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  Texto selecionado
Preta, pobre e feia
CESAR FARIAS

___________________________

MOÇAS e Rapazes de 16 a 25
anos, p/panfletagem. Tratar: Av.
Cairu 1084/308. POA dia 19/03.
___________________________


- Bah... Essa tá fudida... Preta, pobre e feia...

   Uma gargalhada estrondosa e homérica escapou por entre os lábios apertados de Silvânia, que, diga-se a verdade, até tentou ser discreta diante daquele comentário. Nilson, o gerente, era um debochado, todos funcionários da CAIRU EMPRÉSTIMOS LTDA. o sabiam. Contudo, durante aquela seleção de candidatos fez-se evidente a sua verdadeira índole.
   Diante de ambos, apresentava-se o antepenúltimo candidato que conseguira retirar a senha para a entrevista. O Citzen na parede marcava já doze horas e dez minutos. A empresa, apenas mais uma no ramo da agiotagem, buscava dois novos profissionais para contratação imediata, visto a recente inauguração da primeira filial, situada no limite norte do próprio bairro.
   O serviço de panfletagem seria, na verdade, apenas um estágio de duas semanas e seis dias, que conduziria os selecionados ao Quadro Efetivo de Funciona-rios da Cairu. d                                      
   Nilson era o único filho do ex-deputado Ornella Hutzler, um viúvo alegre que acumulou, com alguns méritos, em sete mandatos consecutivos, um patrimônio que permitiu a ele e aos seus uma tranquila condição financeira, bem como algumas excentricidades.
   A falecida Sra. Iria Hutzler fora a católica mais convicta da família e tentara consagrar o coração do filho a São Lázaro, presenteando-o com uma medalhinha de ouro, relíquia do santo. Misteriosamente, o adorno acabou causando-lhe alergias no pescoço, semelhantes a marcas de açoite. O flagelo foi encarado por ela como um sinistro presságio do destino que aguardava o seu rebento na vida além-túmulo. Contudo, depois de frustradas tentativas, a velha desistiu de querer incutir-lhe o Evangelho.     
Decepcionada, guardou a correntinha de metal precioso no baú de relíquias, mantido até os dias de hoje no cofre do deputado, atrás do quadro de Portinari, no quarto do casal.                          
   A mocinha afrodescendente, com certeza, não ouviu a sentença em tom de murmúrio proferida a seu respeito. Porém foi-lhe impossível ignorar o riso daquela rapariga no momento em que cruzou, cheia de esperanças, o umbral da sala 308. Na peça não havia qualquer mobília, exceto as três cadeiras pretas acolchoadas e com braços. A primeira vazia, plantada em frente à janela na parede dos fundos e envolta pela escassa claridade daquele dia cinza. As outras duas, logo em frente, na penumbra, ocupadas por Silvânia e seu chefe. Enquanto ela, a cada novo candidato, rabiscava anotações em uma folha presa à sua prancheta de madeira, ele limitava-se a formular breves perguntas informais e esquadrinhá-los com o olhar.
   A jovem sentou-se e preencheu a Ficha, já bastante desanimada pela recepção que tivera. Suas roupas eram um pouco desbotadas pelo tempo e o tênis descolara na parte de trás durante os quilômetros de percurso a pé que fizera desde o Terminal de Ônibus do Mercado Público.
Faltava-lhe apenas um ano para concluir o Ensino Médio. O pai, desempregado, andava pressionando-a demais:
   
- Vai à luta, tchê... A minhas irmã com a tua idádi já trabalhavam... Só istudá não dá... Tu não é filha di rico.
                         
***
- Qualquer coisa a genti liga pra êssi teu telefoni di contato, tá? Por enquanto tâmo só fazendo cadastro...
- Tá, então ta bom.                            


Biografia:
Idéias e influências do autor estão em http://experienciatitude.blogspot.com/
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