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O que pensam os lingüistas sobre a dislexia
Uma questão de política educacional
Vicente Martins

Resumo:
Em 2001, enviei, no período de uma semana, e-mails a professores, lingüistas, psicolingüistas e psicopedagogos, brasileiros e estrangeiros, que atuam na área de aquisição, processamento e desenvolvimento da linguagem e suas dificuldades ou transtornos de aprendizagem. Busquei conhecer o ponto de vista dos lingüistas sobre a dislexia como uma categoria de estudos lingüísticos e objeto de pesquisa na área da Linguagem, Psicolingüística e Neurolingüística. Duas perguntas foram encaminhas aos docentes e pesquisadores: (1) Há lugar para a dislexia nos estudos lingüísticos? E (2) Podemos explicar, lingüisticamente, a dislexia? A seguir, eis uma amostragem de suas respostas à mensagem eletrônica.



Em 2001, enviei, no período de uma semana, e-mails a professores, lingüistas, psicolingüistas e psicopedagogos, brasileiros e estrangeiros, que atuam na área de aquisição, processamento e desenvolvimento da linguagem e suas dificuldades ou transtornos de aprendizagem. Busquei conhecer o ponto de vista dos lingüistas sobre a dislexia como uma categoria de estudos lingüísticos e objeto de pesquisa na área da Linguagem, Psicolingüística e Neurolingüística. Duas perguntas foram encaminhas aos docentes e pesquisadores: (1) Há lugar para a dislexia nos estudos lingüísticos? E (2) Podemos explicar, lingüisticamente, a dislexia? A seguir, eis uma amostragem de suas respostas à mensagem eletrônica.
Um dos primeiros a responder à mensagem eletrônica foi o professor Ari Pedro Baliero Junior . Seu trabalho de pesquisa, no qual estudou a afasia, desenvolve-se numa linha que podemos chamar de enunciativo-discursiva, cujas raízes teóricas encontram-se no pensamento de Carlos Franchi, Maria Irma Hadler Coudry, Ester Scarpa, Sírio Possenti, Vanderley Geraldi, Mary Aizawa Kato, Cláudia Lemos, Eni Orlandi, Eduardo Guimarães(em suma, o pessoal do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp), e é tributário de autores como Ludwig Wittgeinstei, Gregory Bateson, John Searle, Vygotsky, A. R. Luria, Michel Foucaut, Michel Pecheux, Oswaldo Ducrot, Austin, Grice, entre outros.
Citando Maria Irma Hadler Coudry , Ari Pedro Baliero Junior afirma que, do ponto de vista da Lingüística, a linguagem é considerada como uma atividade constitutiva, o que permite “ajudar na organização do conjunto de sintomas particulares a cada síndrome que se manifesta na “linguagem em exercício”, onde processos de significação verbais e não-verbais são elaborados pelos interlocutores nas diferentes instâncias em que sujeitos falantes de uma língua natural se expõem, informados por regras e atitudes lingüísticas e regulares sócio-históricas” (COUDRY: 1995:13).
Ari Pedro Baliero Junior salienta que considerar a linguagem como uma atividade constitutiva implica assumir que os sujeitos que a exercem constituem-na e se constituem no exercício da linguagem, na atividade “linguajeira”, no exercício do “linguajar”, ou seja, pensar sobre uma entidade nosológica como “dislexia” não é tão relevante, na avaliação do professor Ari Pedro Baliero Junior, quanto identificar como aqueles fenômenos de linguagem que se abrigam sob a entidade “dislexia” se relacionam com a pessoa particular que os manifesta no contexto particular desta manifestação.
O professor e pesquisador Ari Pedro Baliero Junior pensa a linguagem como um fenômeno humano, tão complexo quanto o próprio ser humano, e portanto irredutível ao tipo de explicação formalista, classificatório e monista tão caro às ciências médicas, de onde vem o paradigma que trata a dislexia como um problema individual. Por outro lado, acredita Ari Pedro que a dislexia e sua explicação pode lançar luzes sobre o fenômeno estudado, o que faz com que os lingüistas acabem tentando, por vezes, a este tipo de explicação lingüística ou psicolingüística.
O professor e pesquisador Ari Pedro Baliero Junior, da Unicamp, postula a existência de duas ou três posições sobre o transtornos específicos da linguagem escrita ( dislexia, a disgrafia e disortorafia) no campo dos estudos da linguagem e de suas dificuldades ou transtornos funcionais específicos.
Em primeiro lugar, segundo Ari Pedro Baliero Junior, os transtornos específicos podem ser pensados como problemas de aprendizagem, ou problemas cognitivos, a partir de uma posição teórica que parte das várias teorias psicológicas, caso em que teremos que identificar como ocorrem a partir da proposição de modelos gerais sobre o funcionamento cognitivo.
Em segundo lugar, podemos, conforme Ari Pedro Baliero Junior, pensar a dislexia como um problema ou disfunção de caráter neurológico, que implicaria algum tipo de desorganização de caráter neurológico, que implicaria, por sua vez, algum tipo de desorganização dos complexos sistemas neuropsicológicos envolvidos na lectoescrita, normalmente associados a problemas da fala, caso em que os modelos gerais seriam sobre o funcionamento neurológico ou neuropsicológico.
O professor Ari Pedro Baliero Junior postula ainda uma terceira posição, bem pouco comum na literatura, em que a Lingüística estaria envolvida, em que dislexia é explicada ou descrita a partir de modelos lingüísticos, o que teria que começar, segundo ele, pela distinção entre língua falada e escrita, bem como pela explicitação de modelos referentes aos mecanismos envolvidos em cada uma das duas atividades.
Em suma, o professor Ari Pedro Baliero Junior considera que pensar a dislexia em termos lingüísticos implica em três condutas de investigação: (1) esclarecer como aquele sujeito (qualificado de “disléxico”) se engaja na atividade de construção da linguagem escrita; (2) quais os dispositivos lingüísticos(fonológico-grafêmicos, sintáticos, semânticos, pragmáticos) que este sujeito mobiliza neste processo de construção e () como esta mobilização ocorre. Assim, conforme Ari Pedro, ao invés de partir uma definição do que seria a “dislexia”, partiria primeiro, na condição de pesquisador, para a busca de um entendimento do processo particular de cada uma das pessoais que manifestassem um tal quadro sindrômico, sempre questionado como tal pessoa constrói as significações neste processo.
Ari Pedro Baliero Junior acha que valeria a pena explorar a hipótese de que o engajamento da pessoa “disléxica” nos processos de significação envolvidos na aprendizagem da lectoescrita é problemáticomuita mais em virtude da inflexibilidade da práticas educacionais de ensino da leitura e escrita do que em virtude de qualquer “deficiência cognitiva” de caráter pessoal.
Ao ser indagada sobre o lugar da dislexia nos estudos lingüísticos, a professora Leonor Scliar Cabral afirma que há vários espaços privilegiados para o estudo da dislexia: neuropsicologia, neurolingüística, fonoaudiologia, distúrbios de aprendizagem da leitura e Psicolingüística.
Quanto à pergunta “Podemos explicar, lingüisticamente, a dislexia?”, Leonor Scliar Cabral responde “não” posto que “não é objeto da lingüística explicar distúrbios da linguagem oral ou escrita”. Porém, segundo ela, é absolutamente necessário que qualquer dos pesquisadores das cinco áreas especificadas acima que queiram diagnosticar dislexia tenham conhecimentos profundos sobre o sistema fonológico da língua do paciente e de sua variedade sociolingüística, em todos os seus níveis, bem como dos princípios do sistema alfabético da língua em questão. O mesmo se deve dizer, complementa ela, da elaboração de testes para diagnóstico de distúrbios de leitura e das capacidades metafonológicas.
A lingüista Eleonora Cavalcante Albano , da Unicamp, diz que, embora não seja uma “especialista em patologia”, por tudo que tem observado, acredita que a dislexia seja mais um rótulo patologizante para uma condição que inspira cuidados, mas pode ser superada via tomada de consciência das dificuldades e assunção de uma postura menos ansiosa. Dá o seguinte para o indivíduo disléxico:
“O indivíduo dito disléxico tem dificuldade aparente em operar com a palavra escrita.Faz mais “trocas” que todos nós, tropela, pode ter cegueira para certas palavras etc. Também tem, aparentemente, dificuldade de operar metalingüisticamente: rimar, soletrar, silabar”. (ALBANO: 2002).
Eleonora Cavalcante Albano afirma que suas observações vão no sentido de achar os indivíduos assim rotulados um pouco “desajeitados” com a fala. Segundo ela, os disléxicos são fluentes, mas nem tanto. Diz Albano que os disléxicos quanfo ficam verbais, parecem ansisosos e confusos, como se desconfiassem que há algo de errado com a fala –e, conseqüentemente, com a escrita – deles: provavelmente, conforme Albano, eles razão: devem fazer mais esforço que os outros para falar, mas não sabemos o porquê. Dá uma sugestão de investigação bem informal:
“ Se vc tiver alguma pessoa por perto que foi assim rotulada, faça duas coisas. Uma é ver se encontra sintomas como descrevo. A outra é tentar acalmar a pessoa, ajudando-a a orfganizar as atividades da fala e escrita. Se funcionar, dá um bom trabalho – social e acadêmico – na linha vygotskyana. Aí me conte porque me interessa”. (ALBANO: 2002).
Ao responder a pergunta “Podemos explicar, lingüisticamente, a dislexia?”, Lourenço Chacon Jurado Filho   diz não saber se os lingüistas podem explicar lingüisticamente a dislexia. O que pode dizer é que muitos fatos que, de modo patologizante, são apressadamente rotulados como dislexia, podem ser, facilmente, explicáveis por teorias fonológicas ou por meio de procedimentos bastante freqüentes na aquisição da escrita. Às vezes, segundo Chacon, de modo bastante apressado, processos freqüentes na aquisição da escrita ou mesmo dificuldades escolares resultantes de problemas de alfabetização são catalogados como dislexia.
Lourenço Chacon Jurado Filho afirma que a palavra dislexia está virando um termo “coringa” para designar qualquer fato que se supõe ser problema de escrita. Adverte, todavia, que não está, com isso, dizendo que não existem patologias que envolvem a escrita(especialmente resultantes de problemas neurológicos.
Com relação ao termo dislexia aplicado aos problemas de escrita, Lourenço Chacon Jurado Filho procura ser cauteloso e alerta que muito do que se rotula como dislexia não receberia esse diagnóstico fosse feita(nos casos considerados como problema de escrita) uma avaliação fonológica ou mesmo uma análise do processo de aquisição de escrita.
“Ainda é bastante freqüente a ‘cultura’ de jogar para o próprio aprendiz a responsabilidade por suas dificuldades, ao invés de se buscar entender os fatos envolvidos na aprendizagem da escrita e as falhas de nossos sistemas educacionais”.(CHACON: 2001)
O professor e lingüista Luiz Antônio Gomes Senna considera que a dislexia não é um fenômeno propriamente lingüístico, porque, no seu entender, este transtorno funcional específico não interfere no potencial gramático-discursivo do sujeito. Segundo ele, não se identifica qualquer vestígio da dislexia (até hoje constatado) na comunicação oral, tampouco na comunicação através de outros meios não orais, exceto a escrita.
Para o lingüista Luiz Antônio G. Senna, os fatores que desencadeiam a dislexia podem ser de diferentes ordens, desde sócio-afetivas, psicomotoras ou neurológicas:
“A relação entre fala/escrita é intermediada por um complexo de operações mentais(especialmente as que se relacionam com a segmentação das unidades do pensamento em nível representacional). O maior ou menor comprometimento neste complexo de operações resulta níveis proporcionais de dislexia”. (SENNA: 2001).
Luiz Antônio Gomes Senna adverte, todavia, que os investigadores precisam separar dos casos de dislexia, todos os eventuais comportamentos de custo no processo de alfabetização, resultantes de, por exemplo, simples resistência sócio-cultural à escrita, ou à aproximação ao modelo científico do pensamento:
“Estes casos são normais no processo de alfabetização e devem ser analisados como parte do processo de letramento em sociedades orais com altos níveis de desigualdade, como no Brasil. Comportamentos de pré-silabismo resistente, truncamente de palavras, ou mesmo de resistência à substituição do grafismo livre pelo alfabético, em sua maioria, resultado de um processo de letramento deficiente”. (SENNA:2001).
      Edwirges Maria Morato , professora da área de Neurolingüística(IEL/UNICAMP), diz haver uma polêmica em torno da (existência e da própria definição) da dislexia. Conforme Motato, em geral, tanto a definição quanto o diagnóstico clínico da dislexia têm sido refutados ou postos em questão , severamente, por lingüistas e pedagogos, sobretudo os não normativistas (com relação à linguagem e processos afeitos a ela).
     Com isso, afirma Edwirges Maria Morato sobraria como plausível o que se chama, às vezes, de “verdadeira dislexia”, isto é, um déficit isolado para a leitura e a escrita de natureza neurológica. Mas, assevera ela, mesmo entre os neuropsicólogos não se pode prognosticar qualquer acordo sobre sua definição ou existência. Para ela, na verdade, essas formas isoladas de déficits ninguém as vê, só a literatura as descreve tão bem.
     Sobre a questão levantada, por e-mail, Morato responde :
     “Você pergunta: Podemos explicar, lingüisticamente, a dislexia?”Ora, a Lingüística é melhor talhada justamente para pôr em risco a definição da dislexia, bem como toda forma de “patologização” da linguagem oral e escrita”.(MORATO: 2001).
     Quanto à pergunta “Aos olhos do lingüista, existe dislexia?”, Edwirges Morato afirma que há muita coisa escrita sobre isso, sobretudo trabalhos que procuram “desconstruir”, lingüisticamente, o conceito de dislexia:
     “Creio que a resposta a essa questão depende do posto de observação teórico a partir de onde se vê a coisa. A meu ver, é muito difícil sustentar(e não só lingüisticamente) a idéia de dislexia em sua acepção de déficit isolado de linguagem e escrita (e isso em função da constituição multifuncional, integrada e dinâmica da atividade lingüístico-cognitiva, bem como do próprio modo de funcionamento da atividade cerebral” (MORATO: 2001).
     Véronique Marie Braun Dahlet afirma que a dislexia remete a um problema de locução, mas tem raízes nas conexões cerebrais. O campo implicado com a dislexia, segundo ela, é a fonologia, que tenta remediar a dislexia, muitas vezes, com sucesso.
     Para Véronique Marie Braun Dahlet, concretamente, são os fonologistas que estudam lingüística para melhor entender os processos de linguagem, e buscam apoio para orientar as terapias em fonologia. No entanto, segundo ela, houve já estudos de lingüistas sobre o assunto (por exemplo, o de Jackobson).
     Véronique Marie Braun Dahlet assinala, em sua mensagem, que a dislexia não pode ser explicada à luz da Lingüística, mas, sim, descrita: por exemplo, em termos de fonologia, troca de tal fonema para tal outro. É, por isso, segundo ela, que os fonologistas precisam das ferramentas em lingüística,para dar o diagnóstico da dislexia(pois há várias, e dentro de cada uma em densidade variável). Assim, trata-se de um domínio clínico(medicina), porém,no nível das ferramentas para lidar com a dislexia, é preciso recorrer à teoria da lingüística .
      Na visão do lingüista Luiz Carlos Cagliari , a dislexia, como qualquer “defeito de fala”(distúrbio etc) é um julgamento feito pela sociedade, do mesmo modo que ela julga dialetos, como sendo melhores ou piores. A dislexia, segundo Cagliari,caracteriza-se, por outro lado, por “certas regras” e, portanto, permite uma descrição sistemática.
     Luiz Carlos Cagliari afirma que, como a dislexia não é prática(sistema) socialmente aceitável, passa a ter valor de algo errado. Mas, indaga ele, se a sociedade aceitasse a dislexia como prática saudável, haveria uma dislexia da dislexia?”.
     Na prática, explica Cagliari, a dislexia assume formas específicas: se a pessoa estivesse muito estressada, o medo da escola na alfabetização, traumatismos neurológicos etc. Diz o lingüista que, assim como se aprender uma língua estrangeira ou um dialeto padrão, qualquer disléxico pode deixar de lado sua dislexia – o que diferencia esse tipo de fala de outros tipos considerados patológicos(afasia etc).
     Respondendo à pergunta mais especificamente, Cagliari diz que todo desvio de um modelo tomado como padrão é um sistema que paga para se fazer valer na sociedade, como acontece como os dialetos de uma língua. Dado o caráter mais “individual” da dislexia, com relação aos demais do grupo, a estranheza lingüística é maior e mais sensível, despertando reações adversas.
     “A escola é um bom lugar para se criar e resolver traumas pessoais. Uns ficam disléxicos, outros aprendem dialetos novos e até línguas novas. Enfim, a dislexia, como qualquer dialeto, tem um processo de aprendizagem(aquisição da linguagem) e, certamente, não é uma simples questão de déficit mental ou neurológico, mas de sistematização da linguagem para uso pessoal”. (CAGLIARI: 2001).
     Joana Plaza Pinto afirma que a dislexia foi considerada, durante muito tempo, como uma doença neurológica porque, segundo ela, se imaginava que a maneira diferente que a criança disléxica lê era atribuída a algum distúrbio do aparelho neurológico. No entanto, acrescenta Joana Plaza, existe uma linha atual de abordagem que defende que a dislexia não é uma “doença”, mas uma forma diferente de ler como acontece com a criança canhota. Plaza afirma que o canhotismo é uma forma de escrever com uma mão “diferente” – que, aliás, também, foi tratado, segundo ela, como doença, durante muito tempo.
     Joana Plaza Pinto diz que, do ponto de vista da lingüística, pelo que sabe, a dislexia é, também, uma forma alternativa de aquisição de escrita e deve ser tratada como tal:
     “Ao que tudo indica, todas as crianças em alguma fase da alfabetização apresentam “sintomar” de dislexia. Uma parte delas(li uma vez 15%, mas não se esse informação confere) mantém as características da dislexia durante toda a sua vida, devendo, portanto, ser ajudada a adapatar-se à nossa escola “não-disléxica”. (PLAZA: 2001)
     Joana Plaza Pinto informa que a Lingüística, especialmente na sua atuação chamada Aplicada, tem ajudado, já há muito tempo, a repensar os conceitos envolvidos na alfabetização, incluindo, então, a abordagem para com as crianças disléxicas.
     Wilton Pacheco acredita que a dislexia, sim, é abordada pela Lingüística, mais precisamente pela Psicolingüística. Segundo ele, métodos de estudos baseados no erro, dentro da Psicolingüística, são desenvolvidos para compreender o desenvolvimento da linguagem. A Psicologia, assinala Pacheco, está fazendo uso dessa ferramente para diagnóstico e tratamento.
     Diz Wilton Pacheco lembrar-se de ter lido um livro na área da Psicologia que tratava sobre dislexia. O livro, de um autor alemão, tinha como título Psicolingüística e tratava sobre os principais problemas da psique humana como o autismo sob o enfoque da Psicolingüística. Todavia, afirma não lembrar de um estudo desenvolvido para que um professor em sala de aula pudesse identificar qualquer um desses problemas (autismo e dislexia, por exemplo).
     Para o lingüista João Wanderley Geraldi, inúmeras formas de falar, entre elas muitas consideradas como dislexia, não passam de variação lingüística. Crê que há problemas de linguagem com pacientes cérebro-lesados: inúmeros diagnósticos, vários tipos de problemas nestas afasias, mas acredita que muitos dos diagnósticos medicalizando problemas de linguagem estão muito longe de serem lingüísticos.
     A professora Teresinha Nunes afirma que a Lingüística tem um papel importante como instrumento na descrição da organização da língua escrita e descreve essa organização de uma maneira geral. Segundo ela, a organização descrita é a mesma para todas pessoas. Exatamente por isso a Lingüística, no seu entendimento, não pode explicar a dislexia:
     “Dislexia é um rótulo que se refere a diferenças individuais. Certas crianças têm mais dificuldades na aprendiagem da leitura e da escf4rita do que outras. Aquelas crianças que têm dificuldades muito acentuadas e inesperadas, pois são inteligentes e tiveram as oportunidades adequadas de aprendizagem, são as crianças disléxicas”. (NUNES: 2001).
     Do ponto de vista da lingüista e psicolingüista Letícia Maria Sicuro Corrêa , a dislexia é um distúrbio no processo da leitura, o qual pode se manifestar ao longo do desenvolvimento, ou seja, na criança, ao longo do letramento (dislexia de desenvolvimento) ou ser adquirida(atingindo o leitor hábil adulto), em conseqüência de lesão cerebral.
        Letícia Maria Sicuro Corrêa afirma que a dislexia afeta aspectos específicos do processo lingüístico na leitura, ou seja, no que concerne ao reconhecimento da palavra escrita. Segundo ela, um modelo psicolingüístico de acesso lexical, a partir da palavra escrita, pode contribuir para um melhor entendimento desse distúrbio e de variedades de manifestações do déficit, ao mesmo tempo que dados de pacientes disléxicos podem contribuir para a formulação desses modelos teóricos.
     Até que ponto a dislexia é um problema lingüístico? Procurando responder esta pergunta, Letícia Maria Sicuro Corrêa salienta que a dislexia não é um tópico de interesse da teoria lingüística, por se tratar de um processo de desempenho lingüístico. Por outro lado, segundo ela, a dislexia é um tópico que pode ser tomado como relevante para uma teoria piscolingüística, pois temete a questões relativas à representação e acesso a palavras no léxico mental.
     Letícia Maria Sicuro Corrêa, ao descrever às dificuldades específicas no âmbito da Psicolingüística e da Psicologia Cognitiva, afirma existem diferentes tipos de dislexia e umas podem ser mais interessantes do que outras para uma teoria psicolingüística. Cita o caso da dislexia puramente visual, ou seja, a que afeita a detecção de propriedades gráficas do estímulo, anteriormente ao reconhecimento de letras, que não é particularmente interessante para um estudo psicolingüístico, embora seja, segundo ela, de interesse mais amplo da psicologia cognitiva. Já as chamadas dislexias profundas, assinala ela, as que, portanto, envolve erros semânticos e de superfície, que afeta a conversão grafema-fonema, são diretamente relevantes para o estudo do acesso lexical.
     A lingüista Ester Mirian Scarpa considera a dislexia uma questão complicada. No seu entender, parece que os pesquisadores estão mesmo “isolando” a dislexia como um distúrbio, embora, ainda, não esteja clara a sua etiologia(sua causa). Por outro lado, segundo ela, as condições de escolarização no Brasil mascara casos de demora ou dificuldade de aprendizagem da escrita e leitura com a acusação de “patologia” atribuída a tais casos:
     “A instituição chamada “escola” prefere colocar a culpa do insucesso em distúrbios supostamente disléxicos(ou disgráficos). Assim, para se ter realmente um diagnóstico firma de dislexia, teria que se inserir a criança numa espécie de escola ideal, com muito estímulo escrito na família, controlar variáveis emocionais, atencionais etc, que possam estar atrapalhando a alfabetização” (SCARPA: 2001).
     Ester Mirian Scarpa afirma que uma “escola ideal” é um modelo muito difícil de se pôr em prática no Brasil, sobretudo se levamos em conta as “péssimas condições de ensino no País, incluindo professores mal preparados, também vítimas de condições”. Acrescenta: “ A dislexia enquanto tal é muito mais rara do que as estatísticas mostram”.
     Na visão de Sônia Maria Moojen , que se classifica como uma “apaixonada pela dislexia”, o ano de 2001 foi marcante para seus estudos dislexiológicos. Naquele ano passou 40 dias em Salamanca, estudando com os professores Emilio Sanchez e Mercedes Rueda. Disse-nos que a primeira disléxica que atendeu, em sua clínica, foi em 1967 (não se sabia, ainda, n Brasil, da dislexia nem mesmo eu fes o diagnóstico na época). Afirma, na sua mensagem, que está revendo todos os disléxicos que atendeu desde aquela época (não são muitos, segundo ela, porque a dislexia é rara) e mais recentemente reviu uma moça que agora tem 41 anos e é arquiteta. Pretende fazer um estudo retrospectivo destes pacientes.
     Sônia Maria Moojen diz que a dislexia existe, mas é rara. A dislexia, conforme Moojen, também pode ser chamada de Transtorno Severo da Leitura e Escrita(Conforme CID-10 e DSM-IV). Para ela, a Lingüística, sozinha, não explica a dislexia, mas ajuda muito na medida em que se sabe que o reconhecimento de palavras é um dos problemas básicos do disléxico(via fonológica e lexical). Há, conforme clássica Moojen, disléxicos fonológicos e os lexicais. Isso falado da dislexia do desenvolvimento e não das dislexias afquiridas.
     Sônia Maria Moojen afirma que o prognóstico da dislexia é reservado, ou seja, não tem cura.Os disléxicos, conforme analisa Moojen, podem fazer faculdade (se conseguirem burlar os erros). Acrescenta que os disléxicos sempre serão mais lentos para ler e escrever, embora sejam capazes disto. “É recomendável que façam provas orais”, sugere.
     No tocante a relação entre dislexia e ciências médicas e cognitivas, Sônia Maria Moojen avalia que a neurologia anda engatinhando neste assunto, mas há muita controvérsia. “Muitos dizem na área de neurodologia que a dislexia é de origem genética”, assevera. A Psicologia Cognitiva vem trazendo importantes aportes no campo dislexiológico.
     “Há consenso de que na dislexia há um problema de processamento da linguagem envolvendo também questões de memória. Há muito a ser desvendado sobre o tema, mas também há muitas informações erradas veiculadas pela média (atrás de todo disléxico pode ser um gênio...o disléco tem problemas em pular corda!?!?, ver as horas etc”. (MOOJEN:2001).
     Entre outros estudiosos na área de linguagem de suas perdas, citaríamos Sylvia Defior . Para ela, “La dislexia es um trastorno neuro cognitivo. No obstante, El tipo de sistema ortográfico (El código alfabético” que tienen que aprender los niños también tiene sua influencia y entonces La lingüística interviene”. (DELFIOR: 2001).
     Para a professora Rosimeire Monteiro, da Universidade Federal do Ceará(UFC), a dislexia é um problema neurológico com vários comprometimentos, entre eles o lingüístico. Há, segundo ela, pesquisas em Lingüística que se ocupam de tal distúrbio. São trabalhos, acrescenta, interdisciplinares que envolvem Psicologia Cognitiva e Lingüística. (MONTEIRO: 2001)
     No olhar sociolingüístico de Marcos Bagno , a dislexia não é abordada pela lingüística porque se trata, na verdade, de uma doença, de um problema de ordem médica. Em geral, afirma Bagno, a dislexia é resultante de algum tipo de lesão física. Alguns lingüistas se interessam pela dislexia, para ver o que acontece com a língua neste tipo de situação. E diz, taxativo: “ Na Unicamp, sei da profª Edwiges Morato, que costimar escrever sobre o tema. Mas não é um dos campos de interesse mais central da lingüística”. (BAGNO: 2001).




     


     




Biografia:
Vicente Martins, natural de Iguatu(CE) é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Estado do Ceará.
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