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Almoço de Páscoa
Angelyne Almeida

Resumo:
Tia Miloca vem do Rio de Janeiro passar uns dias em casa de mamãe, trazendo seu gato, Rufus.

Tia Miloca gostava de uma prosa! Tinha sempre algo a dizer sobre tudo. Parecia conhecer todas as pessoas e todas as coisas deste mundo e também do outro. Não havia um assunto sequer que a deixasse calada, para tudo possuía uma explicação, tinha um palpite, já sabia do ocorrido, já vira coisa semelhante, já lhe acontecera ou a algum conhecido seu, enfim, já tinha visto de tudo, era um poço de sabedoria popular!

Morava lá no Rio de Janeiro e, de vez em quando, vinha para São Paulo cuidar de seus negócios aqui. Vendia uns cortes de tecido e miudezas de armarinho, tendo clientela certa na sua vizinhança e, quando a mercadoria ia acabando vinha repor o estoque comprando lá no Brás.

Não sei por que a chamavam de tia, até onde eu sabia, ela não era parente de ninguém, mas todos a chamavam assim... Tia Miloca e pronto!

Numa dessas ocasiões em que tia Miloca veio para cá, nosso quarto de aluguel estava vago e mamãe a convidou para ficar nele enquanto estivesse em São Paulo e, como a Páscoa estivesse chegando, insistiu para que ela passasse conosco, ao que ela prontamente aceitou.

Essa senhora tão sabichona possuía um gato que trouxe consigo. Um gato grande e gordo que se parecia com a dona. Isso mesmo, tia Miloca também era grande e gorda, tinha faces redondas e rosadas, a boca pequena ficava comprimida pelas bochechas projetando-se para frente formando um biquinho. Seus braços roliços ficavam apertadinhos dentro da manga curta dos vestidos. Ela nunca vestia mangas longas, pois sentia muito calor. A porção que dava para ver de suas pernas sob os vestidos que iam quase até os pés também era roliça, lembrando um rosado pernil e os pés, ah os pés, que aflição! Viviam inchados devido à má circulação. Parecia sempre que haviam crescido dentro dos sapatos e não iam mais sair dali.

O gato da tia Miloca tinha aparecido um dia no quintal da casa dela enquanto ainda era bem pequenino. Ela ficara com pena e fora cuidando do bichinho até que ele pudesse se virar sozinho, mas acabaram por se acostumar um com o outro e ela ficou de vez com a peluda criatura à qual deu o nome de Rufus. Aonde quer que fosse a tia Miloca levava o bichano.

Rufus era um gato grande, forte, de pelo raso rajado amarelo e branco, com focinho rosado e maliciosos olhos amarelos, no formato de amêndoas. Era do tipo dissimulado, ladino e astuto, seguro de si, dotado daquela independência desdenhosa peculiar a certos felinos. Quando fitava alguém, era meio de soslaio, com os olhos semicerrados, disfarçando o olhar.

Mamãe não tinha muita afinidade com gatos, mas quando viu tia Miloca chegando com a gaiola recebeu o felino com naturalidade. A criatura logo ficou à vontade em casa. Bisbilhotou tudo, farejou, escolheu seus pontos estratégicos, geralmente fora do nosso alcance, e se acomodou a contento. Gostava de se encarapitar nos lugares mais altos da casa, no topo dos armários, no alto do muro, em cima do telhado. Quando chegava uma visita deslizava sorrateiro para fora do recinto, indo aboletar-se em algum de seus locais favoritos.
No sábado de aleluia cedinho tia Miloca saiu e mamãe foi até a granja comprar um peru para o almoço do dia seguinte. Ultimamente ela andava sempre economizando porque o dinheiro andava curto, mas com a tia Miloca hospedada em casa ela resolveu fazer um almoço mais caprichado no domingo.

Artur e eu estávamos brincando no fundo do quintal enquanto mamãe limpava o peru na cozinha. Nisso tocaram a campainha. Eram duas senhoras lá da igreja para quem mamãe costurava. Tinham vindo trazer tecidos para fazer novos vestidos. Folearam as revistas de moda que mamãe tinha sempre em dia, trocaram ideias, mamãe deu sugestões e afinal acabaram definindo o que deveria ser feito. Medidas foram tiradas para os novos modelos e tudo anotado no caderninho de costura. As duas senhoras ainda ficaram um bom tempo papagueando sobre as novidades. Finalmente, depois de tudo acertado, se retiraram desejando boa Páscoa e mamãe pôde, então, retornar a seus afazeres culinários.

Ao chegar à cozinha ela deu um grito. Artur e eu corremos assustados para dentro de casa. Mamãe estava desolada olhando para cima do telhado da lavanderia. Rufus encarapitado lá no alto saboreava calmamente o belo peru que seria nosso almoço de Páscoa!


Biografia:
Tradutora e escritora freelance. Artista plástica e artesã.
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