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PRA LÁ DE CAIPIRA
Orlando Batista dos Santos

Reportagem -
De segunda à sexta-feira o ritual é sagrado: ao entardecer, Jorge Augusto de Almeida (o Jorge Caipira) coloca uma caixa de som na calçada, liga o aparelho e começa o desfile de músicas caipiras, de preferência das antigas. À frente de sua lojinha, denominada “bazarzin”, Jorge mata a saudade e curte a nostalgia daquele “tempin bão”. Vez ou outra, pega o violão e lasca um ponteado, ou puxa o fole do acordeon, premiando o bairro Itajaí em Campinas com muitas melodias. Aos sábados e aos domingos o tempo da programação é bem mais extenso.

Nascido e criado no sul de Minas, entre Grota do Limoeiro e Rio do Peixe em Campestre, filho de Zé Conguinha (José Augusto de Almeida) e irmão do violeiro Zé Floresta (José Alves), desde criança Jorge participava de congadas, danças de São Gonçalo, catiras, folias de reis e de quadrilhas nas festas juninas.

Jorge conta que morava em casa de taipa com cobertura de sapê, tomava banho de bica e só calçou sapatos depois de moço. E não perdia um baile de barraca, muitas vezes tocando acordeon, “pinicando um violão ou sapecando um pandeiro”. Antes de ir a um baile, Jorge diz que lixava as mãos com cacos de telha e passava leite de mamão, para suavizar os calos criados pelo cabo da enxada. Depois, metia brilhantina no cabelo, bala de hortelã na boca e estava pronto para tirar as damas para dançar. E orgulha-se de nunca ter “levado tauba” (tábua - recusa por parte da dama em dançar com o cavalheiro).

O “bazarzin” de Jorge é um retrato fiel do dono, onde o velho e o novo dividem o mesmo espaço: entre doces, botões, presilhas para cabelos e material de uso escolar, encontram-se dezenas de objetos, muitos dos quais, antiguidades, como rádios de válvulas, vitrolas, relógios de muitas marcas e de todas as idades, maquinas fotográficas estrangeiras “de mais de 70 anos”. E não fica só aí: instrumentos musicais, sino de igreja, lamparinas e lampiões, chapéus, garrucha e uma coleção de “arma branca” composta de facões, facas, punhais e canivete Corneta. Mas nem todos os objetos expostos estão à venda. Uma “candeia” do tempo da escravidão “apanhada em rolo”, por exemplo, Jorge diz que não tem preço.

Quando o assunto é música, os olhos de Jorge ficam arregalados. Fala de Cornélio Pires, “o maior compositor caipira”, e das duplas caipiras antigas, de muitas duplas antigas, como Silveira e Barrinha, que escolheu para tocar no aparelho enquanto a conversa ia de vento em popa. A propósito, Jorge confidencia que também se arriscou no mundo artístico, formando a dupla Paraíso e Nortinho com o irmão, chegaram a cantar na Rádio Nacional, lá pelos idos de 1959. Mas as dificuldades para se manterem falavam mais alto, fazendo com que o sonho de ser artista fosse deixado de lado.

Entre as duplas mais velhas, Jorge prefere Vieira e Vieirinha. Entre as modernas, Cezar e Paulinho. Diz que tem muita gente boa atualmente, mas torce o nariz para o “MPB cantado a dois disfarçado de caipira”. Nosso caipira fala ainda dos sanfoneiros e é claro, de Mário Zan, “o maior sanfoneiro do mundo”, com a devida permissão de Sivuca, reconhece.

No meio da prosa, entra a esposa, Cida (Aparecida da Silva Almeida - casaram-se em 1963). Mineira, nascida na zona rural de Machado (Fazenda Caiana), dona Cida diz que seu marido é “pra lá de caipira”, e que ela lida com essa questão de forma mais ponderada. Jorge contesta. Diz que a esposa se modernizou demais e já não admite mais viver na roça. Dona Cida retruca, dizendo que caipira é caipira em qualquer lugar do mundo. Jorge olha para fora e desabafa: “tem muito caipira que num assume. Fico orguioso quando sô chamado de caipira. Liáis, só saí da roça pu farta de iscoia”.

A trajetória profissional de Jorge também não deixa de ser interessante. Depois que deixou a roça, trabalhou em hoteis, restaurantes, churrascarias, bares (Éden Bar em Campinas, por exemplo), sempre na luta árdua para garantir o pão de cada dia. Jorge também orgulha-se de ter sido chefe de cozinha na Escola Preparatória de Cadetes do Exército em Campinas, onde firmou grande amizade entre “gente graduada”. Para “descansar um pouco”, resolveu ser gráfico na CATI, órgão do governo do estado de São Paulo ligado à agricultura. Hoje aposentado, Jorge reclama que pagou bem mais do que a “mixaria” que está recebendo da Previdência.

Para quem se especializou em culinária, chegando a ser chefe de cozinha e preparado delícias da cozinha internacional, não custa saber um pouco de suas preferências gastronômicas, e nosso Jorge responde de pronto:

Virado de feijão com toucinho, arroz e couve;

Costela de vaca com mandioca;

Pé de porco com fava;

Paçoca de carne socada no pilão;

Angu com frango e quiabo.

Minha bebida preferida? “Pinga de tonér”.


Biografia:
Estudioso do Folclore e da Cultura Popular de raízes caipiras. Autor do livro Heróis Caipiras. http://www.clubedeautores.com.br/book/119026--HEROIS_CAIPIRAS Presidente da Associação de Produtores da Agricultura Urbana de Campinas e Região. Blog: http://aproagriup.blogspot.com.br
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