escolhas baseadas em um compromisso individual com a verdade e a fé.

Bauman, por outro lado, descreve o mundo contemporâneo como "líquido", onde as estruturas sociais, relações e identidades são fluídas, temporárias e constantemente mutáveis. Para Bauman, o ser humano moderno está em constante movimento, sem a solidez e permanência que caracterizavam sociedades anteriores. No mundo líquido, as escolhas estão sempre disponíveis, mas essa liberdade pode ser sufocante, pois a ausência de certezas gera uma angústia contínua. O ser humano líquido tem dificuldade de criar um "eu" estável, já que os relacionamentos, os trabalhos e até as ideologias são constantemente renegociados e descartáveis. Assim, a liberdade se transforma em uma fonte de insegurança.

Diálogo: Para Kierkegaard, a angústia é inerente à condição humana por causa da liberdade, mas é também uma porta para a autenticidade. No mundo de Bauman, essa angústia se multiplica, pois as escolhas se tornaram mais complexas e efêmeras, e as condições sociais e culturais não proporcionam a estabilidade necessária para que as decisões existenciais se enraizem. Ambos os autores lidam com a angústia da liberdade, mas enquanto Kierkegaard vê a possibilidade de superá-la pela fé e compromisso individual, Bauman observa uma sociedade onde o ser humano se sente preso pela fluidez das escolhas.

2. Autenticidade vs. Superficialidade

Para Kierkegaard, a autenticidade vem da escolha consciente e individual de se comprometer com algo maior, seja uma causa ou a fé religiosa. A autenticidade é o resultado de um processo solitário de autoexame e de assumir a responsabilidade pelas próprias escolhas. O humano de Kierkegaard busca uma conexão com sua própria essência, afastando-se das distrações e pressões sociais.

Por outro lado, Bauman descreve um mundo onde as identidades são superficiais e passageiras. No contexto do mundo líquido, as pessoas estão constantemente reconfigurando suas identidades, adotando diferentes papéis de acordo com as circunstâncias e as modas culturais.
A autenticidade, segundo Bauman, torna-se quase impossível, pois a sociedade líquida não oferece as condições necessárias para que o indivíduo encontre algo sólido no qual possa se ancorar. As relações humanas, que antes eram vistas como compromissos a longo prazo, agora se tornaram superficiais e descartáveis, contribuindo para um senso de vazio existencial.

Diálogo: O humano de Kierkegaard busca uma autenticidade profunda, através de um mergulho na interioridade e em escolhas existenciais fundamentais, enquanto o humano do mundo líquido de Bauman enfrenta dificuldades para encontrar esse tipo de profundidade em um mundo onde tudo é temporário e instável. A pressão para ser flexível e adaptável no mundo líquido pode ser vista como uma barreira para a busca de uma existência autêntica. Assim, Kierkegaard sugere que a autenticidade é possível com compromisso e seriedade, enquanto Bauman parece mais cético em relação à possibilidade de autenticidade em um mundo que valoriza a liquidez.

3. Ansiedade e Relacionamentos

Para Kierkegaard, os relacionamentos, como todas as decisões humanas, são uma fonte potencial de ansiedade, mas também de autêntica conexão. O compromisso verdadeiro em um relacionamento, seja com outra pessoa ou com Deus, envolve risco, incerteza e responsabilidade. O ser humano de Kierkegaard encontra significado em relações que são construídas com base em um compromisso genuíno, mesmo que isso traga consigo o peso da angústia.

Já para Bauman, os relacionamentos no mundo líquido são frequentemente marcados pela transitoriedade e pelo medo do compromisso. Em vez de buscar um envolvimento profundo, o ser humano moderno frequentemente opta por relações "leves", sem laços duradouros, para evitar o sofrimento ou o sacrifício que o compromisso pode exigir. No entanto, essa superficialidade nas relações também gera ansiedade e uma sensação de solidão, pois a busca por conexões rápidas e descartáveis acaba minando o sentido de pertença e profundidade.

Diálogo: Kierkegaard e Bauman concordam que os relacionamentos são fonte de ansiedade, mas enquanto o primeiro vê o compromisso como caminho para a autenticidade e sentido, o segundo observa como o medo do compromisso se espalhou na modernidade líquida, tornando as relações frágeis e frequentemente insatisfatórias. No entanto, a ansiedade persiste em ambos os cenários: em Kierkegaard, ela vem do risco inerente ao comprometimento; em Bauman, ela surge da fluidez e instabilidade das relações.

O humano do existencialismo de Kierkegaard é aquele que enfrenta a angústia da liberdade e das escolhas com coragem, buscando autenticidade e compromisso em meio às incertezas da vida. Já o humano do mundo líquido de Bauman se vê imerso em uma sociedade onde as certezas e as estruturas que antes ofereciam estabilidade estão dissolvidas, resultando em uma ansiedade crônica alimentada pela constante fluidez das relações e escolhas. Ambos oferecem uma visão profunda das angústias e desafios existenciais, mas a resposta de Kierkegaard é encontrar significado em compromissos profundos, enquanto Bauman observa o colapso dessas mesmas condições no mundo moderno.


Biografia:
Professor de Ciências da Religião, Teólogo, Filósofo e Pesquisador de Ciências ocultas. Procuro a verdade e quero compartilhar meus estudos sobre o comportamento filosófico e religioso de povos e comunidades, que tem a fé, como sustentáculo de sua existência tridimensional.
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