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LIRA DESPEDE-SE DE NORIVAL E ACALENTA O PAI
Donária Salomon

NORIVAL
Antes de fechar o armazém, Norival, cansado de carregar caixotes nas costas e pedalar várias vezes por dia a bicicleta de carga, foi trabalhar como cobrador de ônibus na linha Campo Grande / Barra de Guaratiba, mas acabou optando por tentar a vida em Belo Horizonte. Quando foi despedir-se do pai, que estava na casa de Lira, argumentou: “Estou indo para ver se minha vida melhora. Trabalhei feito um burro e não consegui nada. Lá tem meus sogros que garantiram que vão me ajudar em tudo que for preciso”.
O pai chorava. Lira disfarçava o choro com medo de o pai passar mal, pois já andava queixando-se do peito que doía. Dizia ser por causa do murro que havia recebido daquele policial, tempos atrás. Quando Lira, abraçada ao irmão, foi levá-lo ao portão, sofria ao vê-lo partir. Pediu encarecidamente que não a deixasse sem notícias porque o pai não estava bem. E, lá da esquina, ouviu o mano gritar, acenando. Tchau! Maninha...
O pai já estava morando com ela, mesmo porque não tinha mais idade para recomeçar um novo negócio. O velho, com toda certeza estava amparado, feliz ao lado de Lira que o entendia como ninguém, fazia tudo para tornar a sua vida leve e confortável, conhecia seus hábitos, costumes e manias. Homem rural, pacato e de pouca conversa ouvia com atenção os casos contados por algum conversador sem traçar comentário, o aceno de cabeça era o bastante em concordar ou não. Sua simplicidade e timidez o tornavam muito humilde. O velho comia e sentia o prazer no gosto do tutu de feijão, sabia admirar a beleza do Sol nas auroras. Tinha aversão a calçados, há tempo não os usava, também não os tinha. Gostava de calças largas arregaçadas até as canelas, chapéu de feltro cinza que levantava ao cumprimentar alguém; a camisa de mangas curtas para dentro da calça, sempre com o último botão aberto. E, como sua calça não parava na cintura devido à frouxidão do cinto que era colocado por cima das presilhas, seu umbigo estava sempre à mostra. Seus olhos acinzentados se limitavam a olhar o tempo, arriscando a previsão ou apenas para admirá-lo. Quando um avião rasgava o céu com seu ronco, ele prontamente pedia que levasse lembranças a todos. No nariz grande e afilado algumas cicatrizes da famosa epidemia de Bexiga, que quando jovem, deixou-o por vários dias deitado na folha de bananeira com o corpo em feridas, não podendo colocar roupas. Usava bigode, mas a barba raspada; pele clara e avermelhada, sempre fumando seu inseparável cachimbo com fumo de rolo picado com um canivete que trazia no bolso. Com o polegar apertava o fumo dentro do cachimbo, fumava com satisfação até que a saliva enchesse sua boca para uma gostosa e abundante cusparada. Tinha o hábito de não tomar banho diário, antes de dormir lavava o rosto, os braços e os pés, e como não usava calçado sentava-se na cama, esfregava um pé no outro e assim tirava a areia que trazia do quintal até o quarto.
Banheiro, nem pensar! Suas necessidades eram feitas atrás das bananeiras ou moitas de capim, e seu papel higiênico eram folhas secas de bananeira umedecidas, muita das vezes com o sereno.
Muitos desses hábitos já haviam se modificado desde que foi morar no Carapiá e agora ainda mais na casa de Lira.
Já tinha feito de tudo um pouco para ganhar a vida, criou aves e porcos, foi pescador, vendedor de tripas, de pão e de bananas que ele mesmo cultivava... Enfim, sua natureza era predestinada para os negócios. No armazém, onde se sentia aclimatado, punha as mãos sobre o balcão, respirava fundo e ali estava realizado. Às vezes estando sozinho, pensativo, com o lápis atrás da orelha a olhar o horizonte...


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