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LIRA e a INTRODUÇÂO...DO LIVRO
Donária Salomon

No instante em que se encontrou desativada de sua existência, contando 44 km de estrada, com todas as peças gastas, enferrujadas, em conseqüência da desastrada coluna que segurava seus nervos e músculos, no desespero da dor, enfartou.
Sentou-se certa tarde na varanda para apreciar a praça do seu bairro, por sinal com um nome bem sugestivo: Sítio do Pica-Pau Verde. Crianças brincavam... Do seu casamento a menina não nasceu. Contentou-se com três meninos. Em todo tempo não sentiu nenhuma frustração, achando-se predestinada a ter filhos homens. Deu chance, isso deu! A natureza, no entanto, soberana, não a elegeu para ser mãe de uma menina. E nesse dia a saudade apertou tanto que entre lágrimas e choro convulsivo que vinham do âmago, arrancou de dentro da si, a Bonguinha, e a trouxe à tona, a menina que fora na infância. Não precisou fabricar, ela existia, havia sido modificada através do tempo, tinha pegado jeitos e trejeitos de muitas pessoas com as quais conviveu. No entanto, personalidade e o caráter mantiveram-se intactos.
Enquanto o crepúsculo descia, Bonguinha subia e ria, do rangido da cadeira de balanço que ia e vinha. Chamou Dondon, depois veio Colosso. A chegada de todas as meninas, latentes em Lira, fizeram reboliço. Então colocando em ordem falou: “Deixa Bonguinha dançar, segurando sua saínha rodada, Dondon brinca com os botões da vovó e você Colosso que é uma mocinha vem me ajudar...” A verdade do momento a fez sentir-se em todos os lugares e situações por onde passou carregando as meninas: Os medos, as dores, o frio, o calor, a maciez, as asperezas, os sabores (da comida do fogão a lenha, dos frutos tirados do pé, do peixe do Rio Paraíba do Sul...) O primeiro e o segundo namorados, o casamento no final da adolescência, a idade adulta e a envelhescência... Fizeram-na voar. Voar. E voou... Feito o sanhaço da mangueira do quintal de sua infância.
Aproveitou o momento solitário, agradeceu a Colosso, a jovem, tudo o que ela havia feito por ela na juventude. Se não fosse tão sensata ela jamais teria chegado até aqui. Estava grata a essa menina que observou, perguntou, imaginou, experimentou, ensinou... Então, nessa hora Lira contou a Colosso o que desejava fazer: Trazê-la para junto dela, mesmo sabendo que ela não foi preparada pra tanto, mas que juntas haveriam de conseguir realizar, o dito... Por escrito...
Não precisou que falasse mais nada. Colosso tomou as rédeas da situação pra não vê-la tanto tempo sofrendo, às voltas com o computador. Disposta a ajudar, não mediu sacrifícios, não queria saber se era noite ou dia, seu propósito era colaborar.
Conseguiu e vou contar com detalhes esse feito de uma pessoa tão linda. Se eu disser que Lira não estava angustiada, desprovida de carinho, na certa vão chamá-la de aproveitadora, longe dela essa fama, mas depois da explicação vocês vão acreditar que ela, a minha musa, teria que ser ajudada, nem que fosse por Colosso, a mocinha que se tornou um osso duro de roer.
O que Colosso pôde fazer fez, e Lira não se arrependeu de ter deixado, pois estava cansada de ser lembrada, porém havia sido pisada. Sua vontade na verdade era ir pras cabeças, girar, girar, não em círculo, mas em todas as direções. Quando Colosso foi solicitada a ajudar, logo de cara resolveu dar uma de cientista, analista, qualquer coisa assim... Apoderou-se do corpo de Lira e deu uma revisão demorada nas suas conexões neurológicas ou convicções categóricas... E a coitada, convicta da experiência de Lira, mal sabia que ela nessa altura da vida, cheia de dúvidas, havia se apegado a Colosso para poder sobreviver. Colosso usou sua inteligência resolveu que ia trabalhar como despoluente, uma espécie de caseira, trabalhando o dia inteiro.
Retirou as ondas do carbonato de lítio, receitado (para a vida toda) por Dr. Isabela, sua psiquiatra. Ondas essas acompanhadas: Excipiente q.s.p, polioxietileno, lactose, amido, laurisulfato de sódio, estearato de magnésio e hidroxietilcelulose, cujos fragmentos circulavam a revelia no seu cérebro. Jogou-os na lixeira e aplicou -lhe dose, de valentia no setor transmissor do molenga amor. Raiva não existia. Ficou possessa, discutindo e a lembrando de coisas que ela havia passado e que ninguém no mundo desculparia. Ensinou-a que raiva todo mundo tem que ter. Que ela estava parecida coma ameba. Mostrou-lhe que com ausência dos filhos ela deveria tomar Sol e repor suas energias e parar com essa mania de ingerir às pressas a gostosa clorofila, deformando seus contornos. Quem quiser que espere. Já sugaram o que puderam.
Diante de seus argumentos, resolveram suprir as faltas. Colocou uma só gota da perigosa raiva, sugestão de Lira, pois não a sentia, Colosso achou-a por demais, criteriosa. Havia deixado o amor tomar conta de toda a superfície do seu corpo.
E o medo? Esse havia se alastrado formando uma imensa parreira, foi podado ocupando só o espaço a ele permitido e por Colosso determinado.    Porque ela haveria de ter bronca por estar sendo reativada? Desesperar-se! A menina seria a sua última chance não havendo mais nada a fazer. Quando Colosso conseguiu o material necessário construiu uma casinha no último andar, bem junto da caixinha preta da memória de Lira, na esperança, talvez de um dia ela abrir o cadeado e lhe dar a liberdade. No princípio ficou passeando pelo seu corpo, observou que havia funcionamento perfeito, tinha encanamento de irrigação e todos os órgãos trabalhavam bem. O mais interessante que constatou de cara é que o coração era pura saudade. No cérebro, o que pode detectar foi o medo em doses altíssimas, muita vontade e extrema criatividade. Há lugares intermediários, que ligam o primitivo e o moderno. Ali trabalhou várias noites. Vasculhou por muito tempo, até que chegou ao entroncamento do relacionamento equilibrado e cooperativo entre o humano e o mundo natural. Tornando-o possível refletir todas as potencialidades humanas. Depois de visitar seu coração, que já havia enfartado, porém controlado, foi até os seus pulmões e lá encontrou bastante fumaça. Era de se esperar, todos da sua casa fumavam. Então deu uma faxina, pai, mãe, tio, irmãos, marido e ainda havia resquícios dos lampiões e as lamparinas enfumaçando o ambiente. Durante essa temporada que passou nos seus pulmões, Colosso contraiu uma gripe muito forte e apresentava muita carne inflamada na garganta e tinha febre com muita freqüência. Então Lira a incentivou fazer uma inalação no vapor da panela onde ela cozinhava o feijão. A tossir e o espirrar bastante expulsou muitos vírus e bactérias...
Depois de ter acompanhado, observado e porque não dizer espionado ou quem sabe revelado, a vida alheia ou de Lira... Deixo a critério. Eu pessoalmente, não abro mão, fico com a Trajetória de Lira. Fazendo as contas, se não me engano, foram cinqüenta e oito anos. Consegui pôr no papel desde o episódio do seu nascimento, contado tantas vezes por sua mãe, e o restante da narrativa foi com a colaboração de personagens fortes, imaginários, que por sua cabeça passaram e conviveram com ela e comigo na carona dela, até os dias atuais. Acompanhei-a com prazer pra contar a sua vida. Ouvi seus telefonemas, usei o mimetismo, camuflagem... Enfim, dei nó em pingo d’água. Tudo isso porque não me preparei para entrar nessa de escrever, deveria ter feito uma faculdade, mestrado, doutorado ou até mesmo cursos de lingüística, literatura... Não fiz. Por um motivo muito forte a necessidade de a socorrer. E que realmente surgiu num momento de muito sofrimento.No entanto, o ligeiro corrupio de Colosso, feito um radar de potência máxima a retirar com urgência de sua memória tudo que esteve armazenado há tantos anos, girando entre o cérebro e o coração. Os únicos recursos disponíveis para alertá-la do perigo foram as cutucadas com o minúsculo pedaço da forquilha, onde o camaleão morreu, e que Colosso trazia sempre consigo. Por direito não lhe pertence, que a mãe natureza tenha paciência, elas vão devolver...


Biografia:
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